O dia 9 de setembro de 1994 assinala o centenário da primeira igreja adventista organizada na Argentina e no território da Divisão Sul-Americana. A Igreja mundial e os mais de um milhão de membros dessa Divisão congratulam-se com os 65 irmãos que, atualmente, reúnem-se na Capela Campestre, nas proximidades da Universidade Adventista del Plata.
Adventistas de todo o mundo parabenizam a DSA pelo centenário de sua primeira igreja organizada.
Empreendamos juntos uma viagem imaginária no tempo, e vejamos o que aconteceu, há um século, nas terras férteis da província de Entre Rios. Um jovem ministro de fala alemã, Francisco H. Westphal, acaba de chegar do Estado de Illinois, EUA. Sob o intenso frio do final de inverno no hemisfério sul, o grupo de crentes enche a pequena casa de barro para ouvi-lo. Muitos não puderam nem entrar. Após o sermão de dedicação, o Pastor Westphal organiza uma igreja com 36 membros e faz um apelo para que outras pessoas se unam àquele grupo. Os membros batizados elegem Jorge Riffel como seu ancião, e outros dirigentes da congregação que começa com entusiasmo sua carreira missionária.
Seria interessante examinar o livro da igreja. Lamentavelmente, os nomes dos primeiros membros se perderam. Juan Riffel, neto do primeiro ancião, elaborou uma lista das famílias que considera formadoras do novo núcleo: Hetze, Weiss, Schimidt, Bernhardt, Roscher, Frick, Zimmerman, Yanke, Jacobi e Dirivecheter. Sabe-se, no entanto, que muitas outras viveram naquela comunidade adventista, tendo-se unido a ela depois do dia 9 de setembro. Entre estas, figuram os Brunner. Franck, Schneider, Zerfass, Jegel, Block e Schimpf.
Chegam os missionários
Como Francisco Westphal soube da existência deste grupo de observadores do sábado? Jorge Riffel, seu líder, estivera orando pela chegada de um pastor, ao mesmo tempo em que escrevera muitas cartas à Associação Geral, sediada em Battle Creek. Em viagem pela América do Sul, e como resposta às orações, o Pastor L. C. Chadwick, da AG, visitou-os em julho de 1982. Ao regressar, recomendou que um ministro de fala alemã fosse enviado para trabalhar naquela área. Mas a espera ainda durou dois anos.
Atendendo ao convite feito, Francisco Westphal deixou Nova Iorque no dia 18 de julho de 1894, em companhia de sua esposa, Maria, endois filhos pequenos. Seu cunhado, irmão Thurston, também o acompanhou, juntamente com a esposa, chamado para dirigir o trabalho da Colportagem no Brasil. Depois de uma longa viagem, o casal Thurston ficou no Rio de Janeiro.
Ao chegar em La Plata, Argentina, num dia frio e chuvoso, a família Westphal alegrou-se por encontrar o irmão R. B. Craig, diretor de Colportagem, que os esperava no porto. De trem, logo chegaram a Buenos Aires. Após um período de descanso, no final da semana, o jovem pastor, deixando a família no lar dos Craig, viajou pelo Rio Paraná até a região norte da Argentina, em busca do grupo adventista.
Recém-saído de um clima de verão em Illinois, o Pastor Westphal não estava preparado para o frio inverno argentino. Sem agasalho, rapidamente foi acometido de uma forte gripe.
“Senti-me obrigado a pregar um terceiro sermão, ao qual escutaram com um interesse incansável.”
O missionário logo percebeu que as condições de vida do seu anfitrião eram bastante primitivas. A casa consistia apenas de um quarto e uma cozinha, em cujo piso foi estendida uma manta, onde ele deveria dormir. O aposento também servia como galinheiro e abrigo para gansos e patos. Para que o visitante estivesse abrigado do frio, o granjeiro ofereceu-lhe um enorme sobretudo. Tentando acomodar-se da melhor maneira possível, o pastor esperava logo poder dormir. Não foi possível fazê-lo. Teve início uma batalha contra piolhos e pulgas que habitavam o sobretudo. De um salto, colocou-se de pé e decidiu caminhar fora da casa, mas o latido dos cães o fez retornar.
Encontro com os irmãos
Em vão, buscava alguém que pudesse levá-lo à pequena comunidade adventista perto de Crespo. Posteriormente soube que uma carta que enviara não fora recebida, e, por isso, nem os irmãos sabiam da sua vinda. Sem falar espanhol, encontrava dificuldades para solicitar orientações. Mesmo assim, depois de repousar num hotel, aventurou-se a procurar transporte para seguir viagem. Encontrou então um granjeiro de fala alemã, o qual lhe informou onde viviam os adventistas e convidou-o a passar a noite em sua casa. Prometeu-lhe encontrar alguém, no dia seguinte, para levá-lo ao local procurado. Finalmente amanheceu. Em pouco tempo encontrou uma pessoa que o conduziu até onde se encontravam os adventistas. O encontro com eles foi alegre e cordial. Estiveram orando por esse momento, havia muito tempo. Os jovens se apressaram em convidar vizinhos para a reunião que se realizaria naquela mesma noite.
O missionário pensou que a reunião terminaria cedo e, assim, ele poderia descansar. Especialmente, desejava desfazer-se das pulgas e piolhos que o atormentaram na noite anterior e durante todo o dia. Mas o povo estava ansioso. Transcorrida uma hora, o sermão acabou e o pregador convidou os presentes para que retornassem no dia seguinte. Cantaram, oraram, mas simplesmente continuaram sentados. Mais tarde, ele escrevería: “Olharam com olhos famintos pela verdade, e pediram que continuasse.” Assim, pregou mais uma hora. Novamente os despediu. E outra vez cantaram, oraram, e continuaram sentados. “Senti-me obrigado a pregar um terceiro sermão, ao qual escutaram com um interesse incansável”, registra o paciente pregador.
Cerca de uma hora da manhã, finalmente, conseguiu persuadir os ouvintes para que regressassem a seus lares. Muitos se decidiram por Cristo nessa primeira reunião e durante as noites seguintes. Em menos de duas semanas de encontros noturnos e visitas durante o dia, o evangelista já contava com um grupo de 36 pessoas, prontas para formar uma igreja. Notou, então, que o problema mais grave era a necessidade de abandonar as bebidas alcoólicas.
O trabalho ganha impulso
De todo modo, o interesse na mensagem adventista continuou crescendo. O número de membros aumentou para 60. Enquanto o Pastor Westphal desbravava a região, os irmãos Jorge Riffel e Reinhardt Hetze lideravam os trabalhos.
Sem um lugar adequado para as reuniões, os membros imediatamente fizeram planos para construção de um templo. A família Hetze doou o terreno, outros membros confeccionaram tijolos e levantaram as paredes. Vizinhos não adventistas também ajudaram na construção. Da mesma forma que suas casas, a terra servia como piso, a cobertura era feita com palha e os assentos consistiam de tábuas sem encosto.
A capela de quatro paredes não possuía divisórias, de modo que as crianças ficavam com os adultos. Enquanto era estudada a lição infantil, os membros adultos escutavam. Em seguida, as crianças escutavam e os adultos estudavam sua lição. Durante a época do calor, os pequenos reuniam-se do lado de fora, sob as árvores. Tudo era muito simples. Não havia púlpito e alguém doou um tablado para servir como plataforma.
Esse pequeno salão serviu de 1895 até 1906, quando foi construído um edifício mais amplo, noutro lugar.
Como os adventistas de outros lugares, as famílias locais também desejavam que seus filhos obtivessem uma Educação cristã. Solicitaram ao Pastor Westphal que trouxesse sua esposa, de Buenos Aires, para que os ensinasse. Na viagem seguinte, lá estavam a irmã Maria e seu filho Carlos. A pequena filha havia falecido. Com muita dificuldade com o idioma – ela não possuía ascendência alemã -, a senhora Westphal ensinava as crianças. Posterionnente um professor de língua alemã assumiu esse trabalho, ensinando de casa em casa. Infelizmente o hábito da bebida o venceu, e ele desapareceu depois de três meses.
Quando foi construída a igreja de ladrilhos, ela também serviu como escola. Os pais pagavam os professores. Mas no final da década de 30, uma nova escola foi aberta sob o patrocínio da Associação. Em 1952, foi construído um edifício escolar. Centenas de missionários e obreiros têm suas raízes na escola de Crespo Campo.
As verdadeira raízes
Durante os primeiros anos, o Pastor Westphal fez muitas visitas àquelas famílias de ouvir muitos relatos sobre suas origens e de como conheceram a mensagem adventista. A seguir, resumimos um desses relatos.
Catalina II governou a Rússia de 1762 a 1796. Filha de um príncipe alemão, ali chegou com a idade de 15 anos, para casar-se com o pretenso herdeiro. Assumiu o poder aos 33 anos, e promoveu a colonização estrangeira em larga escala. Os alemães, incluindo os antepassados das famílias envolvidas na história de Crespo Campo, fixaram suas colônias no Sul. Devido ao excesso de trabalho, alguns dos descendentes emigraram para a América um século depois.
Como os adventistas de outros lugares, as famílias de Campo Crespo também desejavam que seus filhos obtivessem uma educação cristã.
Três homens jovens, com as respectivas esposas, todos alemães residentes na Rússia, ganham evidência neste relato: os irmãos Frederico e Jorge Riffel, e Reinhardt Hetze.
Em meados de 1870, os irmãos Riffel emigraram para o Novo Mundo. Frederico, o mais velho, tomou a esposa, Cristina, e os quatro filhos, e dirigiu-se para o Estado de Kansas, nas planícies da América do Norte. Situados no Condado de Marion, tornaram-se prósperos agricultores. Posteriormente, estabeleceram-se em sua nova propriedade adquirida em Hillsboro.
Jorge escolheu o Sul do Brasil, e para lá dirigiu-se com sua esposa, Maria, e o filho de três anos. Após quatro anos no Rio Grande do Sul, a família mudou-se para Entre Rios, na Argentina, onde já estavam vá-rios amigos alemães da Rússia. Mas o infortúnio bateu à sua porta. Depois de poucos anos, a colheita falhou e a praga de gafanhotos o forçou a mudar-se de novo. Frederico escreveu-lhe contando de sua prosperidade, como produtor de trigo nos Estados Unidos, e o incentivou a mudar-se. Dessa maneira, passada uma década de separação, os irmãos Riffel encontravam-se cultivando a terra no mesmo condado, em Kansas. Foi então que ocorreu o incidente que mudou completamente o curso de suas vidas.
L. R. Conradi, evangelista alemão de 29 anos, procedente de Michigan, realizou reuniões em Hillsboro e Lehigh, assistido por S. S. Shrock, pastor adventista. O resultado foi “excelente”. Foram organizadas duas igrejas totalizando 251 membros. As duas famílias Riffel assistiram regularmente às reuniões, deixando-se impressionar bastante. Quando o evangelista apelou para que aceitassem a Cristo e obedecessem Seus mandamentos, responderam com alegria.
Aparentemente, já haviam lido livros adventistas antes da chegada de Conradi. Um registro da Revista Adventista, edição espanhola, de abril de 1966, menciona o contato com um colportor alemão.
Enquanto cultivava a terra de Kansas, Jorge pensou em seus amigos da Argentina. Escreveu-lhes cartas falando sobre sua nova fé e lhes enviou folhetos. As respostas vindas de Entre Rios indicavam que a semente caiu em solo fértil. Um amigo mencionava que guardaria o sábado se tivesse alguém que o acompanhasse. Essa notícia motivou Jorge à ação. Ele e a esposa convenceram-se de que deviam voltar à Argentina como evangelistas leigos, após fervorosas orações em busca da direção divina. O filho David, de 15 anos, batizado em 1888, voluntariamente cooperou na aventura missionária.
Frederico, pai de dez filhos a esta altura, escolheu permanecer em Kansas. Mas Jorge encontrou mais três famílias de adventistas alemães, dispostas a acompanhá-lo. Osvaldo Frick, Adan Zimmerman e Augusto Yanke venderam tudo e, juntamente com os Riffel, se tomaram os primeiros missionários de sustento próprio a embarcarem para a Argentina, em fins de 1889.
Ao chegarem a Buenos Aires, as três famílias demoraram-se nos acertos do processo de imigração, enquanto Jorge e os seus embarcaram pelo Rio Paraná, em direção à província de Entre Rios. No pequeno porto de Diamante, foram recebidos por Reinhardt Hetze, um amigo alemão conhecido na Rússia. Daí viajaram de carro, uns 16 quilômetros, até a casa de Hetze, em Barranca Blanca.
Durante a viagem, Jorge não perdeu tempo. Abriu a Bíblia e falou ao amigo a respeito do sábado. O assunto não era desconhecido de Reinhardt, embora não perseverasse nas tentativas anteriores para obedecê-lo. Foi nesse momento que tomou a decisão sólida de fazê-lo, o que aconteceu até a sua morte, ocorrida em 1940.
Em Barranca Blanca, Jorge Riffel começou a realizar pequenas reuniões de estudo da Bíblia. Contente com o êxito inicial, dedicou-se à evangelização da comunidade na área de Crespo, onde vivera antes de partir para Kansas. Logo chegaram as outras famílias, e embora exercessem atividades agrícolas, consideravam sua primeira tarefa a proclamação do evangelho.
A igreja de Campo Crespo contribuiu muito para o estabelecimento de várias instituições denominacionais na América do Sul.
O grupo de observadores do sábado organizou uma vila adventista denominada “La Isla”, que cobria uma área entre dois riachos. Foi aí que o Pastor L. C. Chadwick os encontrou em sua breve visita, em julho de 1892. As reuniões eram feitas no lar dos Hetze. Eles mudaram-se para a vila, a fim de estarem mais perto dos outros crentes. Jorge encontrou um bom lugar para realizar batismos, perto da casa da família Schimpf, e fora autorizado a batizar, até que chegasse um ministro ordenado.
Nas décadas que se seguiram à organização da igreja de Crespo Campo, os membros assumiram um ativo interesse no crescimento da Igreja em toda a América do Sul. Ajudaram no estabelecimento do Sanatório Adventista del Plata e do colégio em Vila Libertador San Martin, se-mente da atual Universidade Adventista del Plata. Além disso, inspiraram nos filhos o desejo de se dedicarem ao serviço do Senhor. Muitos chegaram a trabalhar em outros países da América do Sul, ou como missionários além-mar.
A família de Jorge Riffel é um exemplo notório. Seu único filho, David, casou-se com Júlia Weiss, filha de outra família pioneira. Esse casal teve 16 filhos: treze homens e três mulheres; doze dos quais permaneceram fiéis. Cinco dentre os filhos – Juan, José, Jorge, Andrés e Benjamin tornaram-se ministros de destaque.
A irmã de Jorge, Maria, casou-se com Daniel Weiss. Ambos serviram à Igreja por quarenta anos. Todos esses pioneiros nos deixaram um notável exemplo de lealdade e dedicação. Um século após a organização daquela igreja, felicitamos nossos irmãos da Argentina e da Divisão Sul-Americana. Que Deus os abençoe em seu contínuo serviço. Esperamos ainda nos encontrarmos e alegrarmo-nos juntos, se não aqui na Terra, quando Jesus vier buscar-nos para o lar celestial.