Não é mera casualidade que nossa igreja dedique especial interesse e atenção à familia, durante o ano de 1994. Quando a irmã Ellen G. White contava 86 anos, lá pelos idos de 1913, recebeu a visita de um jovem obreiro a quem disse o seguinte: “Quero falar-lhe sobre a importância da obra que deve ser feita em favor dos pais que estão na igreja… A obra dos pais é o fundamento de toda outra obra… É, definitivamente, a obra mais importante que temos como povo, e não começamos sequer a tocá-la com a ponta de nossos dedos.” – Review and Herald, 15/12/1966.
Cada esposa de pastor é uma mãe, ainda que não tenha filhos próprios. Se é mãe biológica, seus filhos poderão ser pequenos, adolescentes ou adultos. Porém, toda a igreja forma uma grande família à qual se deve orientar, guiar e liderar. Por essa razão, dedicaremos alguns artigos ao tema da família.
Na tarefa de educar, os pais não estão sozinhos. Lamentavelmente, Satanás também se esforça por ter parte ativa nessa obra. Uma das artimanhas que utiliza é a de colocar na mente dos pais idéias erradas que desencadearão atitudes erradas.
Quais são essas idéias erradas e que atitudes motivarão? Mencionaremos apenas duas delas, mas que, lamentavelmente, causam tremenda repercussão.
Superioridade dos pais
A errônea idéia de superioridade dos pais em relação aos filhos provoca uma atitude de autoritarismo, desejo de exercer controle, necessidade de ter sempre a razão. Imposição da vontade, luta por vencer. Enfim, tudo o que possa demonstrar supremacia.
Tal atitude constitui-se um verdadeiro perigo para o pastor e sua esposa, na função da liderança que lhes toca exercer. Satanás se esforça por confundir “liderança” com “superioridade”, pois sabe que a união de ambas pode ser sumamente nefasta.
Pais e filhos são idênticos diante de Deus. Para nosso Pai, não é nem mais valioso nem mais importante o primeiro grupo. Para Ele, um pai experiente ou seu filhinho recém-nascido possuem o mesmo valor: ambos são Seus filhos, e por ambos Cristo morreu. A única diferença está na vivência maior dos pais, o que lhes confere maior experiência – mas, de todo modo, não lhes confere nem todo o conhecimento nem toda a perfeição.
Do ponto de vista funcional, os pais têm um compromisso e uma missão: acompanhar e ajudar seus filhos no processo de crescimento total, isto é, crescimento físico, intelectual, social e especialmente espiritual.
Quantas vezes damos ordens sem nenhum tipo de explicação? Quantas vezes decidimos arbitrariamente sem ter sequer um fundamento lógico? Esse tipo de comportamento é simplesmente a conseqüência de aceitar a idéia de superioridade. Favorecemos a obediência quando orientamos as coisas de modo que nosso filho possa analisá-las. É importante que, desde a mais tenra idade, a criança seja introduzida no mundo da “causa – efeito”. Ao ver a lógica do assunto, muito mais fácil lhe será escolher obedecer, e, por outro lado, a obra educativa terá um alcance muito maior.
Todo ser humano, com capacidades normais, deve ser tratado como um ser inteligente. Não é necessário que a criança se tome adulta, senão que nós, adaptando-nos à sua idade, respeitemos essa capacidade que Deus lhe deu. Ao permitirmos que desde cedo veja as conseqüências das escolhas que faz, será acostumada a olhar além do instante presente ou de um simples desejo, e poderá assim ir exercitando suas capacidades para tomar boas decisões, graças às nossas sugestões.
Certamente nenhum adulto gostaria de ouvir de seu médico a seguinte declaração: “Você terá que submeter-se a uma cirurgia. Não lhe darei maiores explicações, afinal você não entende mesmo do assunto. Simplesmente prepare-se, pois em quatro horas estará na sala cirúrgica. Nós, os médicos, sabemos muito bem como e o que fazer. O resto não interessa.” A maioria de nós fugiría dali em busca de outro médico que explicasse o que se passa, tanto quanto pudéssemos compreender. Alguém que apresentasse alternativas e suas conseqüências, que nos levasse em conta como parte importante na situação, e que nos orientasse na decisão final. E, acaso não merecem nossos filhos esse mesmo tratamento? É bem verdade que não estamos submetendo-os a uma cirurgia, mas estamos manipulando seu caráter, e, finalmente, sua vida eterna.
É de suma importância que desde muito cedo expliquemos a nossos filhos que, por sermos seus pais, somos responsáveis perante Deus por orientá-los e ajudá-los. Contudo, devem também saber que, apesar de termos vivido mais, estamos igualmente sujeitos a equívocos, mas nos esforçaremos para fazermos o melhor. Eles devem saber que nossos “nãos”, nossos “você deveria se esforçar”, nossos “vamos analisar juntos para ver o que é mais conveniente” e tantas outras frases semelhantes, são maneiras de dizer-lhes: “Eu o amo e o respeito. Deixe-me orientá-lo aproveitando minha maior experiência”. Frases assim não estão motivadas por autoritarismo ou desejo de possessão, mas por amor e senso do dever.
A relação pai-filho depende mais da atitude dos pais que da resposta do filho. Sobre uma base de igualdade diante de Deus, será mais fácil guiá-los no caminho correto, uma vez que seremos melhor compreendidos por nossos filhos. E sua resposta será mais positiva. Ao criar tal relação, automaticamente decresce o nível de rebeldia ou de atitude defensiva do filho, e todos se beneficiarão por uma relação mais transparente e respeitosa.
Perfeição dos filhos
O pensamento de que os filhos devem ser perfeitos, e que isso deve ser notado pela sociedade, é outra idéia errada que provoca nos pais uma atitude de querer sobressair, de procurar mostrar que o filho é melhor; mas acontece justamente o contrário. Isto é, tende a rechaçar o filho. Com tais atitudes perde-se de vista a verdadeira finalidade.
Essa idéia tem uma repercussão muito especial na mente do pastor e de sua esposa, pois a sociedade está acostumada a crer que os filhos de pastores podem e devem ser modelos em tudo. Espera-se que possuam qualidades que excedam o normal, seja no aspecto intelectual, ou no comportamento e nas atitudes. E assim, tais pensamentos adquirem dimensões muito marcantes na mente do casal.
O adjetivo “perfeito” é unicamente atributo de Deus. Ele não nos pede que tenhamos filhos perfeitos. Somente pede que os ajudemos no sentido de chegarem a ser adultos responsáveis e fiéis filhos Seus. O Senhor não nos pede que levemos nossos filhos à perfeição, mas que os conduzamos ao Pai perfeito.
Albert Ellis, o fundador da Terapia Racional-Emotiva, disse que a frase tão conhecida e repetida em nossa sociedade – “não devo cometer erros nem fazer as coisas pela metade, porque isso é terrível” -, chega a dominar as pessoas a ponto de adoecerem. Se, ao educar nosso filho, o fazemos sob a influência dessa frase, sentiremos que qualquer erro que ele cometa é um absoluto fracasso diante da sociedade. Iremos nos sentir diminuídos e humilhados, envergonhados de nosso filho, e tenderemos a separar-nos dele e rechaçá-lo no momento em que mais necessita de nossa ajuda.
Por outro lado, segundo Ellis, essa frase destrutiva deveria ser substituída pela frase: “Fazer as coisas bem, é muito satisfatório e gratificante, porém errar é humano e pode-mos aprender de nossos próprios erros”. Se esta é nossa atitude, quando nosso filho errar ou fazer coisas de forma impensada, não nos sentiremos fracassados nem os abandonaremos; pelo contrário, será uma oportunidade de ouro para que ele sinta que nosso desejo é ajudá-lo. Mostraremos que o erro não é fracasso quando o aproveitamos para aprender e crescer.
Fico particularmente feliz ao pensar que nosso Pai Celestial não é autoritário nem dominador, apesar de Sua superioridade divina. Sinto-me aliviada ao saber que nunca se envergonha de nossos erros nem Se separa de nós. Sinto-me segura ao saber que ainda que sejamos como “trapos de imundícia”, o Pai amante nos considera e respeita, levando em conta nossa individualidade. Mais ainda, que somos Seus filhos. Será que nossos filhos não merecem igual tratamento?
Margaret Mead, conhecida antropóloga cultural, realizou um estudo mui-to interessante. Comparou cientificamente as culturas primitivas de Samoa e Nova Guiné com as sociedades civilizadas do Ocidente, e encontrou diferenças culturais que influenciam o desenvolvimento do indivíduo como tal. A premissa de suas observações é bem ilustrada com o princípio da continuidade. Ela viu o desenvolvimento como um processo que começa no nascimento. Pôde demonstrar que quanto mais uma cultura infundir na criança o tipo de comportamento que deverá exibir em sua idade adulta, mais contínuo e menos desorganizado será seu crescimento. Descobriu, por exemplo, que as crianças de Samoa e Nova Guiné seguiam um padrão de desenvolvimento relativamente contínuo que não apresentava mudanças bruscas entre uma idade e a seguinte.
Não se esperava que os indivíduos se comportassem ora como crianças, logo como adolescentes e, por último, como adultos. Eles não deveriam modificar ou desaprender o que haviam aprendido como crianças ao chegarem à vida adulta. Não havia mudanças bruscas ou transições de um padrão de comportamento a outro.
Em contraste, a cultura ocidental, à qual pertencemos, confere pouca responsabilidade às crianças. Elas crescem e logo devem assumir papéis drasticamente diferentes, ao passar de uma situação de “não responsabilidade” para um papel de adulto responsável. Logo o indivíduo deve deixar de ser uma criatura de comportamento submetido ao domínio de outra pessoa, para passar a ser um adulto com as responsabilidades que isso acarreta. O estudo de Mead é sumamente interessante e chega a demonstrar que nossa cultura é a responsável por fazer com que as coisas sejam encaradas de maneira a não outorgar ao adulto em potencial, ou adulto em crescimento (conforme queiramos chamar a criança, adolescente ou jovem), a possibilidade de desempenhar-se como um indivíduo capaz e inteligente.
Fica a pergunta: Não somos nós, os próprios pais, que, ao colocar-nos em um nível de superioridade, e ao educar procurando impedir que a sociedade veja erros em nossos filhos, que os estamos impedindo de se desenvolverem? Não somos nós mesmos os que entorpecemos esse “processo contínuo” a que se refere Mead?
Que Deus nos ajude a meditar sobre esse assunto e, depois, colocarmos em prática nossas melhores conclusões. Os resultados positivos não chegarão da noite para o dia, mas, com toda certeza, aparecerão.