“Por isso tiveram uma discussão tão for-te, que se separaram. Barnabé levou João Marcos, e os dois embarcaram para a ilha de Chipre.” (Atos 15:39, BLH).
Posso imaginar os dois homens discutindo: “Ele era jovem; foi sua primeira viagem nessas regiões hostis”, alega Barnabé, “mas agora seu desejo é retomar à equipe”. Paulo, por sua vez, retruca: “a fim de nos abandonar nova-mente, assim que surgir a primeira dificuldade!” Olhando diretamente para os olhos de seu amigo, prossegue: “Nossa missão é muito importante para ser confiada a pessoas fracas e indecisas, jovens que estão em busca de aventura.” E acrescenta, deixando clara sua firme decisão: “Marcos não irá comigo. Ele não tem qualificativos para ser um discípulo!”
E assim foi. A conciliação tomou-se impossível. Seus pontos de vista eram tão diferentes que o conflito foi inevitável. Qual desses dois poderosos líderes cedeu? Nenhum dos dois. Paulo foi para a Síria; Barnabé foi para Chipre, juntamente com Marcos, seu protegido. Barnabé desapareceu da cena da história devido a um jovem que não era estável, mas a quem ele desejava oferecer uma segunda oportunidade. Teria isso algum proveito? Estaria correta, ou errada, a sua atitude? Por que ele mostrou-se tão obstinado sobre esta questão?
Além do conflito
Muitas vezes esse episódio nos é relatado como um conflito entre dois líderes – duas personalidades muito fortes – que lutavam pelo poder. Nesse caso, Marcos poderia ter sido nada mais que um pretexto. Mas, é preciso avançarmos um pouco mais na compreensão dos fatos.
Afinal quem era Barnabé? José era o seu verdadeiro nome. Os primeiros cristãos o chamavam de Barnabé, cujo significado é “aquele que dá coragem”. Lucas informa que ele era um levita, nascido em Chipre. Sua generosidade era conhecida de todos, pois é dito que certo dia “vendeu um terreno que possuía e entregou o dinheiro aos apóstolos” (Atos 4:37, BLH). Quando o impetuoso Paulo se converteu, foi Barnabé quem o introduziu na comunidade de crentes em Jerusalém, testemunhando em seu favor (Atos 9:27). Algum tempo depois, cuidou do futuro missionário (Atos 11:24 a 26).
De acordo com essas informações, Barnabé fez jus ao seu nome. Ele estava interessado nas pessoas, em seus valores, confiava nelas; e tinha a capacidade de discernir seu futuro. Barnabé pertence ao grupo daquelas pessoas que acreditam ser prudente oferecer uma oportunidade a todos, mesmo que seja uma segunda chance. É um verdadeiro líder, amigo e fiel.
Que dizer de Paulo? Bem, nele podemos ver um missionário fervoroso, no início do seu ministério. É um homem de ação. Um conquistador. Elabora planos, estabelece alvos, luta pela eficiência. Para ele, a pessoa está em segundo plano. Seu irrefreável desejo é evangelizar a qualquer preço. Não se deixa intimidar pelos riscos. Todos os demais que lhe cercam devem submeter-se às suas ordens.
Quando eu era um jovem pastor, vivia altamente interessado nos alvos a serem alcançados e nos desafios que devia conquistar. As pessoas não eram a minha prioridade. To-dos os membros deviam fazer o seu melhor a fim de que juntos obtivéssemos a máxima eficiência. Não raro, é isto o que acontece no início do nosso ministério. Estamos voltados para o evento, a ação e o sucesso. Em um certo sentido, freqüentemente avançamos sem dar prioridade a um relacionamento pessoal. Até corremos o perigo de, na ânsia por alcançar as metas, negligenciarmos a nós mesmos. Porém, a vida nos ajuda a crescer. Com o passar do tempo, aprendemos a conhecer e distinguir entre o que realmente importa na vida – o futuro de uma criança, por exemplo e o que é de menor significado.
Cristo veio salvar pessoas. Não sistemas ou programas. Thomas J. Peters e Robert H. Waterman, em seu livro In Search of Excellence (Em Busca da Excelência), relatam a descoberta de que “as companhias bem-sucedidas são as que … vêem seus empregados como sócios e não como ferramentas”. Em outras palavras, as empresas que alcançam êxito em seus empreendimentos são voltadas para as pessoas.
Em lugar de olhar o incidente entre Paulo e Barnabé como um conflito, resultante da luta pelo poder, vejo nele o encontro de duas personalidades que apenas não têm a mesma prioridade. Possuem os mesmos alvos, mas não os mesmos métodos. Barnabé dá prioridade ao indivíduo. Na visão de Paulo, o mais importante é alcançar grandes alvos. Ele é um homem de façanhas. Barnabé é o homem da segunda oportunidade. Foi por acreditar em Marcos que se opôs a Paulo. E as conseqüências foram tanto positivas como negativas.
A face negativa foi o fato de o nome de Barnabé haver desaparecido das crônicas da história cristã. Sempre há pessoas semelhantes a Barnabé, na história de organizações, instituições, grupos ou igrejas. São as pessoas que ficam à margem porque escolhem dar prioridade a indivíduos, ao invés de alvos ou sistemas. Pensemos naqueles que se opuseram ao racismo, que defenderam minorias, que promoveram a saúde. Para eles, a argumentação econômica, ou mesmo patriótica, não justifica o menosprezo dispensado a um ser humano. Quantos dentre eles tiveram cerceado o livre direito de expressão, até mesmo foram aprisionados ou mortos!
Mas a decisão de Barnabé teve também conseqüências positivas. Sua atitude tornou-se trampolim para a salvação de um jovem promissor. Ele impediu o seu fracasso e o conduziu ao sucesso. Sabia que abandonar Marcos naquela situação de derrota significaria o risco de perdê-lo. Porque um fracasso pode levar a outro fracasso.
Em Marcos, jovem obreiro ainda hesitante e temeroso, Barnabé vê um discípulo de Jesus com um futuro brilhante. Quer evitar que seja desencorajado. Crê que ele necessita uma segunda oportunidade. “Se tratamos a pessoa como ela é”, diz Goethe, “assim ela permanecerá. Mas se a tratarmos como ela deveria e poderia ser, se tornará o que deve e pode ser”.
Tirando lições
Com freqüência, eu me perguntava por que Lucas registrou o episódio envolvendo Paulo e Barnabé. Era, de fato, necessário? Porventura, Paulo não desempenhou uma parte brilhante na história do cristianismo? Lucas poderia simplesmente ter escrito que “Paulo e Barnabé decidiram estabelecer duas equipes diferentes”. Tudo seria visto como uma questão de estratégia e eficiência no trabalho, e ninguém teria buscado mais informações.
Inquestionavelmente, Paulo era o teólogo, o doutor, o missionário que não poderia ser detido por nada. Barnabé era o educador.
Ao fazer o registro deste que poderia ser um episódio insignificante, Lucas, na verdade, nos transmite uma grande advertência. Tentemos escutá-lo, como que expressando-se desta maneira: “Atenção! Não justifiquem a exclusão de um indivíduo, em nome de um ideal mais atrativo. Ouçam bem: mesmo em nome de um ideal melhor, vocês não têm o direito de usar seres humanos como fantoches.”
Evidentemente, podemos fazer objeção a isso. Mas, estaríamos real mente seguros? Quantas organizações, incluindo algumas religiosas, inconscientemente exploram seus adeptos! Trabalho não remunerado – em favor da causa. Grandes concentrações e campanhas evangelísticas, realmente fantásticas, lideradas por personalidades espetaculares, que viajam em seus jatinhos particulares, possuem fazendas, mansões, impérios de comunicação. “Pela causa”, dizem ao povo. Por qual causa? Estamos muito aquém de Barnabé, que deu tudo para a Causa com a qual es-tava comprometido. Os mais belos ideais podem ser empregados de maneira errada para as ambições pessoais e para ocultar frustrações. O zelo pode ocultar uma necessidade de realização, de estima. Se não estou comprometido com os outros, em nome do ideal da fé, tenho de perguntar a mim mesmo se é realmente à minha fé que estou servindo.
Freqüentemente ouvimos pessoas fazendo observações contrárias às atividades dos nossos jovens, juvenis, e mesmo adultos, dizendo que abrimos demasiadamente as portas. Seria muito mais fácil abri-las apenas um pouco, deixando entrar apenas as melhores pessoas. Se agirmos assim, acabaremos como um hospital que se recusa a atender os casos mais sérios e que se orgulha de ter uma média de cura 100%. Jesus não nos pediu para cuidarmos dos perfeitos no rebanho. Disse-nos para cuidarmos de todos. Isto é um pouco mais difícil. Mas se recusarmos a ovelha que coxeia, tropeça e cai, quem irá ajudá-la a erguer-se novamente? Quem irá lhe contar sobre seu Salvador?
Durante os últimos meses, encontrei-me com algumas pessoas, jovens especialmente, que haviam deixado a Igreja, mas estavam retornando cheias de fé e zelo. Um desses jovens apostatara aos 14 anos e passou a ganhar dinheiro desonesto, consumir drogas e bebidas alcoólicas. Posteriormente encontrou um excelente emprego. Converteu-se, foi despedido, e resolveu tornar-se um pastor. Enquanto dava seu testemunho comovido, apelava aos pais presentes: “conversem, mantenham diálogo com seus filhos.”
Um outro jovem veio falar comigo, na semana seguinte. Transbordava alegria e falava da sua decisão de batizar-se. Uma jovem dizia: “Não posso mais relutar, decidi seguir a Cristo.” Sua emoção era tão intensa, que chorava e sorria ao mesmo tempo.
Eu poderia mencionar muitos outros jovens que encontrei após uma semana de palestras, e que estavam buscando uma segunda oportunidade, u’a mão que lhes fosse estendida, um coração aberto, um olhar amigo. Nossos jovens necessitam de pessoas que os amem incondicionalmente, tais como eles são; que creiam em seu desenvolvimento. Necessitam de pessoas como Barnabé, que lhes dêem uma segunda chance.
Todas as pessoas que reencontraram a igreja, depois de se afastarem dela, encontraram um Barnabé em seu caminho. Alguém que as reconduziu ao Salvador. Que lhes disse que Jesus as estava aguardando de braços abertos. Elas creram e voltaram.
Todos merecem uma chance
Os anos se passaram. Estou certo de que algum dia Barnabé teve a alegria de saber que seu protegido, Marcos, tornou-se o secretário de Pedro e autor do primeiro Evangelho. Mais tarde, as qualidades do homem que fora rejeitado foram reconhecidas pelo próprio apóstolo Paulo, que o incorporou à sua equipe (Fil. 2:14; Col. 4:10). E mais, enquanto Paulo estava na prisão, escreveu a Timóteo: “… Toma contigo a Marcos e traze-o, pois me é útil para o ministério.” (II Tim. 4:11). Assim, Paulo finalmente reconheceu a importância do papel de Marcos. A segunda oportunidade que lhe foi concedida por Barnabé, demonstrou o seu valor.
Cedo ou tarde, todos estaremos em necessidade de uma segunda chance. Em nosso ministério, em nossa família, ou em nossa igreja. Haverá um Barnabé para nos assegurar isso? É muito importante que seja assim. “Você pode deixar o fracasso para trás e volver-se para a ala dos vencedores”, escreve Robbins, “se houver alguém que creia em você.” Todos temos um Barnabé que acredita em nós. Deus acredita em nós. Ele é o campeão da segunda, e até da décima oportunidade, se for necessário. Deu uma segunda oportunidade a Moisés, a Davi, a Maria Madalena, a Zaqueu, a Pedro e também a Paulo.
A escolha de Barnabé foi boa. Ele deveria ser nosso exemplo em nosso relacionamento com nosso cônjuge, nossos filhos, e com todas as pessoas em nosso viver diário – nossos colegas, líderes e liderados, e especialmente os jovens. Eles têm dúvidas sobre si mesmos. Uma experiência de fracasso pode trazer sobre eles resultados devastadores, se não for compensada por palavras de encorajamento. E, acreditem, essas poucas palavras expressadas com sinceridade, jamais serão esquecidas.
Assim como Barnabé, diante de uma pessoas aparentemente frágil, hesitante e desfibrada, não nos detenhamos apenas sobre a aparência, mas em seu desenvolvimento potencial. Acostumemo-nos a colocar as pessoas no alto da nossa lista de prioridades e não permitamos que elas sejam aniquiladas por alvos ou sistemas. Não utilizemos as pessoas como trampolim para nossas próprias ambições. Antes, faça-mo-nos trampolim para elas. Sejamos advogados daqueles que não têm voz, e que estão, quem sabe, atravessando um período de crise.
Sejamos, para todos os que nos cercam, homens e mulheres da segunda oportunidade. Então, algum dia, experimentaremos a grande alegria de ver a planta frágil e débil, que por nós foi protegida, tornar-se uma maravilhosa árvore, poderosa e generosa, com galhos que crescem em direção ao céu.
No caminho da eternidade, encontraremos pessoas feridas e derrotadas. Algumas delas são colegas de ministério. Estendamos-lhes a mão. Compensa dar-lhes uma segunda oportunidade.