Depois de 14 anos no ministério adventista, o idealismo acabou substituído pelo realismo. Esse foi um processo que ocorreu em meio a lutas com a desilusão. Algumas vezes cheguei a considerar a possibilidade de abraçar uma outra vocação. Mas depois de muito pensar, decidi continuar sendo um pastor. E, ao contrário de muitos dos meus colegas, espero permanecer por longo tempo. Afinal, amo meu trabalho.
De alguma forma, identifico-me com o profeta Jeremias. Zeloso pela Palavra do Senhor, ele testemunhou sentir um “fogo ardente”, encerrado nos ossos, impelindo-o a continuar seu trabalho (Jer. 20:9). Posso dizer que também senti esse fogo; mas isso não é tudo o que realmente senti. Quero abrir meu coração e partilhar as contemplações e reflexões de um pastor real, vivo, escrevendo a partir de uma perspectiva norte-americana.
Não posso saber plenamente o que o ministério representava para as gerações passadas, embora tenha lido os escritos de pastores antigos e conversado com alguns deles. Indubitavelmente, o trabalho de pastorear tem sofrido mudanças ao longo de algumas décadas. Os pastores dos anos 90 enfrentam desafios complexos que têm multiplicado as dificuldades e o estresse de nossa atividade.
Enquanto o respeito pela vocação pastoral tem declinado, a compexidade de suas demandas somente cresceu.
Antes de prosseguir, devo lembrar que minhas reflexões são descritivas, não pejorativas. Nada têm de criticismo, mas representam fatos do ministério vivido no dia-a-dia. Não se esqueça de que tenho em alta estima meu papel de pastor.
Algumas das condições que nós enfrentamos, como pastores, hoje, são de caráter social. O envolvimento materialístico tem diminuído o sentimento de necessidade de Deus. Além disso, a sociedade tem se tomado completamente secularizada. O povo cultua a ciência e seus métodos, e são educados no ceticismo. Aqueles que vivem a religião não são altamente considerados.
Enquanto o respeito por nossa vocação tem declinado, a complexidade de suas demandas somente cresceu. As igrejas instruídas não toleram a mediocridade pastoral. O aumento das responsabilidades de aconselhamento complica nossa carga de trabalho. Enfrentamos uma montanha de deveres administrativos. Uma nuvem de papéis e numerosas comissões para atender. Diversas congregações, espalhadas em gigantescos distritos, para agradar.
Nosso trabalho vital é nutrir o rebanho através da visitação. Não é fácil motivar voluntários, especialmente agora quando nossos membros tornaram-se resistentes quanto a responder por obrigação ou sentimento de culpa. Também se mostram céticos diante das variadas táticas promocionais. Tudo isso faz da participação da igreja no evangelismo público um grande desafio. E ainda não mencionei as necessidades de nossas famílias, nossas necessidades físicas, pessoais, emocionais e espirituais.
Nossos orçamentos contradizem o fato de que consideramos o trabalho de pastorear como muito significativo para o crescimento da Igreja.
Como se nada do que foi dito acima fosse suficiente, os pastores têm tido pouco ganho financeiro. Menciono isso não por ser antagonista, nem por achar que a Igreja seja injusta. Todavia, os pastores atualmente não recebem um merecido salário, se comparado ao que nossos co-legas recebiam no passado. Alguns discordarão disso, mostrando que o salário dos pastores é recheado com auxílios adicionais. Certamente esses auxílios, na América do Norte, são muito bons. Todavia, já por algumas décadas, os pastores vêm regularmente recebendo significantemente menos que seus pares de gerações passadas. Impostos e custos educacionais aumentam velozmente, bem como o custo de vida em geral. Com os recursos da Igreja mantidos num limite, os aumentos de salários nem sempre acompanham a escala inflacionária.
Tudo isso complica a vida do pastor atual. É praticamente impossível viver com um salário. Tendo feito isso durante nove anos, enquanto as crianças cresciam e atingiam a idade escolar, minha esposa e eu podemos testemunhar como nos foi possível manter o padrão – só com muita economia e, às vezes, com a generosidade dos avós. Agora que nos-sos filhos estão na escola, um salário simples-mente não é o bastante para prover todas as necessidades, pelo menos onde nós vivemos.
Triste constatação
O assunto discutido até agora tem suas causas ou raízes na sociedade em geral, refletindo-se na Igreja. Mas existem outros desafios pastorais originados dentro da nossa própria comunidade. Devemos estar abertos para discuti-los também, embora suscitem alguma controvérsia e coloquem algumas pessoas na defensiva.
Falando especificamente, eu creio que nosso trabalho é mais difícil na atualidade porque, segundo minhas observações, pastorear não parece ser a nossa maior preocupação. Detesto essa conclusão, mas tenho que aceitá-la forçosamente. Odeio pensar na possibilidade de que qualquer Igreja – não excluindo a minha que foi estabelecida para proclamar o evangelho – devesse chegar ao ponto no qual pastorear não seja a maior preocupação. Mas consideremos os fatos. Em nossa Associação, aproximadamente 30% do total dos dízimos são gastos com salários de pastores. Isso significa que de cada um dólar que um membro devolve como dízimo, meros 30 centavos, de fato, vão para os salários e auxílios pastorais, excluída a aposentadoria. Muito Obviamente, de uma perspectiva orçamentária, pastorear não é a maior preocupação de nosso Campo, e, talvez, do seu.
O fato que tão pouco seja investido em salários significa que os pastores devem rotineiramente conduzir multidistritos. Os membros dispõem de parca assistência pastoral. Nossos orçamentos contradizem o fato de que consideramos o trabalho de pastorear, como muito significativo para o crescimento da Igreja. Pelo contrário, esse até pode ser o ponto crítico para o seu avanço.
Algo mais deve ser levado em conta. Obreiros da administração e departamentais ganham mais que pastores distritais. Embora a diferença não seja muito grande, ela fala alto e bem claro que no sistema de valores da Igreja, o trabalho pastoral está na base inferior, em termos de escala salarial.
Além dos salários mais altos, eles dispõem de outros recursos como ajuda de secretárias, por exemplo. Isso dá-nos uma idéia de prioridade, fala-nos a respeito de qual trabalho é realmente mais importante. Não admira, então, que muitos aspirem à uma “promoção” no trabalho, num doloroso contraste com aqueles que desejam permanecer, ou retornar à função que uma vez galgaram. A triste verdade é que nós consideramos um retorno ao pastorado como uma “queda”, algo como uma tragédia. O pastorado é o lugar de último recurso.
Finalmente, nós podemos determinar o nível de prioridade do pastorado pelo que acontece em tempos de crise. Com a possível exceção das secretárias, os pastores parecem ser os mais ameaçados. Sempre aparece alguém com a “solução” para a dificuldade de um Campo: reduzir o número de pastores e aumentar a área dos distritos.
Exercer o pastorado numa Igreja onde o que você faz não é a maior prioridade, dificulta o trabalho hoje em dia. Alguns descreveríam isso como demasiadamente lúgubre. Mas a Igreja deve buscar soluções. Para que isso seja feito com seriedade, devemos compreender a natureza complexa do chamado pastoral.
Requerimentos do ministério
O que é necessário para que nosso pastorado se torne mais efetivo nos dias atuais? Primeiramente, precisamos manter comunhão cada vez mais íntima com Deus. Nossas afeições devem ser submetidas a Ele, a fim de que nos molde e aperfeiçoe dia após dia.
Os pastores também necessitam de integridade. Levando em conta que nosso trabalho não é altamente considerado nos dias atuais, é especialmente importante manter elevados padrões na família, na vida pessoal e entre outros relacionamentos. Devemos ser verazes, honestos e genuínos. Necessitamos manter integridade financeira, e não rebaixar nossa vocação solicitando favores especiais de quem quer que seja.
O pastorado não é uma tarefa inferior a nenhuma outra.
Simplesmente não existe nada melhor ou superior. Qualquer outra função na Igreja é secundária.
Há necessidade de pastores que demonstrem genuíno interesse pelas pessoas – assistindo-as, ensinando-as, orando com elas, protegendo-as. Devemos nos sacrificar no altar do serviço, morrendo muitas vezes, para que outros possam viver.
Um pastor deve estar comprometido com a excelência. Se houve um tempo em que o ministério deveria abeberar-se de fontes profundas, esse tempo é agora. Necessita-mos de excelência na arte de conduzir almas a Cristo, excelência em sólida pregação bíblica, que confronte a igreja com a mensagem de Deus. Para que sejam prósperos em seu trabalho, os pastores necessitam ter a certeza do chamado de Deus. A exemplo de Jeremias, precisamos sentir o “fogo ardente”, penetrando em nossos ossos, uma persuasão interior que nos compele a continuar a caminhada. Tal sentimento mantém nossa vocação na perspectiva correta e provê uma âncora em tempos de angústia e desencorajamento.
A certeza do chamado fortalece o compromisso com o eficaz exercício do ministério. O pastorado não é algo inferior, uma função da qual esperamos ser promovidos, um trampolim para uma posição melhor. Simplesmente não existe nada melhor ou superior. Ensinar, pregar, proteger, levar esperança, pela graça de Deus, são aspectos deste grande trabalho. Qualquer outra função na Igreja é secundária, e só existe para apoiá-lo.
O prêmio
Apesar das dificuldades e desafios, problemas e tensões, o pastorado é imensamente recompensador. Não há como descrever o contentamento sentido diante da certeza da bênção de Deus em nosso ministério. Palavras não podem descrever a alegria sentida, quando uma pessoa desanimada encontra paz em Jesus. Não há maneira de descrever a bênção de um sermão bem preparado, bem transmitido, e bem recebido. Não é possível verbalizar a satisfação de ver o evangelho dar sentido a uma vida anteriormente inútil.
Eu não sei o que me reserva o futuro. O Deus que me chamou para o ministério, pode um dia qualquer dispensar-me.
Sei que, no presente, devo permanecer justamente onde estou – no pastorado. Sem o menor sentimento de perda. Sem frustrações. Sem imaginá-lo como um trampolim. A verdadeira visão do chama-do e o sentido de realização não permitem pensar diferente.