O profeta Isaías apresenta em seu livro quatro princípios elementares da missão evangélica. Dizemos que são elementares porque funcionam como o “a b c d” da missão. Estão interligados, e o não cumprimento de um deles afetará a obra de evangelização. O estudo desses quatro princípios poderá revelar-nos as causas de nossos fracassos e também fazer-nos eficientes no cumprimento da grande comissão dada por Cristo.

Isaías, filho de Amós, viveu no oitavo século antes de Cristo. Sua vida e ministério tiveram um divisor: a visão registrada no capítulo seis do seu livro. Toda a experiência posterior de seu ministério constitui-se resultado da operação dos princípios apresentados nessa visão, ocorrida, conforme indica o próprio Isaías, “no ano da morte do rei Uzias” (Isa. 6:1), ou seja, entre 740 e 739 a.C.1

Parece que o chamado de Isaías ao ministério profético ocorreu alguns poucos anos antes da morte do rei Uzias. De acordo com Ellen White, “o reinado de Uzias estava chegando ao fim, e Jotão estava já levando muitas das tarefas do Estado, quando Isaías, da linhagem real, foi chamado, embora ainda jovem, para a missão profética”.2

As condições para desenvolver seu trabalho em nada eram animadoras e prostraram-no em angústia e depressão. Externamente, havia o perigo de invasões. Uma coligação entre Israel e a Síria invadiria Judá (ver Isa. 7:1 e 2). Os exércitos assírios se arregimentariam contra as principais cidades do reino (Isa. 36 e 37). “Mas os perigos de fora, esmagadores como pudessem parecer, não eram tão sérios quanto os perigos internos. Era a perversidade de seu povo que levava o servo do Senhor à maior perplexidade e à mais profunda depressão. Por sua apostasia e rebelião, os que podiam ter permanecido como portadores de luz entre as nações, estavam atraindo os juízos de Deus.”3

Havia em Judá opressão e opulência social (1:17), orgias (1:10), homicídios (1:21), roubos (1:23) e hipocrisia religiosa (1:11-14). “Em face de tais condições, não é surpreendente que Isaías tentasse recuar da responsabilidade, quando chamado a levar a Judá as mensagens de advertência e reprovação da parte de Deus durante o último ano do reinado de Uzias.”4

Um dos pensamentos que fervilhavam a mente do profeta, ao estar sob o pórtico do templo, antes da visão, foi o seguinte: “Devia ele em desespero renunciar a sua missão, deixando Judá entregue à sua idolatria?”5 Portanto, ao que parece, a extraordinária visão concedida ao jovem profeta não foi de chamamento, mas de fortalecimento especial para o cumprimento de uma missão dificílima. O capítulo seis inicia citando um fato agravante para a crise, ou seja, a morte de Uzias, um dos mais destacados monarcas do reino de Judá. Em angústia, Isaías aproximou-se do pórtico do templo. Ali apareceu-lhe o Senhor assentado num alto e sublime trono. No dizer do Dr. Siegfried Schwantes, “deprimido com a morte de um grande Rei, Isaías é convidado a contemplar o trono de Deus que nunca está vazio”.6

Isaías manifestou a tendência humana de confiar mais nos homens do que em Deus: afinal, se o panorama dos acontecimentos era ruim enquanto o bom rei Uzias ainda vivia, como seria agora que seu trono estava vazio? Sem dúvida, o jovem Isaías precisava conscientizar-se de que o Senhor era o comandante de Sua Obra. Isaías viu o Senhor em Seu trono de glória circundado por serafins resplandecentes que com reverência clamavam uns aos outros: “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos: toda a Terra está cheia da Sua glória” (Isa. 6:3). A visão da glória do Senhor e dos anjos adorando-O reverentemente fez o profeta estremecer. Diante da presença e glória divinas, ele teve uma ideia do Seu infinito poder e tremenda santidade.

“A santidade de Deus na linguagem do Antigo Testamento indica que Ele é separado do mundo pecaminoso. Sem dúvida, a Sua majestade, a Sua elevação acima da criatura, também está incluída; mas a ênfase se dá na Sua oposição ao pecado. A santidade de Deus é revelada sobretudo no julgamento que Ele acarreta contra os ímpios (Isa. 5:16). Esse pensamento deve dominar a nossa mente quando refletimos sobre santidade neste contexto (cf. vs. 9-13).”7

Visão do Senhor

O primeiro princípio básico de missão apresentado na experiência de Isaías é a visão do Senhor. A missão começa com uma visão do Senhor. Deus é o Senhor da seara (Mat. 9:38). Ele é quem escolhe, chama, capacita e envia os Seus servos para o trabalho (João 15:16). Foi assim com Isaías e outros servos do passado, e deve também ser assim para nós, hoje. A maior necessidade de todo obreiro na Causa de Deus não é apenas de conhecimento teórico sobre o próprio Deus, mas uma visão renovada de Seu caráter e de Seus atributos; um encontro decisivo e transformador, semelhante ao que experimentou Isaías.

O profeta precisava estar à altura de sua elevada missão. A fim de preparar Seus obreiros, o Senhor começa dando-lhes uma visão de Seu poder e caráter. A visão do Senhor entronizado entre os querubins lembraria o profeta, para sempre, de que Deus estava no controle, por mais difíceis que fossem as circunstâncias. De modo especial, nós os obreiros de Deus precisamos captar essa visão, pois ela apresenta a verdadeira filosofia da História.

“Na Palavra de Deus… afasta-se a cortina, e contemplamos ao fundo, em cima, e em toda a marcha e contramarcha dos interesses, poderio e paixões humanas, a força de um Ser todo misericordioso, a executar, silenciosamente, pacientemente, os conselhos de Sua própria vontade…”Esse conhecimento é deveras importante, pois “quando os perigos assediam o povo de Deus e as potestades das trevas parecem estar a ponto de prevalecer, Deus convida a contemplá-Lo sentado em Seu trono, dirigindo os assuntos do Céu e da Terra, a fim de que os Seus se reanimem e tenham esperança”.9

A visão da santidade do Senhor e da reverência dos serafins em Seu serviço faz parte da habilitação dos candidatos ao serviço de Deus. “Na visão dada a Isaías no recinto do templo, foi-lhe propiciado ver claramente o caráter do Deus de Israel.”10

Deus revelou Seu caráter de modo extraordinário ao profeta Isaías. Hoje, talvez não necessitemos de que Ele Se revele a nós da maneira como o fez ao profeta de Judá, pois “a palavra de Deus revela o Seu caráter”.” Não temos luz própria, mas se mantivermos contínuo contato com o Senhor, através do estudo de Sua Palavra, nosso caráter será transformado e iremos projetar verdadeira e forte impressão espiritual sobre nossos liderados.

A visão da santidade divina marcou Isaías de tal maneira que a expressão “o Santo de Israel” tornou-se para ele uma marca registrada, sendo usada mais de vinte vezes em seu livro.

Visão de si mesmo

O segundo princípio de missão apresentado na experiência do profeta Isaías pode ser chamado a visão de si mesmo. “Para Isaías, o súbito reconhecimento de sua depravação total caiu como um raio celestial sobre o seu trêmulo coração, no momento mesmo em que teve a sua visão revolucionária da santidade de Deus. ‘Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!” (Isa. 6:5). Este é o sentimento de todo homem que se viu a si mesmo por trás de sua máscara tendo sido confrontado com sua visão interior da santidade pura que é Deus. Tal experiência é sempre acompanhada de violenta emoção.”12

A filosofia recomenda ao homem conhecer-se a si mesmo: porém, a sua busca é meramente horizontal. O diálogo com diferentes ciências tais como filosofia, sociologia e biologia pode ser bom, mas não salva nem transforma o caráter. Isaías somente compenetrou-se acerca de seus defeitos de caráter e das necessidades mais íntimas de sua alma, quando olhou para o Senhor e recebeu o impacto de Sua santidade.

Toda a bênção que o Céu quer conceder ao homem, não pode ser avaliada nem recebida, enquanto este se ilude a respeito de sua condição espiritual. Antes de alegrar-se com os benefícios provenientes do Calvário, precisa ver-se à luz da gloriosa santidade do Senhor. Ao mesmo tempo em que desejava servir ao Senhor, o profeta de Judá viu sua indignidade e sentiu-se incapacitado para estar em Sua presença.

Isaías sentiu-se perdido, e, nada podendo ver além de seu pecado exposto pela santidade divina, temeu pela sua própria vida. Talvez o consideremos um pouco exagerado: porém, sua religião, até aquele momento, era insuficiente. Embora não tenha maculado sua alma com pecados grosseiros, ele não se sentiu bem na presença do Senhor. A consciência despertada pelo Espírito Santo aguilhoava-o com sua culpa e pecaminosidade humanas.

“Deus não considera todos os pecados igualmente graves. Há diferentes gradações de culpa tanto aos olhos divinos quanto aos humanos. Todavia, por mais insignificante que essa ou aquela atitude má possa se apresentar ao ser humano, para Deus, nenhum pecado é pequeno. O julgamento humano é parcial, imperfeito; mas Deus avalia todas as coisas como realmente são. O alcoólatra é desprezado e costuma-se dizer a ele que seu vício o deixará fora do Céu enquanto o orgulho, o egoísmo e a cobiça não são muitas vezes condenados. No entanto, esses são pecados muito ofensivos, pois são contrários à bondade do caráter divino e ao amor desinteressado.”13

A visão de si mesmo que Isaías teve não foi agradável, mas necessária. Igualmente precisamos ter uma visão de nós mesmos. Porém, essa experiência só ocorre quando em humildade colocamo-nos diante da santidade do Senhor. Por nós mesmos nada podemos fazer pois “o homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração” (I Sam. 16:7). “Esse coração humano com suas emoções de alegria e tristeza em conflito: coração volúvel e sem rumo, que serve de morada para tanta impureza e engano. Deus conhece os motivos, os desejos e os propósitos. Vá até Ele com seu coração manchado, do jeito que se encontra agora. Como o salmista, abra o coração Àquele que pode ver tudo, dizendo: Ó Deus, examina-me e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos. Vê se há em mim alguma falsidade e guia-me pelo caminho eterno.”14

As Escrituras Sagradas trazem em seu bojo a mensagem de um Deus santíssimo que odeia o pecado, e em cuja presença tremem os pecadores. Entretanto, esse Ser todo-poderoso e santo é um Deus de infinito amor comprometido e envolvido na obra de “buscar e salvar o perdido” (Luc. 19:10). Ao profeta Isaías, contrito e arrependido, foram dados perdão e purificação: “Então, um dos serafins voou para mim, trazendo na mão uma brasa viva, que tirara do altar com uma tenaz; com a brasa tocou a minha boca e disse: Eis que ela tocou os teus lábios; a tua iniquidade foi tirada, e perdoado, o teu pecado.” (Isa. 6:6 e 7).

Visão do perdão

Somente pessoas perdoadas podem envolver-se com êxito na Obra de Deus. O perdão que Isaías recebeu não foi apenas uma palavra de ânimo, mas uma transformação real de pensamentos e princípios na mente e no coração. Ele recebeu a certeza: “…a tua iniquidade foi tirada, e perdoado, o teu pecado.” Em nossos dias, muitos alardeiam o perdão que supostamente receberam enquanto sua vida e suas obras estão em claro contraste com o querer de Deus. Tais pessoas ignoram que “o perdão, porém, tem sentido mais amplo do que muitos supõem… O perdão de Deus não é meramente um ato judicial pelo qual Ele nos livra da condenação. É não somente perdão pelo pecado, mas livramento do pecado. É o transbordamento do amor redentor que transforma o coração”.15

O conteúdo da visão de Isaías não foi místico como alguns pensam, imaginando que uma simples brasa viva teria poder para purificar pecados. A brasa procedente do altar de holocaustos era por extensão apenas um símbolo do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. O anjo tocou com a brasa a boca do profeta, parte do corpo que mais deveria ser usada na missão, e, também por extensão, um símbolo do coração, considerando que “o que sai da boca vem do coração” (Mat. 15:18). Assim, a brasa viva na visão torna-se um símbolo de Cristo e da capacitação para o serviço.

Visão do serviço

Finalmente, o quarto princípio básico de missão, apresentado em Isaías, é a visão do serviço: “Depois disto, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei e quem há de ir por nós? Disse eu: Eis-me aqui, envia-me a mim.” (Isa. 6:8).

Podemos compreender mais claramente a razão pela qual tão poucos se envolvem de coração na obra de salvar o pecador? Ir aonde Deus mandar não é tão simples. É contra a disposição humana. Sempre haverá uma desculpa para não atender, e. à semelhança do jovem profeta, por trás da nossa indisposição geralmente está um sentimento de incapacidade espiritual.

Só “depois disto”, reconheceu o profeta, “ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós?”

Por que o perplexo profeta não ouviu, anteriormente, nem atendeu ao ide do Senhor? A questão, provavelmente, não é que ele não tenha antes ouvido o chamado. Na realidade, ele não tinha condições de ir. Isaías precisava passar primeiro pelo “a b c” da missão, ou seja, precisava ter a visão do Senhor, a visão de si mesmo, e a visão da graça perdoadora de Deus. Somente “depois disto”, é que ele pôde contemplar positivamente o desafio da seara.

“Havia visto o seu Senhor. Apanhara um lampejo da amabilidade do caráter divino. Podia testificar da transformação que se operara pela contemplação do infinito amor. Daí em diante ele fora inspirado com o incontido desejo de ver o transviado Israel livre do fardo e penalidade do pecado.”16

Os dias atuais são os mais solenes da História. A iniquidade prevalece, multiplicando-se, e a atmosfera do planeta parece saturada de maldade, violência, vícios e pecados de todo o tipo. À semelhança do profeta Isaías, recebemos do Senhor um chamado para cumprirmos uma pesada missão. Esse trabalho, porém, não pode ser realizado simplesmente por forças humanas. É possível, mesmo agora, que alguns servos do Senhor estejam angustiados, deprimidos e vergados ao terrível peso do desânimo. Lembremo-nos de que o Senhor continua sentado num alto e sublime trono. Contemplando-O receberemos o toque que nos capacitará a cumprir eficientemente a tarefa.

“Nossa maior necessidade hoje é que nossos lábios sejam tocados com o fogo santo do altar de Deus.”17

Referências:

1 Comentario Bíblico Adventista Del Septimo Dia. Pacific Press Publishing Association. 1985. vol. 4. pág. 169.

2 Ellen G. White. Profetas e Reis. Casa Publicadora Brasileira: Tatuí. SP. 1992: pág. 305.

3 Idem. págs. 305 e 306.

4 Idem. págs. 306 e 307.

5 Idem. pág. 307.

6 Siegfried J. Schwantes. Teologia de Isaías. Seminário Adventista de Teologia: São Paulo, SP. 1983. pág. 7.

7 R. Ridderbos. Isaías: Introdução e Comentário. Sociedade Religiosa Edições Vida Nova: São Paulo. SP. 1986. pág. 94.

8 Ellen White, Educação. Casa Publicadora Brasileira: Tatuí. SP. 1996. pág. 173.

9 Comentario Bíblico Adventista Del Septimo Dia. vol. 4. pág. 169

10 Ellen White. Profetas e Reis. pág. 314.

11____________. Caminho a Cristo. Casa Publicadora Brasileira: Tatuí, SP. 1996. pág. 10.

12 A . W. Tozer. Mais Perto de Deus. Editora Mundo Cristão: São Paulo. SP. 1984. págs. 122 e 123.

13 Ellen White. Caminho a Cristo, pág. 30.

14 Idem. pág. 34.

15 Ellen White, O Maior Discurso de Cristo. Casa Publicadora Brasileira: Tatuí. SP. 1988. pág. 114.

16__Profetas e Reis. pág. 314

17 Comentario Biblico Adventista Del Septimo Dia. vol. 4. pág. 170.

WILSON BORBA, Diretor de Publicações da Associação Planalto Central, Brasília, DF