A Missão da Igreja é abarcante. Ela deve pregar, testemunhar, salvar e conservar. No aspecto de conservar há uma faceta sobremodo delicada que é a tarefa de disciplinar. A inexistência de disciplina a faltosos em quaisquer dos níveis da Igreja contribui, e não pouco, para a apostasia a médio e longo prazos. A falta de correção, a prática da impunidade, acabam gerando desconfiança e incredulidade na Igreja. A impunidade é combustível para alimentar a corrupção e a rebeldia.

A Bíblia menciona: “Visto como não se executa logo a sentença contra a má obra, o coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto a praticar o mal” (Ecl. 8:11).

Assim, quando os princípios não são defendidos com risco, não apenas da posição ocupada, como da própria vida, estamos contribuindo para o aumento da corrupção e da rebelião; estamos contribuindo para que outros, com mais ousadia, pratiquem maiores desrespeitos às normas da Igreja. Detectando o perigo, Ellen White declarou: “a linha divisória entre a Igreja e o mundo já se torna quase imperceptível. O povo está-se subordinando ao mundo, às suas práticas, seus costumes e egoísmo. Diariamente a Igreja está-se convertendo ao mundo. Os professos seguidores de Cristo não são mais um povo separado e peculiar.” — Serviço Cristão, pág. 45.

A Igreja sempre foi afetada, em maior ou menor grau, pelas práticas, pelos costumes e cultura de sucessivas épocas. Israel cansou-se da simplicidade das normas da Teocracia e pediu para si um rei como o tinham todas as nações (I Sam. 8:5). Desse modo, sempre que surge essa ou aquela moda lançada em Paris, Hollywood ou Rio de Janeiro, há uma agressão às normas da modéstia e da simplicidade cristãs. Onde há maior status cultural, social e econômico, a impunidade é praticada com mais frequência.

Isaías bradou contra a impunidade em seus dias: “Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem, mal; … põem o amargo por doce, e o doce por amargo!” (Isa. 5:20). Por sua vez, Paulo condenou a impunidade praticada na igreja de Corinto. Falava ele da tolerância para com a prática do adultério. Havia quem mantivesse relações sexuais com a própria mãe: “… e não chegastes a lamentar para que fosse tirado do vosso meio quem tamanho ultraje praticou?” (I Cor. 5:1 e 2). Ele então compara a prática da impunidade a um fermento capaz de contaminar toda a massa (v. 6).

Houve tempos em que não era difícil chegar-se à conclusão sobre a necessidade de disciplina para quem transgredisse o 4- e o 7- mandamentos. Hoje, lamentavelmente, é possível encontrar-se resistência em alguns lugares onde tais providências necessitam ser tomadas.

Vivemos em um mundo corrompido. Alguns dizem que vivemos num país que é o “paraíso da impunidade”. Nunca se fez tantas denúncias através de jornais, rádio e televisão a respeito da corrupção e dos corruptos. E nada acontece. A imprensa diz o nome de quem roubou, quanto roubou, fornece o endereço do autor do roubo, fala onde está o produto do roubo e nada acontece.

Como líderes da Igreja do Senhor, precisamos cuidar para não assimilarmos as práticas do mundo, a ponto de nos acharmos colocados no vergonhoso quadro descrito em Juízes 17:6: “Naqueles dias não havia rei em Israel: cada qual fazia o que achava mais reto.”

O caráter de Deus

A correção amorosa, justa e imparcial faz parte do programa de conservação da Igreja. Jamais devemos dar a impressão de que não há rei na congregação, seja ela grande ou pequena. Jamais deixar margem para se pensar que não há rei na Missão ou na Associação, ainda que venha custar a degola. Nunca deixar a impressão de que não há rei na União, ainda que a guilhotina nos aguarde. Não, nunca deixar que se sinta não haver rei na Divisão, ainda que nos aguarde um pelotão de fuzilamento no futuro.

“A maior necessidade do mundo e da Igreja hoje é de homens que não se comprem nem se vendam; homens que sejam tão fiéis ao dever como a bússola o é ao pólo…”

Uma única definição do caráter de Deus seria o suficiente — o amor. Deus é amor. Está escrito nas obras criadas e na Santa Bíblia. Nas leis e declarações complementares Deus pormenoriza explicando o que é ser amor.

Do Senhor é dito ser “compassivo, clemente, longânimo, grande em misericórdia e em fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniquidade, a transgressão e o pecado…” (Êxo. 34:6 e 7). Através do Profeta Jeremias Ele mesmo nos diz que nos ama “com amor eterno” e nos atrai com “amorável benignidade” (Jer. 31:3). Seu amor jamais acaba. Entretanto, este mesmo Deus, que não faz outra coisa senão amar, combina em Seus atos misericórdia e justiça. Jamais, em nenhum lugar Ele aparece enveredando pelos descaminhos da impunidade. Seu caráter santo não traz essa marca. Porque ama com amor eterno, de tal modo intenso e belo, Ele repreende e castiga a todos aqueles a quem ama (Apoc. 3:19; Prov. 3:12).

Disciplina no Céu

O rebelde não era um “João-Ninguém”. Não era uma pessoa inexpressiva, sem influência. Depois da Trindade, ele era o superstar, perfeito em sabedoria, formosura; fazia parte da guarda presidencial; suas vestes eram cobertas de pedras preciosas; era ele o regente do coral de milhões de vozes. Apreciado nos Céus e nos mundos habitados.

Mas a rebelião que esse ser promovera alcançara seu limite máximo. A terça parte dos membros da Igreja envolvera-se. Perante os mundos habitados levantaram-se suspeitas contra o caráter de Deus, Seu governo e Sua Lei. Parte dos que não aderiram abertamente eram simpatizantes da causa de Lúcifer. A hora de uma tomada de posição chegara. Deus não enveredou pelos descaminhos da impunidade. Fora misericordioso, agora seria justo. Aplicaria a disciplina.

Lúcifer foi então destituído, não transferido, de sua posição. Foi cortado da Igreja e expulso do aprisco. “Nenhuma mácula de rebelião foi deixada no Céu” — História da Redenção, pág. 19.

O arqui-rebelde e seus asseclas seriam no futuro cortados do número dos viventes. Deus não deixou a impressão de que não havia rei no Universo, e que cada um pudesse desrespeitar como bem o entendesse.

A impunidade cria ambiente para o descrédito, desânimo e apostasia. Ela não existe como componente do caráter de Deus. Nem anjos foram poupados (II S. Ped. 2:4-6).

Deus esperou, sofreu, trabalhou para recuperar, mas não condescendeu. Mesmo sendo Lúcifer um anjo superior, tendo a importância e a posição que possuía, Deus o puniu. Disciplinou-o. Não chamou o culpado de inocente, nem confundiu o mal com o bem.

Disciplina no Éden

O Éden, assim como o Céu, não parecia um lugar próprio para o surgimento da erva daninha do mal. Toda a criação prodigalizava ambiente para louvor, reconhecimento, gratidão e obediência. No Céu, a metade dos membros foi cortada da Igreja. No Éden, 100% foram eliminados. Estivéssemos nós na comissão de avaliação de uma grande perda lá no Éden, o que diríamos? Esses candidatos foram deixados sem conservação; o evangelista os preparou tão pobremente que não resistiram à primeira prova. O certo é que a perda ali foi maior que a do Céu, e trouxe consequências que se arrastam por séculos e milênios.

Deus procurou o casal culpado. Expôs o plano da salvação, matou o cordeiro, fez túnicas de pele, ouviu sobre seus sentimentos. Adão e Eva chegaram a desejar morrer em lugar de Jesus.

A despeito de toda a humilhação e arrependimento experimentados por eles, Deus os puniu. O amor, a misericórdia, o perdão, não invalidam a prática da justiça. O Senhor mostrou ao primeiro par de seres humanos o portal do Éden, expulsando-os dali.

Sabedor de que o coração pecaminoso torna-se corrupto e corruptor, Deus pôs querubins e uma espada que revolvia impedindo que alguém tentasse aproximar-se da Árvore da Vida, mostrando assim que a disciplina faz parte do programa de salvar almas.

Em Israel

Miriã ficou leprosa. Seu irmão, Arão, foi duramente repreendido quando condescendeu no caso do bezerro de ouro. O próprio Moisés foi punido com o impedimento de entrar em Canaã. Falando do erro cometido por ele, no episódio da água da rocha, escreve Ellen White: “A transgressão foi conhecida por toda a congregação; e, se tivesse passado sem a devida consideração, ter-se-ia dado a impressão de que a incredulidade e a impaciência sob grande provação poderiam ser desculpadas naqueles que ocupam posições de responsabilidade. … Quanto mais importante é a posição de alguém, e maior sua influência, maior é a necessidade de que cultive a paciência e a humildade.” — Patriarcas e Profetas, págs. 440 e 441.

“Deus quer que Seus servos demonstrem sua lealdade, repreendendo fielmente a transgressão, por penoso que seja esse ato. Aqueles que são honrados com uma missão divina, não devem ser fracos e flexíveis servidores de ocasião. Não devem ter como seu objetivo a exaltação própria, nem afastar de si os deveres desagradáveis, mas sim efetuar a obra de Deus com inabalável fidelidade.” — Idem, pág. 331.

Num dia de sábado, enquanto a congregação prestava adoração a Jeová, um cavalheiro foi ao campo buscar lenha. Não havia ainda as leis complementares mostrando que disciplina deveria ser aplicada. Moisés levou o caso ao Senhor e a punição veio em seguida: o homem foi apedrejado (Núm. 15:32 a 36).

Para quem apresentava fogo estranho, Deus disciplinava com fogo. No mesmo livro de Números é relatado um caso de disciplina. As moabitas conseguiram infiltrar-se no arraial de Israel. Diz o texto que o povo começou a prostituir-se. Deus ordenou a Moisés que os faltosos fossem disciplinados (Núm. 25:1-15). Apesar de tudo, Zinri, príncipe da tribo de Simeão, tomou uma midianita, pagã, e ostensivamente “perante os olhos de Moisés e de toda a congregação” atravessou o arraial, indo para sua tenda levando Cosbi. Que fazer? Zinri era um príncipe, gente importante. Mesmo assim, Eleazar tomou a lança, foi à tenda e atravessou a ambos.

Os versos 12 e 13 falam da aprovação de Deus à disciplina aplicada. Diz também que o gesto de Eleazar afastou a ira de Deus e aprovou a continuidade de seu sacerdócio.

Nos dias de Davi, autoridades reais tinham poder de vida e morte sobre seus súditos. Ninguém ousava levantar a voz contra um rei. Eles possuíam fornalhas para queimar, covas com leões para devorar, e espadas para matar. O déspota Saul dizimara várias dezenas de sacerdotes com suas respectivas famílias.

Davi, embora tenha começado seu reinado de maneira positiva, acabou tomando a esposa de um homem chamado Urias e mandou matá-lo. Ninguém disse nada. A comissão da igreja calou-se. A Mesa Administrativa do Campo e da União, também. Somente Deus não agiu impunemente, e disciplinou-o através do profeta Natã. Várias vezes, ao fazer referências a Davi, o Senhor assim Se expressou: “Davi foi bem em tudo, menos no caso de Urias”. Deus não Se deixa levar por motivos mesquinhos. É amoroso e justo.

Talvez haja ocasiões em que não poderemos impedir a injustiça, mas nunca devemos deixar passar a oportunidade de protestar sabiamente.

Deus está agindo

Deus não é um velho cansado, que não reage mais, que não abre mais a Sua boca, que não levanta mais a Sua mão; Deus não está tão desiludido com a raça humana a ponto de não mais intervir, entregando-a a seus próprio ímpetos. Não é um Papai Noel meio bobo que satisfaz aos desejos de todo o mundo e não exige coisa alguma.

Ele não é indiferente, não faz figura apenas; não empresta Seu nome aos poderosos, não assina papéis que outros redigem, não envelhece, não Se aposenta, não Se desanima, nem pede demissão de Sua glória e autoridade.

Basta ver na parábola dos lavradores maus (S. Mar. 12:1-12) para entendermos que Deus não é débil. De fato, Ele demonstrou uma enorme paciência com aqueles lavradores que agarraram, espancaram, insultaram e mataram os Seus servos, não apenas dois ou três, mas muitos outros, e, por fim, o Seu próprio amado Filho.

É preciso, no entanto, ler o resto da parábola. Ela na verdade encerra a história do trato de Deus com os homens. Ele é um campeão do amor, da paciência, da longanimidade, mas é justo. “Virá e exterminará aqueles lavradores e passará a vinha a outros’’ (v. 9). Essa é a completa identidade de Deus.

Companheiros, toda vez que deixamos de cumprir nosso dever em repreender, aconselhar e clamar contra as tentativas de transgressão dos princípios, estamos contribuindo para fortalecer a corrupção, a rebelião e a apostasia.

Diz a serva do Senhor: “Foi-me mostrado que Deus aqui ilustra como Ele considera o pecado entre os que professam ser Seu povo observador dos mandamentos. Aqueles a quem Ele tem honrado especialmente com o testemunhar as assinaladas manifestações de Seu poder, como aconteceu com o antigo Israel, e que ousam mesmo então menosprezar Suas expressas direções, serão sujeitos a Sua ira. Ele quer ensinar a Seu povo que a desobediência e o pecado são excessivamente ofensivos a Seus olhos, e não devem ser considerados levemente. Ele nos mostra que, quando Seu povo se encontra em pecado, devem-se tomar imediatamente medidas positivas para tirar esse pecado do meio deles, a fim de que Seu desagrado não fique sobre todos.

“Se, porém, os pecados do povo são passados por alto por aqueles que se acham em posições de responsabilidade, o desagrado de Deus estará sobre eles, e Seu povo, como um corpo, será responsável por esses pecados. … Um pecador pode difundir trevas que excluam a luz de Deus de toda a congregação. … Deus nos manda falar, e não ficaremos silenciosos. Caso haja erros claros entre Seu povo, e os servos de Deus passem adiante, inferentes a isso, estão por assim dizer apoiando e justificando o pecador, e são igualmente culpados, incorrendo tão certo como ele no desagrado de Deus; pois serão tidos como responsáveis pelos pecados do culpado.

“Os que passaram por alto esses erros têm sido considerados pelo povo muito amáveis e de disposição benigna, simplesmente por haverem eles recuado do desempenho de um claro dever escriturístico. Essa tarefa não agradava a seus sentimentos; evitaram-na, portanto.” — Testemunhos Seletos, vol. 1, págs. 334 e 335.

Tudo isso deve fazer-nos pensar. O reprovar o pecado, o corrigir, o disciplinar, o clamar “em alta voz e a plenos pulmões” as transgressões do povo de Deus, faz parte do plano da salvação, tanto como o anunciar a Justificação pela Fé.

No mesmo momento em que Jesus estava pendurado na cruz, salvando, Ele estava mostrando com que tipo de morte serão disciplinados os que rejeitarem Seu sacrifício: morte eterna, desamparo completo!

Enquanto educadores e psicólogos modernos ridicularizam a disciplina, incriminando-a como responsável pelos desvios na formação e desenvolvimento de uma personalidade sadia, Deus diz: “eu repreendo e castigo a todos quantos amo”.

Se queremos contribuir para a redução da apostasia, e ajudar na conservação das pessoas na Igreja, necessitamos restaurar a sua autoridade e a autoridade dos que a dirigem em todos os níveis.

A prosperidade espiritual da Igreja está muito ligada ao comportamento dos líderes. Nos dias de Israel, sempre que a liderança era fraca, pobre de poder, quando os princípios não eram de todo praticados e respeitados, o povo descia a níveis baixos na sua experiência com Deus.

Ao atentarmos para esse assunto, haverá mais respeito e valorização das normas. Estaremos contribuindo para estancar o fenômeno da apostasia ocasionada pelo afrouxamento inegável na prática dos princípios sagrados da Palavra de Deus.

JOSÉ CÂNDIDO BESSA FILHOPastor jubilado, ex-secretário ministerial da DSA.