Uma proposta para esta era de crise, desafios e oportunidades

Vivemos em tempos de mudanças e de incerteza generalizada em todas as áreas de atividade humana. E o campo da liderança não é uma exceção. A maioria dos especialistas concorda em que a crise de liderança “é o mais urgente e perigoso de todos os desafios que enfrentamos”. Só que esse é um problema “insuficientemente reconhecido e pouco compreendido”.1 Nas palavras de James Bolt, “a falta de liderança é evidente em toda a sociedade. Para onde quer que olhemos, observamos uma grave falta de fé na liderança por parte de nossas escolas, organizações religiosas e governo”.2

O clamor por líderes confiáveis tem se estendido a campos distintos: político, empresarial e religioso-eclesiástico. Provavelmente, um dos indicadores mais claros dessa tendência é o fato de que embora a sociedade em geral esteja experimentando um crescente interesse por assuntos espirituais, não são as igrejas cristãs as que melhor estão capitalizando esse despertamento. Ironicamente, muitas delas estão declinando?

Embora pareçam duras, as palavras de Oswald Sanders deveriam nos convidar à reflexão: “A igreja não tem escapado a esta escassez de liderança com autoridade. … Sua influência na comunidade mundial é mínima. O sal perdeu por completo seu sabor; e a luz, seu brilho.”4 Blackaby discerne a raiz dessa debilidade quando reconhece que o problema da sociedade vai além da falta de líderes: “O grande déficit da sociedade é que não existem líderes suficientes que entendam e pratiquem os princípios da liderança cristã.”5

Como produzir grandes líderes, parece algo fora do alcance de nossa era iluminada. Pouco a pouco, mas cada vez com maior freqüência, os estudiosos buscam respostas no terreno espiritual. E é nesse campo, como conhecedores da verdadeira espiritualidade, que surge uma valiosa oportunidade de apresentar uma proposta baseada na Palavra de Deus.

Hoje, mais do que nunca, necessitamos lembrar que a verdadeira liderança é um dom de Deus, outorgado a indivíduos para agir segundo Seus métodos e para alcançar Seus objetivos. Portanto, também nesse terreno, precisamos buscar respostas divinas para nossos desafios humanos.

Liderança tridimensional

John C. Maxwell menciona que após quatro décadas de estudo e observação, chegou à seguinte conclusão: “A liderança é influência. Nada mais nada menos.”6 Isso quer dizer que, num sentido mais amplo, ao falar sobre liderança, estamos nos referindo à capacidade que um indivíduo tem de exercer influência sobre outros. Foi nesse sentido que Ellen White enfatizou a importância de desenvolvermos nossa esfera de influência, a fim de causar impacto cada vez maior na sociedade, e apontou o caminho para alcançar esse objetivo:

“E quanto mais vasta a esfera de nossa influência, tanto maior bem podemos fazer. Quando os que professam servir a Deus seguirem o exemplo de Cristo, praticando na vida diária os princípios da lei, quando todos os seus atos testemunharem de que amam a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmos, então a igreja terá o poder de abalar o mundo.”7

Então, o segredo reside em se colocar em prática os princípios da lei na vida diária. Em seguida, é mencionado claramente que a lei referida é o grande mandamento: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas” (Mat. 22:37-40).

Ao refletirmos nessas palavras, descobrimos o desafio de crescermos ou nos desenvolvermos em três direções ou dimensões: Deus – próximo – si mesmo. Disso entendemos que o caminho para uma liderança de impacto passa por um desenvolvimento tridimensional que nos habilite a crescer em nossa relação com Deus, mediante o desenvolvimento de um caráter íntegro. Com nosso próximo, através de relações profundas e saudáveis. E com nós mesmos, por meio do cultivo de uma auto-estima sã que facilite o desenvolvimento dos nossos talentos.

Jesus, o maior líder que o mundo conheceu, seguiu esse modelo de desenvolvimento: “E crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens” (Luc. 2:52). Portanto, todos os que desejarem exercer uma liderança semelhante à de Cristo devem procurar um crescimento tridimensional, que será a única experiência que permitirá à igreja comover o mundo.

Líderes servos

Agora podemos concentrar nossa atenção em duas pistas sugeridas pelo mandamento, e que nos ajudarão a responder à pergunta: “Como nos desenvolvemos tridimensionalmente?” Em primeiro lugar, devemos notar que o grande mandamento nos desafia a viver o amor cristão (do grego agape). Esse amor, segundo o modelo de Jesus, encontra sua verdadeira expressão no serviço abnegado e mesmo sacrificial. “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos” (João 15:13; Rom. 5:8). Devemos lembrar que “a abnegação é a base de todo o verdadeiro desenvolvimento. Por intermédio do serviço abnegado recebemos a mais alta cultura de cada faculdade. De maneira cada vez mais plena nos tomamos participantes da natureza divina”.8

Mais que uma liderança treinada profissionalmente, ou teologicamente qualificada, por mais importante que sejam essas coisas, a igreja e a sociedade em geral estão procurando um tipo de líderes que levem a sério as palavras de Cristo: “… Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo” (Mat. 20:25-27).

Parafraseando Robert Munger, dirianos que necessitamos de indivíduos que liderem a partir de níveis considerados inferiores, que entendam seu papel fundamental como servos, e que saibam ouvir e responder as necessidades reais do povo. A igreja necessita de líderes que mostrem capacidade para comunicar e viver as boas-novas, de tal modo que não haja nenhuma dúvida sobre onde se encontra sua lealdade.9 Líderes que estejam dispostos a lavar os pés do povo e, desse modo, demonstrar a realidade do reino de Deus em sua vida. Em suma, a igreja necessita de líderes que pratiquem uma liderança Serviçal.

Excelência

Em segundo lugar, o grande mandamento nos desafia a trilhar o caminho da excelência mediante o desenvolvimento máximo de nosso potencial. Não há espaço para a mediocridade nem para o conformismo, em nosso serviço prestado a Deus. Isso é evidenciado no texto bíblico, através da repetição tríplice da expressão grega holos, traduzida como “todo”. Ao servir a Deus, devemos fazê-lo com todo o nosso ser; de uma forma completa e equilibrada. Aqui não há espaço para cavilações e muito menos para meia lealdade.

Ellen White refere-se a isso, dizendo: “Amá-Lo – o Ser infinito e onisciente – de toda a força, entendimento e coração, implica o mais alto desenvolvimento de todas as capacidades. Significa que, no ser todo – corpo, espírito e alma – deve a imagem de Deus ser restaurada.”10 O famoso missionário Stanley Jones entendeu a necessidade que temos, como líderes, de procurar esse desenvolvimento total, harmonioso e equilibrado. Ele escreveu: “A atitude cristã é: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coação (natureza emocional), de toda a tua alma (natureza volitiva), de todo o teu entendimento (natureza intelectual), e com todas as tuas forças (natureza física). A pessoa inteira há de amá-Lo – mente, emoções, vontade e força física. … Alguns indivíduos O amam com a força da mente e a debilidade da emoção – os intelectuais religiosos. Outros com a força das emoções, porém com a debilidade da mente – os sentimentais da religião. E outros, finalmente, com a força da vontade e a frouxidão das emoções – o homem de ferro, intratável. Porém amar a Deus com a força da mente, da emoção e da vontade, torna o caráter verdadeiramente cristão, equilibrado e firme.”11

Quem trabalhar segundo esse modelo desenvolverá um caráter que exercerá uma influência quase irresistível. Líderes capacitados por Deus para exercer uma influência irresistível que comova o mundo. Podemos ter tal aspiração superior? Essa é a classe de líderes que Deus deseja formar e que o mundo e a igreja necessitam. Então serão cumpridas em nós as palavras de Cristo: “Vós sois a luz do mundo…” (Mat. 5:14).

A igreja precisa de líderes que lavem os pés do povo. Em outras palavras, que pratiquem uma liderança Serviçal.

Referências:

1 Warren Bennis, “The Leader as Storyteller”, em The Harvard Business Review (janeiro/fevereiro 1996), pág. 154.

2 James F. Bolt, em Francês Hesselbein, Marshall Goldsmith e Richard Beckhard (editores), El Líder del Futuro: Nuevas Perspectivas, Estratégias y Prácticas Para la Prójima Era (Bilbao: Deusto, 1996), pág. 191.

3 Henry e Richard Blackaby, Spiritual Leadership: Moving People on to God’s Agenda (Nashville, TN: Broadman & Holman, 2001), págs. 5-9.

4 Oswald Sanders, Sea um Líder: Aprenda a Ser um Líder Dinámico y Espiritual em su Ministério (Grand Rapids, MI: Portavoz, 2002), pág. 12.

5 Henry e Richard Blackaby, Op. Cit., pág. 13.

6 John C. Maxwell, Desarrolle el Líder que Está em Usted (Nashville, TN: Caribe, 1996), pág. 13.

7 Ellen G. White, Parábolas de Jesus (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1996), pág. 340.

8 _____________, Educação (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1996), pág. 16.

9 Robert Boyd Munger, Leading From the Heart: Lifeti-me Reflections on Spiritual Development (Downers Grove, III: InterVarsity, 1995), págs. 9 e 10.

10 Ellen G. White, Educação, pág. 16.

11 Gordon MacDonald, Ponga Orden en su Mundo Interior: Aprenda a Mantener su Crecimiento Personal y Es-

Walter Alaña, Professor de Teologia Aplicada na Universidade Peruana União, Lima, Peru