O serviço da comunhão é uma ordenança para cristãos que podem racionalmente crer
Pode uma criança não batizada participar da Santa Ceia? Com tantos outros motivos para nos preocuparmos, essa é uma questão aparentemente sem importância. Mas, considerando que estamos lidando com crianças em formação, cujo comportamento futuro pode ser afetado por qualquer atitude no presente, devemos pensar no assunto.
Em virtude de que nem a Bíblia, escritos de Ellen White nem o Manual da Igreja estabelecem uma posição dogmática sobre o que fazer em tal caso, deparamo-nos às vezes com diferentes opiniões entre os membros da igreja. Há os que defendem a participação das crianças não batizadas na Ceia, baseando-se na refeição pascal do antigo Israel (Êxo. 12:21-26). Argumentam que aquele era um ato do qual participava toda a família, incluindo as crianças. Outro grupo crê que a participação das crianças deveria ser evitada, uma vez que elas ainda não compreendem o significado da cerimônia.
Qualquer posição a ser tomada sobre o assunto deve passar pelo crivo dos princípios bíblicos relacionados com o respeito às coisas sagradas. E também deve ser acompanhada por diálogo entre pais, professores, pastores e crianças envolvidas. Embora não apresente declarações categóricas sobre a questão, a Bíblia permite inferências que nos ajudam a tomar decisões a seu respeito.
Razões contrárias
Acredito que deveríamos aconselhar as crianças, com muito tato e amor, a não participar do serviço da Comunhão, por alguns motivos:
Primeiramente, a Santa Ceia, assim como o batismo, é uma instituição para crentes (Mat. 28:19 e 20). Ao observarmos com atenção a narrativa dos Evangelhos, veremos que eles situam a Ceia do Senhor como sendo ministrada aos crentes em Jesus e que formavam a nascente igreja cristã.1 Frank Holbrook, argumentando que ela é um ritual de grande significado para os cristãos, assim se expressou: “A Ceia do Senhor, então, é obviamente um ritual para cristãos, isto é, para aqueles que conhecem a Cristo como Salvador e Senhor. Os não cristãos e aqueles que ainda não têm idade para racionalmente entregar a vida a Cristo, naturalmente não deveriam participar.”2
Em segundo lugar, a festa da Páscoa, por mais importante que seja, não pode ser usada para validar atitudes na Ceia, pelos seguintes motivos: 1) A refeição pascal era familiar (Êxo. 12:21), e a Ceia é uma refeição grupai. 2) A Páscoa do Antigo Testamento apontava para Cristo, a verdadeira Páscoa (I Cor. 5:7). Ao usarmos essa festa para explicar pormenores da Ceia do Senhor, estamos usando sombra para autenticar a realidade, o que é inviável na interpretação do assunto.
O que está subjacente em Êxodo 12:26 é um propósito didático, ou seja, ensinar às crianças o significado redentor incluído na festa da Páscoa, tal como era comemorada pelos hebreus. É interessante notar que um israelita, apesar de ser circuncidado ao oitavo dia, entrando assim no concerto, somente se tomava um “Bar Mitzvah” ou “Filho da Lei” por volta dos 12 ou 13 anos de idade. Só então passava a ter prerrogativas de membro da congregação.3
A visita de Jesus, aos 12 anos, a Jerusalém atesta isso. No dizer de Ellen White, “entre os judeus, os doze anos eram a linha divisória entre a infância e a juventude. Ao completar esta idade, um menino hebreu era considerado filho da lei, e também filho de Deus. Eram-lhe dadas especiais oportunidades para instruções religiosas, e esperava-se que participasse das festas e observâncias sagradas. Foi em harmonia com esse costume, que Jesus fez em Sua meninice a visita pascal a Jerusalém”.4
Desta forma, percebemos que o fato de uma criança estar informada sobre um assunto não significa que está apta para colocá-lo em prática. Por exemplo, um adolescente pode entender algo sobre o amor, mas isso não garante que está pronto para casar-se.
Na Escola Sabatina
Outro ponto que merece atenção é a celebração da Ceia para os menores na Escola Sabatina, com o objetivos didáticos. Precisamos refletir um pouco sobre tal prática, embora crianças e juvenis também devam aprender o significado dos emblemas que representam o corpo e o sangue de Cristo. Algumas perguntas precisam ser feitas e respondidas adequadamente. Por exemplo: quem está habilitado a ministrar a Ceia para a igreja? Todos sabemos que esse é um rito que deve ser oficiado por pastores e anciãos ordenados.
O professor da Escola Sabatina, embora seja uma pessoa qualificada para muitas coisas, não é ordenado para essa tarefa. Ao fazer uma explicação sobre a Ceia do Senhor, o dirigente deve ter cuidado para não deixar na mente do aluno a idéia de banalização da cerimônia. O professor pode mostrar os emblemas e explicar o significado deles, todavia sem realizar o ritual.
Herbert Kiesler aconselha que “crianças não batizadas deveriam ser convidadas a observar os outros tomarem parte [na Ceia]. Após apropriada instrução e batismo, elas podem juntar-se aos crentes na celebração da morte, ressurreição e breve retomo do Senhor”.5
É dever dos pais, professores e líderes da igreja instruir os menores quanto ao significado da Ceia do Senhor e, com muito tato, dizer-lhes que na ocasião certa poderão participar. Essa atitude, juntamente com a devida instrução na Palavra de Deus, levará a criança a decidir-se por Cristo, batizar-se e, Conseqüentemente, tomar parte na cerimônia de Comunhão. No processo de instrução, é interessante ligarmos o batismo com a Ceia, mostrando assim que se o batismo é para pessoas que fazem profissão de fé, a Santa Ceia requer o mesmo.
Se os pequenos participarem de forma indiscriminada dos emblemas, como poderão valorizar futuramente os requerimentos da Palavra de Deus? Nosso dever, hoje, ainda é o mesmo que foi apresentado aos israelitas: “Estas palavras que hoje te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te e ao levantar-te” (Deut. 6:6 e 7). Estando devidamente instruídos, estes cordeirinhos crescerão sabendo valorizar os preceitos da Bíblia e a fé cristã.
Referências:
1 O evangelho de João pode ser dividido em duas partes, assim distribuídas: Capítulos 1-11 e 12-21. Os dois grandes blocos são divididos pela expressão “seus”. Na primeira parte, os “seus” são os judeus. O evangelista diz: “Veio para o que era Seu, e os Seus não O receberam” (1:12). Na segunda parte, os “seus” são os discípulos ou a igreja em formação (13:1 e 2).
2 Frank Holbrook, Ministry, fevereiro/1987, pág. 12.
3 Para maiores esclarecimentos sobre “Bar Mitzvah”, ver Henri Daniel Rops, Vida Diária nos Tempos de Jesus (Edições Vida Nova: São Paulo, SP), pág. 80.
4 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, pág. 75.
5 Herbert Kiesler, “The Ordinances: Baptism, Foot Washing, and Lord’s Supper”, Handbook of Seventh-day Adventist Theology, (Review and Herald Publishing Association: Hagerstown, MD), pág. 599.
Moisés Mattos, Secretário da Associação Sul-Rio-Grandense