E possível colocar em perspectiva as razões pelas quais Cristo morreu? Seria interessante ler Seu atestado de óbito, se pudesse ser escrito do ponto de vista da medicina moderna. Por exemplo, as causas de Sua morte poderiam ser divididas em causas físicas, mentais, sociais, espirituais, legais, judiciais, políticas, históricas, cósmicas e celestiais.

Ao considerarmos as causas médicas, uma questão é inevitável: Foi Seu coração físico que se partiu, ou Seu coração mental?

Não houve um médico acompanhando o caso, nem psicólogo clínico, nem assistente social, enfermeiras ou técnicos. Tampouco houve medidores de pressão arterial. Não há registro do número de pulsações, resultados de hemogramas ou eletrocardiogramas. Apenas um soldado com sua lança para determinar que Ele finalmente havia morrido. Não foi realizada nenhuma autópsia. Seu lado foi perfurado com uma lança e saíram sangue e água post mortem. Algumas discussões e questões científicas permanecem sem resposta. Não podemos ter certeza de tudo, tentando fazer uma análise quase dois mil anos após o acontecimento.

As teorias

Alguns têm escrito persuasiva e extensivamente, sustentando que Cristo sofreu uma ruptura do miocárdio, o que provocou a fluência do sangue para o saco pericárdico que está em volta. A conseqüência de tal fenômeno seria uma sobrecarga para o coração, tomando sem efeito as contrações cardíacas. A circulação, evidentemente cessaria.

De acordo com essa hipótese, a “água” seria o plasma sanguíneo que se haveria se-parado, ou possivelmente o líquido pericárdico normalmente presente entre as duas camadas do saco. Mas há apenas uma pequena quantidade deste último, por demais insignificante para ser vista a olho nu pelo observador casual, especialmente após sua diluição pelo sangue de um rompimento cardíaco.

A hipótese de uma ruptura espontânea do miocárdio, devido à angústia mental, não pode ser completamente excluída. Há informações da existência de casos semelhantes, que datam de 1850. Desde então, contudo, registros de ocorrência de ruptura espontânea – sem uma doença precedente, como oclusão coronária, por exemplo – não foram observados por atuais patologistas de destaque.

O sangue e água vistos após a perfuração com a lança pode ter sido o resultado da penetração da lança não apenas no saco pericárdio, mas em um ou mais dos principais compartimentos do coração. O sangue dentro do coração de Cristo já se havia assentado em duas camadas, estando em cima o plasma aquoso e embaixo as células vermelhas mais pesadas; evidência de que a circulação havia cessado algum tempo antes.

Necessitaríamos de diretrizes para anotar uma anemia, devido à hemorragia dos ferimentos feitos pelas perfurações em Sua cabeça, bem como escoriações, contusões e ferimentos de corte em Suas costas, causados pelos açoites, além das grandes e profundas perfurações dos cravos nas mãos e nos pés.

A perda de sangue desses ferimentos, mais a dor e a exaustão fizeram com que Ele desmaiasse após carregar a cruz alguns metros. Mas somente a hemorragia não parece ser a causa primária da morte. Ele poderia ter-Se restabelecido com os devidos cuidados.

Outro fator de enfraquecimento físico foi uma considerável perda de líquidos e sais minerais sofrida por Seu corpo. Seu abundante suor, o fato de estar aparentemente sem comida ou água suficiente, por cerca de dezoito horas, ocasionaram o que os médicos chamam de desequilíbrio eletrolítico e desidratação – um problema sério porque toma outras pressões físicas menos controláveis. A qualidade do sangue é assim alterada por uma escassez de certas substâncias químicas específicas e de água. Os tecidos e órgãos nutridos pelo sangue, Semelhantemente, tomam-se deficientes.

Angústia mental

Possivelmente, Sua angústia mental causou grave choque e parada cardíaca. Como o Segundo Adão, Cristo mentalmente recuava ante a idéia de pecado pessoal. Mas Ele estava em constante contato com seres humanos pecadores. “O Inocente devia sentir a vergonha do pecado. Todo pecado, toda discórdia, toda contaminadora concupiscência trazida pela transgressão, Lhe era uma tortura para o espírito.”1 No Getsêmani, a tortura foi ainda pior, uma vez que a culpa dos pecados do mundo foi lançada sobre Ele. Na cruz Ele expirou por “angústia mental”.2

Hoje os seres humanos não morrem ou entram em choque por pura “angústia mental” simplesmente. Mas Cristo suportou um fardo que nenhum ser humano foi chamado a suportar.

A tensão da mente e os sintomas mentais são reais, e não são motivos para brincadeiras. Devido ao grande senso da malignidade do pecado, Cristo foi esmagado pelo peso dos pecados do mundo. A pressão mental advinda de numerosas fontes pesava sobre Ele. Múltiplas condições aumentavam ou contribuíam para acentuar a forte tensão. O chamado “coração partido”,3 facilmente poderia ter sido mental em vez de físico. “A ira de Deus recaiu sobre Seu amado Filho, ao pender Cristo da cruz do Calvário, em lugar do transgressor.”4

Como no Getsêmani Ele estava demasiadamente preocupado para sentir que estava frio. Assim, na cruz, pode ser que Ele não estivesse demasiadamente cônscio da dor física após os cravos terem sido pregados, a cruz ter sido levantada e atirada no buraco para ela preparado. Porém, todos esses fatores contribuíram para o choque que se desenvolveu, quer Ele estivesse vividamente consciente deles ou não.

Um bom cardiologista veria características e causas incomuns neste caso. “Choque por crucifixão” seria uma forma moderna, mas demasiado simplificada de descrever a condição do corpo de Jesus, justamente antes da morte. A causa foi mais do que física. Foi produzida também por angústia mental. Teríamos que dar a isto uma denominação um pouco mais científica, tal como “choque neurogênico”. Houve tortura física em escala incomum. Houve o estiramento dos ligamentos e da musculatura das extremidades superiores, a incapacidade de mover-se para aliviar as cãimbras, as várias horas de imobilidade da postura – quantas condições rudes Ele enfrentou!

Comumente sentimos dores por ficarmos algumas horas num assento almofadado de automóvel. Quem poderia sentar-se imóvel numa cadeira, durante seis horas, sem reclamar? Que tal ficar pendurado numa cruz? Antes disso houve uma noite sem dormir, fadiga, tratamento brutal e vergonha no julgamento.

Os responsáveis

Se fôssemos solicitados hoje a escrever a causa da morte de uma pessoa que morreu por causa de violência, gostaríamos de incluir os nomes dos responsáveis por essa morte. Assim faríamos também no caso de Jesus.

César era o imperador de Roma. Pilatos era a autoridade local. Anás, Caifás e Herodes tinham poder do qual abusaram. Judas liderou a turba como traidor. Os soldados estavam executando ordens, mas condescenderam com brincadeiras cruéis. Os nomes de todos esses indivíduos apareceríam no processo, como responsáveis por pecados de perpetração ou omissão.

O abuso que sofreu dessas pessoas contribuiu para o aumento da Sua angústia. Qual-quer pessoa que já tenha sido interrogada por um advogado desfavorável a sua causa sabe apreciar como a paz mental e a condição física de alguém podem ser perturbadas por ódio e oposição.

• Cristo morreu horas antes do que era esperado e antes da morte dos ladrões entre os quais fora colocado. Esteve sujeito a mais desumanidades, nas 24 horas precedentes, que os dois ladrões e portanto estava mais fraco na ocasião em que foram pregados os cravos. Os anjos do Céu sentiram “indignação” ante Seus maus-tratos.5 Mas não devemos esquecer que Ele era um jovem saudável, não contaminado por maus hábitos de saúde.

Jesus morreu por causa do ódio. O ódio de Satanás canalizado através do homem pecador. Os líderes judeus desejavam-nO fora do caminho, para que pudessem manter suas próprias posições lucrativas de poder e renome.

O método de infligir sofrimento físico veio do paganismo no Império Romano, que controlava a Judéia. Os soldados de Roma executaram os detalhes técnicos. Os líderes judeus o tramaram. Seu ódio os levou a isto. Satanás o inspirou. Deus o permitiu como parte de um plano muito mais amplo, não apenas para redimir a humanidade, mas para armar o palco para a destruição do diabo, no fogo. Todos aqueles que se têm aliado a Satanás terão um fim semelhante.

Causas espirituais

Quanto às causas espirituais, “Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras” (I Cor. 15:3). A morte de Cristo pagou a penalidade pela ganância, cobiça, pelo roubo das economias das viúvas, pelo adultério, divórcio, pela rebelião contra pai e mãe, blasfêmia, adoração de ídolos, ódio, transgressão do sábado, politicagem, fornicação, homossexualidade, maledicências, críticas e mentiras.

A morte de Cristo tinha um propósito maior do que meramente deixar uma história comovente no relato bíblico, sobre um homem nobre e abnegado que suportou uma multidão de insultos e emprestou encanto à cruz de madeira.

Ele padeceu uma morte vilipendiosa, de vergonha equivalente aos pecados que sofreu vicariamente. O perdão, somente, seria um remédio parcial e incompleto. A necessidade real do homem era expiação. Arrependimento, novo nascimento, transformação, santificação. Ressurreição, glorificação, cumprimento do propósito original. Uma unidade espiritual, e face a face, com Deus. Restauração ao primeiro domínio.

“Ele fez o infinito sacrifício, não somente para que o pecado fosse removido, mas para que a natureza humana pudesse ser restaurada, reembelezada, reconstruída de suas ruínas, e preparada para a presença de Deus.”6

A morte de Cristo tinha um propósito celestial. Uma dentre as suas causas principais foi Seu amor pela humanidade. Ele provou Seu amor. Deu uma demonstração do princípio abnegado e celeste. Justificou o governo de Deus e a maneira como lidou com a rebelião de Satanás.

As visões dadas ao profetas haviam trazido esperança aos devotos. Finalmente, chegara o tempo das predições se cumprirem. O programa precisava ser cumprido. Cristo fora lançado como a figura central numa operação da vida real. Nenhum substituto estava à espera para facilitar-Lhe o papel.

Substituto do homem

Tomando uma perspectiva mais ampla, encontramos outras causas. Foi necessário que Cristo Se tomasse substituto para o homem, a fim de que realmente o homem fosse resgatado. Contudo, Ele não foi forçado a fazê-lo. O atestado de Sua morte pode-ria registrar que Ele morreu de livre e espontânea vontade. Poderia ter descido da cruz. Mas desejava tornar-Se o Doador da vida, curar nossas doenças, dar-nos imortalidade quando vier pela segunda vez.

O registro de Sua morte mencionaria Seu grande amor pelos mundos não caídos. Ele é um Salvador previdente desejoso de salvaguardar a muitos, e provar a justiça de Deus.

O Universo precisa ser unificado. As dúvidas dissipadas, e as perguntas esclarecidas. Deus precisa tomar-Se mais plenamente conhecido. A morte de nosso Senhor é um paradoxo – necessária, mas evitável. Necessária em vista de nosso desamparo. Evitável porque Ele não foi forçado a passar por ela. “Ninguém tem maior amor do que este” (João 15:13).

Tecnicamente Ele poderia ter deixado que a humanidade sofresse a penalidade que lhe cabia. Poderia ter deixado os outros mundos na dúvida. Em vez disso, deu-Se a Si mesmo. Pensemos em Sua humanidade.

“Pelas Suas pisaduras fomos sarados” (Isa. 53:5). O Grande Médico possuía maior habilidade do que qualquer um que agora vive. Sua sabedoria levou-O a fazer um plano de longo alcance. Ele poderia sacrificar-Se, na flor da vida, a fim de fazer soar o toque fúnebre para Satanás – o assassino e causador de doenças. Expondo-Se à violência fatal, emergiría Ele da tumba tendo as chaves da morte, um remédio para todas as moléstias.

A morte de Cristo tem conservado o nosso interesse, mais do que qualquer outro assunto. Deixam-nos pasmados as causas de longo alcance e as abarcantes realizações efetuadas por ela. Passaremos a eternidade descobrindo as razões pelas quais Ele morreu, compreendendo o plano de Deus para a salvação do homem pecador.

Quão diferente seria a morte de Satanás, comparada com a de Jesus. Como gostaríamos de escrevê-la de antemão, se fosse possível! Causa imediata: queima por fogo do Céu. Um fogo especial. Causa remota: rebelião contra o governo e a Lei de Deus. Isso, por sua vez, foi causado por orgulho, inveja, vaidade e desconfiança. A data será determinada pela sabedoria e presciência de Deus.

Consideremos o caso de um ser humano que rejeite a Cristo e morra pela segunda vez no fim do Milênio. Que diriamos de sua morte?

Queima, devido a um fogo especial. Seus próprios pecados. Ausência do nome no Livro da Vida, devido à falta de fé, e resistência a Cristo. Agravo ao Espírito Santo. Várias outras causas poderiam aparecer. Teve um falso pastor? Alguém que conhecia o evangelho deixou de testemunhar-lhe? Cristãos mais antigos e maduros deram um mau exemplo?

Há uma lição na morte de alguém que decai do primeiro amor. Sua morte poderia revelar falta de oração, demasiada ocupação para estudar a Bíblia, falta de zelo pelas coisas espirituais, deficiência do espírito e graça de Jesus, orgulho de opinião, dúvida e murmuração. Cada fracasso cristão é devido à falta de fé. Fé e fidelidade vão juntas. A perseverança dos santos é devido à sua leal-dade a Cristo.

Pensemos nas causas da morte espiritual do “velho homem do pecado”. Causa: crucifixão. Ou se crucificaria o velho homem, ou se feriria a Cristo novamente. A escolha foi influenciada pelo amor a Deus, o fundamento de toda verdadeira religião.

Referências:

  • 1. Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, pág. 97.
  • 2. Idem, pág. 741.
  • 3. Loc. Cit.
  • 4. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 213.
  • 5. Patriarcas e Profetas, pág. 59.
  • 6. Testemunhos Seletos, vol. 2, pág. 209.