O adventismo atingiu aquele ponto crítico no qual deve deliberadamente escolher e corajosamente agir para reverter os quadros da institucionalização e da Secularização que ameaçam sua herança e missão.

No seu segundo século, as igrejas enfrentam problemas com os quais seus fundadores jamais tiveram que lidar. Dois desses problemas são a institucionalização e a Secularização. As igrejas, à semelhança das pessoas e outras organizações, passam da infância para a adolescência e entram na fase adulta e, finalmente, têm que enfrentar os problemas de disfunção que a idade trás.

A igreja nascente incorreu nesta situação, como também os movimentos da Reforma e o movimento metodista. O presente artigo analisará os problemas e os desafios da Igreja Adventista do Sétimo Dia, no momento em que esta enfrenta os mesmos problemas em seu segundo século. No pro-cesso, examinaremos o ciclo de vida de uma igreja, alguns dos dilemas que impedem a reforma, o “problema” do sucesso e a possibilidade de evitar o que parece ser o curso da história, quando as igrejas deixam de ser movimentos para ser máquinas para os movimentos.

Antes de continuarmos nossa caminhada, devemos notar que este artigo se baseia na análise sociológica. É importante notar que a análise sociológica é tão-somente uma maneira de ver a igreja. Como tal, ela complementa outros pontos de vista, entre os quais a perspectiva mais importante — a bíblica/teológica. Enquanto os quadros sociológicos não predeterminam a história religiosa, é significativo que uma igreja após outra tem seguido o mesmo caminho do institucionalismo e da Secularização. O desafio a apresentar neste trabalho é reconhecer esses quadros, quando aplicados ao Adventismo, de maneira que tal conhecimento, pela graça de Deus, seja utilizado deliberadamente para “corrigir” a conduta do Adventismo. Veremos se este será ou não bem-sucedido. Uma das grandes lições da história da igreja é que a correção de tal curso não será o produto quer de acidente ou de ignorância.

O ciclo de vida de uma igreja

David O. Moberg descreve cinco estágios no ciclo de vida de uma igreja.1 Esta análise lança grande quantidade de luz sobre o desenvolvimento e o presente status do Adventismo, embora o seu modelo não forneça uma perfeita correlação.

Antes de examinarmos os estágios de desenvolvimento de Moberg, gostaríamos de sugerir algumas qualificações. Primeiro, a maneira de a igreja expor as características dos vários estágios ao mesmo tempo, embora ela esteja predominantemente em um Ou dois estágios em qualquer tempo dado. Segundo, os diversos membros individuais, congregações, ou divisões étnicas ou nacionais de uma igreja podem estar em diferentes estágios ao mesmo tempo. Terceiro, meu comentário sobre o Adventismo se concentrará nas generalidades concernentes à Igreja mundial dos Adventistas do Sé-timo Dia, dando realce à Divisão da América do Norte.

Estágio 1: organização incipiente. O primeiro estágio de Moberg é o da “organização incipiente”. As seitas, diz ele, geralmente surgem da agitação e insatisfação com as igrejas existentes, que são às vezes estimuladas pelas classes inferiores que reclamam do clero, da “corrupção” de grupos privilegiados ou da complacência denominacional. A agitação pode originar-se de uma crise que a igreja atual deixou de solucionar de maneira satisfatória.

Com o surgimento da liderança, emerge um novo culto ou seita, muitas vezes como um movimento de reforma no interior do organismo materno. As seitas que emergem se caracterizam por “um elevado grau de excitação coletiva”, “emoções desordenadas e descontroladas” em situações públicas que “podem levar a uma sensação de posse corporal pelo Espírito Santo”, e reações físicas. “A liderança carismática, autoritária, profética” é característica desse estado.

O estágio da organização incipiente é a descrição apropriada do Adventismo Sabatista entre 1844 e 1863. Oriundo do malogro das denominações eufóricas por aceitar os pontos de vista pré-milenialistas de Guilherme Miller e da maioria relutante dos Adventistas Mileritas pós-desaponta-mento, para abraçar as verdades bíblicas do sábado e do ministério de Cristo no santuário celestial, o grupo Sabatista do Advento surgiu como uma “seita” distinta entre 1844 e 1850.

Por esse tempo, três fortes líderes — José Bates, Tiago White e Ellen G. White — surgiram para unir o grupo emergente por meio de uma série de conferências e de um periódico. Sua liderança combinada pode facilmente ser descrita como tendo aspectos carismáticos, de autoridade e proféticos. A organização formal era um tabu para a maioria dos adeptos durante esse período, com alguns argumentando que o primeiro passo para a organização de uma igreja era também o primeiro passo para a formação de outra Babilônia. Seu estilo de liderança não se ajustaria bem ao adventismo dos anos 90.

Além dos estilos de liderança, não é preciso ler muito no primeiro volume de Testimonies For The Church ou outra literatura adventista, para descobrir o sabor carismático do seu culto. A obra do Espírito Santo esteve muito em evidência através de manifestações tais como visões, curas, estar morto para o Espírito, e até mesmo uns poucos exemplos de falar em línguas.2 Em muitos sentidos, se não na maioria, os Adventistas guardadores do sábado se encontrariam claramente desconfortáveis no Adventismo como o conhecemos hoje.

Estágio 2: organização formal. Moberg descreve o segundo estágio como sendo caracterizado por identidade organizacional formal. O grupo estabelece e publica seus alvos para atrair novos membros, que por sua vez são solicitados a se comprometer a se unir formalmente ao grupo. A organização dá origem a um credo “para preservar e propagar a ortodoxia”, e salienta as diferenças entre a nova seita e aqueles que não são membros. São criados símbolos que refletem a orientação teológica do grupo.

O estágio dois muitas vezes observa o desenvolvimento de um realce nos modos que diverge do existente na sociedade subjacente. Assim, escreve Moberg, “o uso de automóveis, gravata, cigarro, música instrumental, cosméticos, alianças pode ser considerado pecaminoso; jogar carta, assistir a cinema, dançar, ou o serviço militar podem ser proibidos. Assim, os códigos de comportamento podem ser introduzidos e fortalecidos; estes distinguem os membros de outros e muitas vezes atraem a perseguição ou ridículo que intensificam os sentimentos e lutas de grupos”. Além disso, as formas de liderança “emocionais” diminuem gradativamente, quando se considera o estágio número três.

O estágio da organização formal representa os Adventistas do Sétimo Dia entre 1863 e 1900, aproximadamente. O ano de 1863 presenciou a formação da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia — um paço organizacional precedido pela formação das primeiras Associações locais em 1861 e a escolha de um nome em 1860. Tal mudança foi um passo gigantesco para o distanciamento da atitude de livre curso e “antibabilônica” de muitos adeptos da década anterior.

Imediatamente após a organização formal, veio a visão da reforma de saúde de Ellen White, de 6 de junho (exatamente 15 dias após a formação da Associação Geral), que se revelou um poderoso passo no desenvolvimento de uma embalagem distintiva do estilo de vida adventista. Além do mais, a metade dos anos 60 viu a denominação tomar posição sobre a não-combatência, mostrar interesse especial na questão do adorno pessoal e estabelecer sua primeira instituição do cuidado da saúde. O começo dos anos 70 viu a publicação da primeira declaração formal de crenças do adventismo, o desenvolvimento de sua primeira instituição educacional per-manente e o envio de seu primeiro missionário ao estrangeiro. A perseguição pela transgressão das leis dominicais nos anos 80 e 90 e a continuação da discriminação adversa, baseada em sua herança milerita, ajudaram a fortalecer os sentimentos da denominação jovem do grupo.

Por volta de 1900, o estilo de vida e a posição doutrinária do Adventismo ficaram bem definidos, e a igreja apoiou um sistema de missões, associações, escolas, hospitais e casas publicadoras que se expandiu rapidamente por todo o mundo. Além disso, a liderança se estava tornando progressivamente mais formal e “administrativa”, em lugar de ser informal e carismática. Na virada do século, contudo, a denominação havia desenvolvido sua estrutura organizacional de 1863. A reorganização era crucial, caso a igreja devesse operar eficazmente. Isto nos leva ao estágio número três de Moberg.

Estágio 3: eficiência máxima. Se o estágio número um é visto como os primeiros passos e o de número dois como a infância, então o estágio três, no ciclo de vida de uma igreja, deveria ser visto em termos de vigor juvenil e fase adulta do jovem. Moberg denomina o terceiro estágio como o da máxima eficiência.

Durante o terceiro estágio, os estadistas dominam a liderança e a organização se torna cada vez mais racional. A estrutura formal se desenvolve rapidamente, enquanto são acrescentados os executivos, as assembléias e os comitês, a fim de satisfazer as necessidades da organização em crescimento. Os líderes oficiais desempenham seus deveres “entusiástica e eficientemente’’; e os rituais e procedimentos administrativos, embora regularizados, são ainda vistos como meios, em lugar de como fins em si mesmos. Os programas de ação tendem a ser formulados à luz da consideração racional de fatos relevantes. O crescimento durante o período da eficiência máxima é muitas vezes bastante rápido.

O estágio três conhece também o despertar de historiadores e defensores da fé. Este período testemunha a mudança do grupo psicologicamente da posição de seita desprezada para a de seita de quase igualdade com as denominações reconhecidas. A hostilidade para com outros grupos diminui e “a resolução fanática de manter maneiras acentuadamente diferentes se relaxa”. Como ilustração, Moberg se desvia do seu caminho na primeira edição do seu livro (1962) para mostrar a “aceitação gradual dos Adventistas do Sétimo Dia nos círculos fundamentalistas (através do auxílio de Walter Martin e Donald Grey Barnhouse, nos anos 50)”.3

Enquanto o Adventismo esteve obtendo aceitação pública nos anos 50, a denominação indubitavelmente entrou no estado de máxima eficiência de Moberg em 1901. Aquele ano viu a reorganização administrativa da Associação Geral num sentido muito mais racional. Presenciou também a eleição de Arthur G. Daniells para a liderança denominacional. Daniells foi o primeiro presidente que poderia ser considerado como um “estadista”.

A sessão da Associação Geral de 1901 testemunhou também a criação de uniões-associações e a atual estrutura departamental em todos os níveis da igreja. Os departamentos substituíram as organizações semi-autônomas, cujos programas diversificados se haviam tornado impossíveis de coordenar. A indicação do primeiro vice-presidente da Associação Geral ocorreu no ano seguinte. Os anos e as décadas subseqüentes viram o desenvolvimento de inúmeros comitês, comissões e outras entidades, com a finalidade de promover o trabalho da igreja. As mu-danças organizacionais começaram em 1901, determinando o estágio favorável ao crescimento denominacional sem precedentes em todo o mundo. As primeiras décadas do século vinte presenciaram também o desenvolvi-mento da literatura histórico-apologética da denominação com escritores como J. N. Loughborough, M. E. Olsen, A. W. Spalding e F. D. Nichol.

Se pudéssemos fornecer uma data específica para o surgimento da “fase adulta” do Adventismo, esta seria 1956, quando a denominação teve para ela estendida a “mão direita da amizade” por meio de Donald Grey Barnhouse, editor de Eternity e líder fundamentalista muito influente.4 A aceitação dessa amizade infelizmente (mas previsivelmente) dividiu as fileiras adventistas entre aqueles que a viam como um passo na direção do inimigo e os que a consideravam co-mo a liquidação deste.

Gostemos ou não disto, a denominação atingiu a sua fase adulta. A evidência dessa transição pode ser verificada no fato de que o final dos anos 50 e o início dos anos 60 atestaram como sendo a maior preocupação da igreja a instituição educacional — com a criação de duas universidades, e a esperança de produzir programas de doutorado em filosofia. A questão agora era saber se a denominação usaria sua responsabilidade adulta.

Adventismo surgiu no estágio da eficiência máxima por volta de 1901, é muito menos claro verificar onde a denominação está em 1991. Isto pode ser em parte devido ao fato de que precisamos de distância suficiente dos acontecimentos da época para avaliar de maneira adequada o desenrolar da história recente. Seja como for, parece que no tempo presente a denominação está fortemente no estágio três, mas balançando à beira do estágio quatro. Outra maneira de dizer o que precisa ser dito é que parte da igreja pode estar no estágio três, enquanto outros setores já estão no estágio quatro. Este quadro deve tornar-se mais claro quando falarmos sobre o estágio quatro. O importante nessa conjuntura, contudo, não é que determinemos sua posição, mas que antevejamos o quadro geral do futuro, caso o processo denominacional antigo não seja desafiado com sucesso.

Estágio 4: o institucionalismo. Moberg apresenta o estágio número quatro como um dos grandes perigos. Durante o estágio, o formalismo exaure a vitalidade do grupo. Sua liderança torna-se “dominada por uma burocracia mais preocupada com a perpetuação de seus próprios interesses do que com a conservação dos distintivos que ajudaram a trazer à existência o grupo”. A administração é induzida a concentrar-se em comissões e mesas que muitas vezes se tornam perpetuadoras de si mesmas. A igreja torna-se uma “burocracia”, com os mecanismos de estrutura do grupo tendo que se tornar fins em si mesmos.

Para os indivíduos que estão nesse estágio, as plataformas doutrinárias se tornam “veneráveis relíquias do passado” e para a maioria dos “adoradores” o culto organizado se degenera gradualmente num ritual repetitivo. Nesse estágio, a instituição “tornou-se o senhor dos membros, em lugar de seu servo, fazendo-lhes muitas exigências, suprimindo a personalidade e pondo as energias a serviço da ‘organização da igreja’”.

O estágio quatro, diz Moberg, observa o conflito com o mundo exterior substituído pela completa tolerância. A conformidade com as normas sociais e morais é típica, a “respeitabilidade” torna-se fundamental e as normas dos membros são relaxadas quando a igreja procura trazer para o seu ambiente pessoas mais respeitáveis socialmente. Os sentimentos de familiaridade declinam, quando o crescimento em número de membros leva ao aumento de heterogeneidade e da dedicação, dos sentimentos e interesses volúveis. Os membros tornam-se distantes da liderança e cada vez mais passivos. Os interesses e atividades uma vez considerados “mundanos”, tornam-se as principais atrações, quando a igreja procura tornar-se o centro das atividades comunitárias. Os sermões, enquanto isso, tornam-se “leituras de tópicos que tratam de assuntos sociais, em lugar de ser discursos inflamados” sobre o peca-do, a salvação e as doutrinas de igreja.

Como se verificou acima, o Adventismo atual tem um relacionamento de amor/ódio com o estágio institucional de Moberg. Muitos líderes e membros adventistas podem considerar as teses de Moberg uma fonte de tentação, temor ou ambos. Esses senti-mentos ambivalentes estão às vezes presentes na mesma pessoa ou grupo de pessoas, simultaneamente.

Há muitos indicadores de que a denominação por vezes chegou ao nível quatro. Eles incluem: as estações de rádio de propriedade da igreja com programação quase que exclusivamente clássica/cultural (com exceção, é claro, das horas do sábado); as deliberações do Concilio da Primavera da Associação Geral de 1989, que criaram os argumentos em favor das “férias comunitárias” para os administradores dos hospitais adventistas baseadas em premissas de mercado, em lugar de na dedicação ou missão denominacional; e o fato de que a igreja está mantendo um número crescente de pessoal e instituições que já não parece contribuir para o desempenho de seus principais alvos da maneira mais eficiente. Os bens adquiridos e a tradição aumentam mais e mais quando a igreja revolve cada vez mais os pés nas areias do quarto estágio.

Um dos maiores desafios que o adventismo contemporâneo enfrenta, quando oscila entre os estágios três e quatro, é fazer um ajustamento saudável. A igreja não pode retornar aos-“antigos caminhos” que eram eficazes nos anos 30 e 50; mas, deixar-se levar para o estágio quatro, significa eventual desastre, como veremos em nossa consideração do estágio cinco. A única escolha viável é criticar radicalmente (embora racionalmente) as estruturas da denominação, seus procedimentos e programas, etc; e depois reaparelhar-se pela revigoração no estágio de máxima eficiência de Moberg. Tal procedimento tirará tanto as energias como a criatividade. Voltaremos a esse desafio no final deste artigo.

Estágio 5: desintegração. O estágio cinco na taxonomia de Moberg é a desintegração. Seus principais característicos são o excesso de institucionalismo, o formalismo, o indiferentismo, a obsolescência, o absolutismo, a red tape, o patronato e a corrupção. Além disso, a falta de sensibilidade da máquina institucional para com o pessoal e as necessidades dos membros causa a perda de sua confiança.

Durante esse estágio, muitos vão formar novas seitas ou se unem a qual-quer grupo religioso formal. Muitos dos que continuam em comunhão com a entidade existente, muitas vezes a ignoram na prática ou se conformam com seus ensinos só de maneira formal. Enquanto isso, a denominação continua — sustentada por uma liderança com direitos adquiridos e por membros com ligações afetivas.

Enquanto o adventismo contemporâneo pode em certas ocasiões e lugares entrar na senilidade do ciclo de vida do nível cinco, e conquanto alguns dos movimentos mais radicais das de-nominações achem que a igreja já se encontra nesse nível, parece que o Adventismo tem ainda um bom trecho de caminho a percorrer antes que esteja firmemente no estágio cinco. Naturalmente, a maior sabedoria está na renovação e reforma dos quadros dos estágios três e quatro, antes que ocorra a degeneração.

Dilemas e barricadas no caminho da reforma

Nem a renovação nem a reforma, contudo, surgem facilmente, uma vez que as organizações religiosas existem, em parte, para prover estabilidade. A dificuldade está em que a tradição e a estrutura são às vezes confundidas com os antigos valores dos fundadores de um movimento. As organizações religiosas desejam simbolicamente passar adiante a experiência de seus fundadores, suas doutrinas originais e o estilo de vida que eles escolheram como ideal; o resultado, porém, é muitas vezes a transferência das meras formalidades dos fundadores, sem o vitalizador espírito que conferiu significado àquelas formalidades.

O sociólogo Thomas F. O’Dea apresenta cinco dilemas que contribuem para frustar a renovação e a reforma das estruturas religiosas.5 Esses dilemas estão ativos até certo ponto em todos os estágios do ciclo de vida da igreja — desde a sua infância vigorosa até a senilidade decrépita; sua dinâmica ajuda a levar a igreja pelo caminho descendente até o estágio de desintegração de que falou Moberg. Dois desses dilemas são especialmente pertinentes a este ensaio, uma vez que se relacionam com o ciclo de vida da igreja.

O primeiro dilema de que trata O’Dea é o da motivação mista — o “calcanhar-de-aquiles” das instituições sociais. Em geral um movimento começa com um grupo de discípulos que se unem em tomo de um líder carismático. No início, tanto o líder como seus seguidores são simples. Eles sabem qual é o seu alvo e não se desviam dele. Não são motivados por nenhuma recompensa externa ou interna das estruturas, tais como o prestígio e os benefícios, pela simples razão de que estes não existem para a nova seita.

Os líderes subseqüentes, contudo, começam a trabalhar em favor do movimento por outras razões que não meramente o cumprimento de seu alvo principal. Surge um clero profissional que dá estabilidade ao movimento, mas, com a estabilidade, vêm muitas “pretensões”: segurança, prestígio, respeitabilidade, poder, influência e a satisfação decorrente do uso de talentos pessoais no ensino e liderança. Além do mais, possuir essas recompensas vindouras começa a fazer par-te da motivação do grupo.

Essa dinâmica abre as portas para que os homens e as mulheres busquem posições de liderança por razões de interesses pessoais. O’Dea identificou pelo menos três aspectos dos estágios mais avançados do problema da motivação mista, que favorecem a Secularização do movimento, quando este experimenta a institucionalização: 1) o surgimento de um carreirismo que está apenas formalmente preocupado com os alvos do movimento; 2) o crescimento burocrático, que pode es-tar mais interessado na manutenção, e proteção dos direitos adquiridos do que em alcançar os alvos originais do movimento; e 3) a timidez e letargia diante dos problemas e desafios, em lugar de um espírito vigoroso e progressivo que está disposto a tudo arriscar para levar avante a missão.

Dessa maneira, enquanto a motivação mista contribui para a sobrevivência da organização da igreja, tem ao mesmo tempo a tendência de transformar os alvos da igreja em valores. E essa transformação quase sempre leva a igreja para a Secularização.

A motivação mista não é um problema só do clero. A dedicação e motivação dos membros nascidos no movi-mento são quase sempre de um tipo diferente daquele a que pertencem os membros que a ele se converteram quando adultos. Como declara H. Richard Niebuhr, “não se pode esperar que as crianças nascidas na igreja recebam a fé com o mesmo ardor que seus pais manifestaram, nem experimentem em um segundo nascimento o que aconteceu com eles, em grande parte, com o primeiro”.6

Pode haver grande diferença entre os membros procedentes da hereditariedade, em comparação com aqueles que se originaram da convicção. Pois na primeira geração de um movimento, os membros são em geral agregados com base numa experiência de conversão; nas gerações sucessivas, porém, a socialização da juventude por meio dos processos da educação e do preparo, substitui muitas vezes a experiência da conversão mais dramática. Para muitos, ser membro da igreja pode significar relações sociais cômodas, em lugar de uma experiência religiosa radical.

Toda igreja, quando se torna maior, enfrenta o dilema da motivação mista, tanto nas pessoas comuns como no clero. O adventismo não escapou a esta dinâmica da Secularização.

Voltemos agora ao outro dilema descrito por O’Dea — o da ordem administrativa: elaboração versus realização — como dando impacto ao processo da Secularização. Quando o líder carismático se torna rotineiro em uma organização antiga, aumenta a estrutura burocrática, e isto traz certo número de conseqüências. Uma das mais sérias é que as estruturas erguidas para atender a um conjunto de problemas ou oportunidades não são desfeitos quando já não há razão para sua existência. Quando essas estruturas se multiplicam, aumenta a complexidade do movimento. Enquanto originalmente as estruturas resolviam os problemas reais, sua continuidade pode dificultar grandemente a solução de problemas posteriores.

As estruturas obsoletas podem mesmo causar problemas futuros, quando fundos necessários são drenados para fora e as esferas de competência e autoridade começam a coincidir entre os departamentos ou instituições. Os problemas criados são consideravelmente complicados pela existência paralela da motivação mista. Assim “a verdadeira reforma organizacional torna-se ameaçadora para o status, a segurança e a validação própria dos titulares da função”.7

O Adventismo do Sétimo Dia está sentindo atualmente os efeitos combinados da elaboração administrativa e dos dilemas da motivação mista. Quase todos parecem concordar em que a reorganização, a consolidação e a reforma administrativa e institucional radicais são imperativas; poucos, porém, parecem estar dispostos a pôr em ação seus melhores discernimentos. O resultado é que grandes somas de dinheiro e esforço são gastas em defender a existência do status quo, quando esses recursos poderiam ser melhor utilizados para criar novas estruturas e metodologias a fim de alcançar os alvos originais do movimento.

O modelo de ciclo de vida institucional de Moberg e os vislumbres de O’Dea sobre os obstáculos para reformar, parecem descrever processos inexoráveis. Como, porém, veremos na seção conclusiva deste assunto, eles podem ser revertidos se o movimento sentir este perigo e estiver disposto a agir racional e corajosamente.

Antes, porém, de examinarmos as curas possíveis para as “doenças institucionais”, deveriamos considerar mais um fator na Secularização do adventismo.

O “problema” do sucesso

Onde quer que as riquezas tenham aumentado, a essência da religião diminuiu na mesma proporção. Por isso, não vejo como é possível, de acordo com a natureza das coisas, qualquer reavivamento da verdadeira religião continuar por muito tempo. Pois a religião deve necessariamente produzir tanto a indústria como a frugalidade, e estas não podem senão produzir riquezas. Mas quando as riquezas aumentam, também aumenta o orgulho… e o amor ao mundo em todas as suas ramificações…. Assim, embora a forma da religião permaneça, o espírito está desaparecendo rapidamente.”8

Estas palavras de João Wesley (o fundador do Metodismo) estabelece o paradoxo enfrentado por todos os grupos religiosos que inspiram seus adeptos a seguirem padrões éticos rigorosos. Em sua dedicação a Deus, tais pessoas trabalham arduamente e economizam. Mas até sua dedicação tende a levá-los (ou muitas vezes aos seus filhos) ao sucesso mundano. Esse sucesso, por sua vez, leva a pensar mais sobre este mundo do que sobre o mundo vindouro.

Essa dinâmica opera tanto na vida dos cristãos como indivíduos, como nas denominações corporativas. Dessa maneira, Peter Berger escreve que uma forma de evitar que uma sociedade se torne secularizada é mantê-la “nu-ma situação de atraso econômico”. A solução apresentada por Wesley foi que os cristãos não deveriam só adquirir tudo o que pudessem e economizar tudo o que lhes fosse possível fazê-lo, mas dar também tudo o que pudessem, a fim de que o reino do Céu retivesse toda a fidelidade do seu coração. Nenhuma dessas soluções, naturalmente, é tão apta a se tornar popular quanto suas alternativas.9

Atualmente, o Adventismo do Sétimo Dia enfrenta os problemas inerentes à Secularização, em seu sucesso, tanto no nível individual como no corporativo. Seu sucesso ameaça as orientações do seu alvo. Essa síndrome se evidencia no adventismo quando “seus tipos de ministérios de associação” vêem com orgulho a graduação de seus filhos (ou de seus netos) da escola de medicina de Loma Linda (quando em oposição ao treinamento ministerial) como a principal indicação de aperfeiçoamento da família. No aspecto corporativo, o processo se torna evidente quando a manutenção ou aumento das instituições e estruturas (entre as quais as associações) é confundida com o progresso no sentido de realizar a missão da denominação. Assim, um livro recente sobre o Adventismo pode afirmar que “visitar os hospitais do sistema hoje é ver um Adventismo ‘de natureza não denominacional, não sectarista, humanitário e filantrópico”.10

Há esperança?

Para a Secularização? Há esperança? A resposta está na honestidade com que a igreja enfrente o problema. A negativa levaria ao desastre. A defesa é podemos nós deter o ímpeto ainda pior. H. Richard Niebuhr vê “o mal do denominacionalismo” como sendo “a tentativa de fazer… a própria preservação e extensão do objeto principal” de seu esforço. Tal orientação faz apenas com que o crescimento de seitas que visam voltar aos objetivos originais do movimento pareça “desejável e necessário”.11

Cem anos atrás, a Igreja Metodista dos Estados Unidos enfrentou a mesma tendência para o sucesso e a Secularização que o Adventismo enfrenta hoje. Para muitos crentes sinceros, parecia que aquela igreja estava perdendo o sentido do seu alvo. Como resultado, grupos de santos se ergueram para ajudar a denominação a se concentra sobre o que eles consideravam como os principais alvos do Metodismo. A última coisa que a primeira geração de santos reformadores desejava era a separação do metodismo. A fim de levar a cabo seus intentos, contudo, eles começaram a imprimir sua própria literatura, ter suas instituições de ensino, suas reuniões campais; e, finalmente, adquiriram sua propriedade particular. A segunda geração de líderes santos, uma vez erigida sobre a idéia semi-sectariana, levou seus movimentos do metodismo a estabelecerem as várias denominações nazarenas e wesleianas.12 O sucesso da denominação fez aparecerem as seitas.

O Adventismo de hoje, com 150 anos de idade, encontra-se em situação análoga à do Metodismo quando tinha a mesma idade. Os próximos 10 anos bem poderão ver facilmente o cisma sectariano, se a denominação que amadurece não efetuar ações corretivas para deter os problemas da institucionalização com seus efeitos secularizantes.

Felizmente, alguma coisa pode ser feita, caso o Adventismo tenha a coragem de realizá-la. A igreja não está presa nas garras da história inexorável.

Em seu valioso estudo da igreja cristã primitiva, Derek Tidball faz alusão às dinâmicas de reversão do processo da institucionalização/seculariza-ão.13 Tidball vale-se do conselho de Paulo a Timóteo e sugere que ele surgiu em parte do desejo do apóstolo de frear os problemas inerentes a uma igreja antiga. Tidball frisa três das admoestações de Paulo.

Em primeiro lugar, Timóteo devia “guardar o objetivo original, o ensino e a vida da igreja” (ver I Tim. 1:19; 4:16; 6:20; II Tim. 1:14). Muitas vezes as pessoas se mantêm apegadas às coisas erradas. “Ao nos matermos firmes, devemos apegar-nos aos princípios das verdades reveladas, não às formas, tradições e estruturas, que são os veículos que conveniente, ou aptamente, expressam esses princípios em qualquer época.”14 A igreja precisa avaliar constantemente e de maneira crítica os seus verdadeiros objetivos e alvos e colocar suas estruturas e programas em harmonia com esses alvos.

Em segundo, Paulo instou com o seu colega mais jovem a jamais esquecer-se das “circunstâncias do início da batalha” (ver I Tim. 1:18; 4:16; 6:12; II Tim. 2:4). No momento em que Timóteo afrouxasse a vigilância, toda sorte de assuntos secundários atrairía sua atenção. As igrejas e seus dirigentes precisam manter consciente alerta ao que lhes está acontecendo. Só identificando os problemas e os desafios e tomando providências eficazes, pode qualquer igreja esperar obter sucesso em sua missão.

Por último, Paulo lembra a Timóteo que este deve renovar constantemente os recursos espirituais disponíveis a ele e seus irmãos na fé, a fim de “manter a necessária resistência para a batalha” (ver I Tim. 4:14; II Tim. 1:6 e 7).

Tidball conclui, dizendo que para ser bem-sucedida, a igreja necessita “estar constantemente alerta para o perigo dos motivos mistos, para a ameaça da burocracia lerda, para a diminuição das normas e para a fossilização dos princípios”.15 Além disso, ele sugere que a igreja precisa estar aberta para os novos líderes que Deus pode desejar usar para reformá-la e renová-la.

A igreja primitiva deixou, certamente, de aprender as lições que Paulo procurou ensinar a Timóteo. No segundo século de sua existência, começou ela a sofrer os estragos tanto da institucionalização como da Secularização. O Metodismo também falhou nesse ponto no seu segundo século. A sorte do Adventismo em seu segundo século aguarda o processo em marcha da história. A única coisa que se pode dizer com certeza nesse aspecto, é que o Adventismo precipita-se rio abaixo pelas mesmas forças sociais, a menos que escolha deliberadamente, e corajosamente aja para reverter o quadro da institucionalização e da Secularização que fazem parte da dinâmica de um mundo parcialmente perfeito.16

  • 1. David 0 Moberg, The Church as a Social Institution; The Sociology of American Religion, 2ª ed. (Grand Rapids: Baker Book House, 1984), págs. 118 a 125. Todas as citações não creditadas, referentes à teoria do estágio de Moberg, neste artigo, são tiradas desta fonte.
  • 2. Para o dom de línguas no Adventismo inicial, ver as cartas de Ellen G. White e Hiram Edson em The Present Truth (Verdade Presente), de dez. de 1849, págs. 34 a 36. Os escritos autobiográficos de Ellen White fornecem ampla evidência de outras experiências carismáticas no Adventismo inicial.
  • 3. David O. Moberg, The Church as a Social Ins-titution (Englewood Cliffs, N. J.: Prentice-Hall, 1962), págs. 120 e 121.
  • 4. Ver Donald Grey Barnhouse, “Are Seventh-day Adventists Christians?” Eternity, setembro de 1956, págs. 6, 7, 43-45; T. E. Unruh, “The Seventh-day Adventist Evangelical Conferen-ces of 1955-1956”, Adventist Heritage, 4 (Winter 1977): 35-46.
  • 5. Thomas F. O’Dea, Sociology and the Study of Religion: Theory, Research, Interpretation (Nova Iorque: Basic Books, 1970), págs. 240 a 255; Thomas F. O‘Dea and Janet O’Dea Aviad, The Sociology of Religion, 2ª ed. (Englewood Cliffs, N. J.: Prentice-Hall, 1983), págs. 56-64.
  • 6. H. Richard Niebuhr, The Kingdom of God in America (Nova Iorque: Harper Torchbooks, 1959), pág. 170.
  • 7. O’Dea, pág. 248.
  • 8. João Wesley, citado em Max Weber, The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism, trans by Talcott Parsons (Nova Iorque: Charles Scribner’s Sons, 1958), pág. 175.
  • 9. Malcom BulI and keith Lockhart, Seeking a Sanctuary; Seventh-day Adventism and the American Dream (São Francisco: Harper & Row, 1989), pág. 226.
  • 10. H. Richard Niebuhr, The Social Sources of Denominationalism (Nova Iorque: New American Library, 1957), pág. 21.
  • 11. Ver Charles Edwin Jones, Perfectionist Persua-sion; The Holiness Movement and American Methodism, 1867-1936 (Methchen, N. J.: Scare-crow Press, 1974); Timothy L. Smith, Called Unto Holiness; The Story of the Nazarene, the Pormative Years (Kansas City, M. O.: Nazarene Publishing House, 1962; Melvin Easterday Dieter, The Holiness Revival of the Ninete-enth Century (Metuchen, N. J.: Scarecrow Press, 1980).
  • 12. Derek Tidball, The Social Context of the New Testament; A Sociological Analysis (Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1984), págs. 134 a 136.
  • 13. Op. cit., pág. 135.
  • 14. Ibid., pág. 136.
  • 15. Para mais informação sobre o problema do institucionalismo no Adventismo, ver o meu artigo “The Fat Lady and the Kingdom”, Ad-ventist Review, 14 de fev. de 1991.