Oferece a teologia mais benefícios do que riscos? Que papel desempenha ela no ministério do pastor?

Certa vez, quando pedi àqueles que haviam estudado Teologia comigo para que avaliassem o impacto espiritual da classe, um aluno respondeu sucintamente: “Isto é teologia; não pode ser espiritual.” 0 mesmo conceito provavelmente tenha motivado o oficial da igreja que lembrou os ministros que estavam sob seu comando de que falassem “sobre qualquer coisa, menos de teologia”.

Deveria o pastor ser teólogo? Algumas pessoas têm fortes reservas quanto a esta idéia. Acham elas que pregação e teologia são incompatíveis. A primeira, dizem elas, leva os homens à fé em Deus; a última, confunde e destrói toda a crença. No seu modo de ver, a teologia é um monumento da razão humana que desafia a revelação e defende a si mesmo. Só consegue levar a divisões e rupturas.

A opinião de que a teologia destrói a fé não é nova. Admitindo o potencial da teologia para dividir, o grande humanista do século dezesseis, Erasmo, recomendou àqueles que debatiam sobre assuntos teológicos: “Definam o menos possível, se desejam restaurar a paz.” Sabe-se muito bem que os Reformadores rejeitaram a filosofia escolástica por ser esta uma expressão do orgulho humano e às vezes se basear também em suposições pagãs.

Porque estava com medo do indiferente impacto da razão humana, o grande filósofo francês do Iluminismo, J. J. Rousseau, recomendava que se ensinasse religião aos meninos antes que estes atingissem a idade de 14 anos. E não muito tempo depois, Etienne Trocmé, da Universidade de Strasbourg, admirou-se em voz alta da compatibilidade do estudo da Bíblia com a teologia. Ele perguntava se a estrutura filosófica humana não distorcia nossa perspectiva sobre a Escritura e nos levava a fabricar, do seu conteúdo, respostas às questões que jamais procuravam estudar. Não seria difícil mencionar outros que têm considerado a teologia como um risco, em lugar de uma vantagem para o crente.

Nenhum escape da teologia

Por outro lado, deve-se admitir que é impossível fazer obra pastoral sem arriscar convicções teológicas. A maneira como usamos a edificação da igreja tem implicações teológicas. Aqueles que insistem em que a Lição da Escola Sabatina não deveria ser ensinada do púlpito, proclamam um certo conceito do lugar do clérigo e o do leigo.

A linguagem que usamos tem também um significado teológico. Quando anunciamos no boletim da igreja a Santa Ceia da semana seguinte, fazemos uma declaração teológica a respeito desse ritual. Num dia em que vários pastores tomam parte no mesmo serviço batismal, pode-se ouvir tantas teologias de batismos quantos são os pastores. Um diz: “Por que você ama a Jesus…”; outro: “De acordo com a tua profissão de fé…”; e ainda outro; “Porque você tomou a decisão de viver como um cristão…”

A liturgia que seguimos é teologicamente eloqüente. Quando temos o coro, e os ministros entram enquanto a congregação canta o hino inicial, ensinamos um conceito especial da natureza da igreja. Proclamamos também um ponto de vista da igreja quando disciplinamos os membros que deixaram de segui-la. Planejar uma campanha evangelística indica certo conceito de liberdade humana de responder quando a Palavra é pregada. Em certas Associações temos reavivacionistas, e isto suscita a questão de o homem poder iniciar um reavivamento ou ser isto prerrogativa exclusiva do Espírito Santo.

Dizer que escolhemos uma liturgia, ou usamos terminologia, ou seguimos um ritual, sem referência consciente ao conceito teológico, não significa que talvez tenhamos retirado todo o conteúdo teológico dos atos. 0 que fazemos ou dizemos inconscientemente, torna-se também parte da concepção religiosa dos membros da igreja. Na verdade, cumpre-nos saber que a repetição de atos e fórmulas pode ter uma influência muito mais profunda e duradoura do que as palavras mais cuidadosamente escolhidas de qualquer sermão. Levar a efeito o trabalho da igreja sem nenhuma consideração para com suas implicações teológicas, representa tanto uma ameaça para a experiência cristã, quanto o faz a teologia no abstrato. Uma vez que isto é verdade, não ousamos agir sem a consciência teológica.

Alguns estão convencidos ao dizer que é pelo fato de a mentalidade ocidental proceder de maneira completamente diferente da mentalidade hebraica, que temos problemas com a teologia. Enquanto o semita estava grandemente relacionado com o que Deus requeria em termos de moralidade e ação, os helenistas estavam ansiosos por saber a respeito da natureza de Deus e do Universo — e a teologia surgiu do helenismo. Assim, concluem eles, a teologia é incompatível em uma igreja centralizada na Bíblia.

Mas os adventistas do sétimo dia não necessitam de muita persuasão para reconhecer que o serviço do santuário levítico estava repleto de significado teológico. As pessoas que adoram um Deus que através dos tempos tem procurado revelar-Se a Si mesmo, não pode concordar que haja alguma coisa inerentemente maligna no esforço de saber mais sobre Ele e Sua vontade. É nossa atitude e nossa compreensão da função da teologia que a torna uma bênção ou uma maldição.

Perigos e funções da teologia

Em uma das cartas enviadas a Timóteo, Paulo apresenta claramente tanto os perigos como as funções da teologia. “Mantém o padrão das sãs palavras que de mim ouviste com fé e com o amor que está em Cristo Jesus. Guarda o bom depósito, mediante o Espírito Santo que habita em nós.

“Procura apresentar-te a Deus, aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade. Evita igualmente os falatórios inúteis e profanos, pois os que deles usam passarão a impiedade ainda maior. Além disso a linguagem deles corrói como câncer….

“Repele as questões insensatas e absurdas, pois sabes que só engendram contendas. Ora, é necessário que o servo do Senhor não viva a contender, e, sim, deve ser brando para com todos, apto para instruir, paciente” (II Tim. 1:13 e 14; 2:15-24).

Paulo adverte primeiro contra os falatórios inúteis e profanos. Sua preocupação mostra o perigo de permanecer no aspecto puramente especulativo. Ele adverte contra concentrar-se em assuntos sobre os quais temos pouca ou nenhuma informação. Às vezes parece que quanto menos sabemos a respeito de um problema, tanto mais dogmáticos nos tornamos quanto a ele. Por esta razão, quanto maiores os aspectos especulativos da teologia cristã, tanto mais acalorados debates têm às vezes causado, muitas vezes envolvendo diferenças em meras palavras ou mesmo vogais — como aconteceu na controvérsia ariana. É a esfera especulativa que também oferece o perigo de arrogância intelectual. Porque o desafio do oponente envolve nosso orgulho, raramente os debates teológicos levam a acordo. Devemos ensinar nossas congregações a pensarem por si mesmas sem ferir aqueles que não podem concordar plenamente.

Enquanto Paulo adverte sobre os perigos que o estudo da teologia pode acarretar, diz também que há uma coisa como a verdade. Ele não pergunta de maneira céptica, como fez Pilatos: “Que é a verdade?” Mas aconselha: “Mantém o padrão das sãs palavras… guarda o bom depósito.” Este conselho indica que a pesquisa da verdade deve seguir a segura trilha da divina revelação, em lugar de os vários caminhos da opinião humana. Em essência, em lugar de ser uma criação humana, a teologia é a descoberta de uma dádiva. A expressão “fazer teologia” é um tanto enganosa. Os teólogos verdadeiramente cristãos querem agir nos limites da revelação divina, confiantes em que nosso bondoso Deus revelou tudo o que precisamos saber.

Ellen White muitas vezes fez comentários nesse sentido. Numa carta que escreveu a alunos de medicina e enfermagem em 1903, disse ela: “Tudo que o homem precisa saber e pode conhecer a respeito de Deus, foi revelado na vida e caráter de Seu Filho, o grande Mestre.” *De nossa disposição para aceitar o que Deus revelou, vai depender se seremos ou não bem-sucedidos no estudo da teologia.

Paulo diz a Timóteo que ele não é um administrador de museu. A teologia não deve ser uma ciência esotérica guardada por palavras obscuras. Paulo o admoesta a “manejar bem a palavra da verdade”, a ser “um professor apto”. O verdadeiro teólogo caracteriza-se por uma grande sensibilidade para com as necessidades da igreja. Kari Barth realçou este ponto quando intitulou sua principal obra teológica de Church Dogmatics.

Em lugar de concentrar nossa obra teológica em torno de nossos interesses prediletos, importa que nos concentremos no bem-estar da congregação. Devemos buscar clareza e simplicidade, e não ficar satisfeitos com a solução de problemas de comunicação, pelo fato de nos expressarmos em alguma língua que nosso auditório não pode entender e que não podemos explicar em português. O verdadeiro teólogo cristão não continua numa torre de marfim, num misto de piedade e desprezo pelas pessoas que estão a perecer. A boa teologia cresce no sentido da cura das almas e da busca do perdido e do alienado. Provê os recursos de que o pregador pode valer-se quando surgem problemas na igreja.

Definindo a função da teologia

Com esta compreensão da descrição feita por Paulo da atitude correta do teólogo, podemos definir melhor o propósito da teologia. Em primeiro lugar, ela constitui uma reflexão sobre a mensagem bíblica. É a tentativa de ver as palavras de Deus na moldura de nosso próprio tempo e cultura. Como o perito que estuda uma pintura e nela procura descobrir a imaginação do artista e a situação da época, o teólogo descobre na Bíblia o pensamento de Deus e Seu eterno propósito — mesmo quando estes são expressos em palavras e imagens que são culturalmente condicionadas.

Em segundo lugar, teologia é técnica espiritual. É um esforço para ligar os temas das Escrituras por vigas e barrotes mentais. Como disse alguém, se conhecêssemos apenas dois fatos a respeito de Deus, necessitaríamos de uma teologia. Se conhecêssemos apenas os títulos do concerto de Cristo, eles reclamariam uma teologia de nosso grande Mediador e Sua pretensão da responsabilidade de ações humanas. A pregação do Evangelho do Pai e do Filho tornou necessária uma teologia para estabelecer relação entre essas duas pessoas. Como sabemos, falar a respeito de justificação sem se referir a santificação, pode ser realmente perigoso. E, por si mesma, a doutrina do sábado se afigura muito legalística; mas, colocada na moldura da compreensão do caráter de Deus e de Seu relacionamento com o homem, adquire ela muita beleza.

Necessitamos também de vigas entre a teologia e a liturgia, para que não neguemos liturgicamente o que afirmamos teologicamente.

A teologia, pois, está muito ligada com a ordem. Ela busca um sistema, um plano arquitetônico em que um princípio estabelece a ordem das partes. Como o matemático, o teólogo procura reduzir uma multiplicidade de elementos relacionados com a fórmula ou princípio básico que mantém unidas as partes. Dessa forma, a teologia ajuda na simplificação, clareza e solidez.

A teologia comove as pessoas

Em terceiro lugar, a teologia não é apenas técnica espiritual; é também uma criação artística. Helmut Thielicke a chamou “um cântico de louvor das idéias”. A verdade bíblica não convence os teólogos apenas intelectualmente; sua harmonia, equilíbrio e ritmo os comove. 0 plano da salvação não é apenas lógico; é belo também. Há um equilíbrio entre justiça e misericórdia. Há harmonia entre o caráter de Deus e a solução que Ele proveu para o problema do pecado. Há uma correspondência rítmica entre as necessidades humanas e a graça divina.

Dessa maneira, a teologia é uma ocupação do coração, bem como da mente. Os teólogos dão atenção aos seus sentimentos. O senso pessoal da presença de Deus na vida deles, sustenta-lhes a crença intelectual na existência de Deus. A teologia, pois, pode atear fogo à palavra do pregador.

Em quarto lugar, a teologia é uma prescrição para a vida. William Ames, o grande puritano divino, denominou-a “o ensino do viver para Deus”. 0 verdadeiro teste da teologia é o grau em que ela pode ajudar as pessoas a enfrentarem os problemas diários da vida particular e da igreja. Claro é que os escritores dos Evangelhos escolheram para seus livros os incidentes da vida de Jesus que se aplicavam melhor às necessidades da igreja. E quanto à aplicação da teologia à vida pessoal, conta-se que, quando alguém pediu a Kari Barth que desse uma idéia mais profunda de sua teologia, ele respondeu simplesmente: “Jesus me ama; sei disto!”

A teologia pode aplicar-se à vida porque ela retira vida da Palavra. Leva muito a sério a declaração de Jesus de que Suas palavras são espírito e vida (João 6:3). Em seu Little Exercise for Young Theologians (Breve Exercício Para Teólogos Jovens), Thielicke adverte repetidamente contra o perigo do crescimento intelectual que não é igualado pelo crescimento espiritual. A teologia deve expressar uma experiência própria da pessoa. “A menos que a teologia de um homem tenha algo dele mesmo, é uma teologia morta.”

Por essa razão, não devemos admirar-nos quando a teologia de uma pessoa começa no ponto em que a Bíblia começa a falar a essa pessoa e onde Cristo Se torna uma realidade viva. Para alguns, este ponto pode ser encontrado na justificação; para outros, na regeneração. Os cumprimentos proféticos podem ser o ponto em que alguns entram em contato com o Infinito, enquanto para outros ainda a simples história do amor de Jesus pode ter-se prestado a esta finalidade.

O perigo é que paremos no ponto inicial e olhemos de soslaio para todos aqueles que não atingirem o mesmo ponto. Sem levar em conta o ponto de partida, cumpre-nos continuar a crescer até finalmente abrangermos e apreciarmos todas as facetas da verdade bíblica.

A experiência pessoal não apenas assinala os lugares nos quais iniciamos nossas jornadas teológicas; determina também nosso progresso e crescimento. No meu caso, por exemplo, o conceito do juízo e do santuário se tornou significativo apenas por ocasião do Watergate. Naquela ocasião, vi o vivido e significativo contraste entre a disposição de Deus em permitir que todos os livros sejam abertos diante das multidões do Universo e o desesperado esforço do Presidente Nixon para impedir que a verdade fosse conhecida.

A teologia cresce através das crises da vida. O que os discípulos não puderam entender, embora viesse dos lábios do grande Mestre, aprenderam nas trevas do seu desapontamento, quando Jesus morreu, e no fulgor da mensagem da Ressurreição. Muitas vezes se aprende a teologia sobre os próprios joelhos, nas lutas com as frustrações e tristezas. A teologia suplicada inspirará os sermões que convertem almas.

O que o pastor deve saber

Enquanto todas as facetas da teologia são significativas, algumas são mais essenciais do que outras. Com certeza o pastor necessita de uma clara compreensão do caráter e da vontade de Deus, da missão e salvação de Cristo e da obra do Espírito Santo no crente e na igreja. Em compensação, não podemos realçar demais a importância da eclesiologia, pois muitas das questões com as quais os pastores precisarão haver-se, são, em essência, questões eclesiológicas. A compreensão da pessoa, da natureza e função da igreja, colide com problemas de autoridade, liturgia e disciplina.

Os pastores que reconhecem a importância da teologia, verificarão que inteirar-se de suas alegrias e problemas no contexto do propósito de Deus, enriquece-lhes a vida. E reconhecer a importância da teologia lhes realça também grandemente o ministério. Seus sermões terão maior simplicidade e solidez. Eles serão capazes de melhor avaliar onde estão os membros do seu rebanho no crescimento espiritual. Quando surgirem problemas, tais pastores estarão capacitados a envolver seus fiéis na solução. Em lugar de recorrerem a leis, podem eles auxiliá-los a ver as facetas teológicas do assunto e, com a graça de Deus, obter deles a decisão adequada.

Enquanto é verdade que a teologia sem ministério logo se torna um remédio amargo, é igualmente verdade que ministério sem teologia é pouco mais que ar perfumado. A história dos arianos e dos donatistas mostra que as igrejas que não desenvolvem uma teologia clara, não sobrevivem à oposição. E o que está acontecendo em muitas denominações protestantes, torna claro que as igrejas sucumbem quando a teologia de seu ministério está inteiramente desvinculada da que seus membros leigos ensinam.

Que os pregadores adventistas sejam teólogos que guardem zelozamente a verdade das Escrituras. Que sejam fiéis pastores, aptos a ensinar a sã doutrina.

* The Upward Look (Washington, D. C.: Review and Herald, Pub. Assn. 1982), pág. 323.

Dr. Daniel Augsburger, professor jubilado de teologia histórica da Universidade Andrews

Até a maneira como indicamos que a Escola Sabatina deve ser dirigida, pode apresentar um significado teológico.

É nossa atitude e nossa compreensão da função da teologia que a torna uma bênção ou uma maldição.”

“Em lugar de concentrar nossa obra teológica em torno de nossos interesses prediletos, importa que nos concentremos no bem-estar da congregação.”