Entre 1844 e 1848, três grandes ramos surgiram do adventismo pós-milerita. O primeiro era o ramo dos “espirituais”. Esse grupo tinha uma interpretação particular das Escrituras e espiritualizavam o significado de cada palavra literal. Proclamavam que Cristo retomara, de fato, em 22 de outubro. Ele viera em seu coração. Este era o significado da segunda vinda. Esse grupo gerou grande soma de fanatismo.
O segundo grupo era chamado “Adventistas de Albany”, em virtude dos ramos congregacionais organizados em Albany, Nova Iorque, em maio de 1845. Seu objetivo era distanciar-se dos fanáticos existentes entre os espirituais. Continuavam aceitando a purificação do santuário como sendo a segunda vinda de Cristo, e marcaram novas datas para esse acontecimento, várias vezes. Os intelectuais do grupo eventualmente sucumbiam a alguma firme crença no esquema profético de Miller. Josué Himes e Josias Litch tomaram-se para esse movimento, bem como o próprio Guilherme Miller, que aí permaneceu até morrer em 1849.
Um terceiro grupo concluiu que os mileritas estavam corretos quanto ao final dos 2300 anos de Daniel 8:14, e que alguma coisa importante acontecera em 22 de outubro de 1844, mas não era a segunda vinda. O que de fato ocorrera foi o início da purificação do Santuário Celestial. Esse grupo desenvolveu algumas doutrinas chaves, incluindo a crença num próximo advento de Jesus nas nuvens do Céu, a santificação do sétimo dia da semana como o Sábado do Senhor, as duas fases do ministério de Cristo no Santuário Celestial, a natureza condicional da imortalidade humana e a perpetuidade dos dons espirituais, incluindo o dom de profecia.
Esses “adventistas sabatistas” viam-se como os únicos herdeiros do adventismo milerita, pois, ao contrário dos espirituais, seus defensores continuavam propagando um advento literal, e, contrariando a posição dos Adventistas de Albany, continuavam aceitando os princípios de interpretação profética esposados por Miller. Os principais líderes dos sabatistas foram José Bates, Tiago e Ellen White.
Entre 1844 e 1866, seis denominações resultaram dos três ramos do milerismo. O grupo Adventistas de Albany gerou quatro dessas denominações – a Associação Evangélica Americana, em 1858; os Cristãos do Advento, em 1860; a Igreja de Deus, de Oregon, Illinois, nos anos 1850; e a União Vida e Advento, em 1863. O movimento sabatista derivou duas denominações: Adventistas do Sétimo Dia, entre 1861 e 1863; e Igreja de Deus do Sétimo Dia, em 1866. Com suas diferenças, individualidade, e falta de organização, o braço espiritualista do adventismo não formou nenhum corpo per-manente. Alguns de seus membros gravitaram por outros “ismos”, grupos adventistas mais estáveis, ou foram absorvidos de novo pela cultura liberal.
Nova roupagem
Embora os números estatísticos não sejam perfeitos, parece seguro aceitar que os Adventistas Evangélicos e os Cristãos do Advento eram os mais numerosos no início dos anos 1860, com os últimos superando os primeiros. Uma razão aparente para esse significativo sucesso era que eles possuíam doutrinas únicas que lhes davam sustentação. As crenças sobre condicionalismo e aniquilamento formaram sua identidade. Tais ensinamentos gradualmente até mesmo suplantaram a ênfase no advento.
Por outro lado, os Evangélicos tinham apenas a crença no advento pré-milenial a separá-los das outras denominações cristãs. Quando uma significativa porção do protestantismo conservador também adotou formas de pré-milenialismo, décadas após a Guerra Civil, o adventismo evangélico tinha pouca razão para continuar existindo separadamente. No início do século vinte, ele desapareceu do cenário.
Não era fácil estabelecer um processo estatístico entre os grupos adventistas, nos primeiros anos. Alguns se referiam a isso como uma errônea prática de “contar Israel”. Outros, embora relutantes, provaram ser uma prática útil. Mas as divisões e mútuas suspeitas entre aqueles grupos dificultavam qualquer tarefa.
O primeiro censo adventista foi publicado por D. Y. Taylor em 1860. Ele enumerou 584 ministros, com 365 crendo no condicionalismo e aniquilamento, 67 crendo na imortalidade da alma, nove indecisos, e 143 que nada declararam. A respeito do dia de repouso, 365 aceitavam o sábado, 57 mencionaram o “sétimo dia”, e 162 não opinaram. Taylor estima que havia 54 mil leigos, mas não fez nenhuma abordagem com respeito ao que criam. Entretanto, outras fontes indicam que algo mais que três mil eram sabatistas. As-sim, por volta de 1860, os guardadores do sétimo dia representavam pouco mais que 10% dos adventistas. O restante era composto, presumivelmente, por guardadores do domingo.
O censo de Taylor também reuniu estimativas sobre listas de assinantes de várias publicações adventistas. A revista World’s Crisis, dos Cristãos do Advento contava com 2.900 assinantes. Em seguida, vinham a Review and Herald, dos sabatistas, com 2.300; e a Advent Herald, dos Evangélicos, com 2.100 assinantes. Taylor mencionou que os promotores da Review and Herald “embora fossem uma minoria distinta, eram muito dedicados, zelosos e ativos em promulgar sua visão peculiar a respeito do domingo e do sábado”. O resultado disso seria visto em décadas posteriores.
O censo governamental dos Estados Unidos, em 1890, não somente apresentou um quadro mais acurado da membresia adventista, mas também revelou mudanças radicais em relação ao tamanho de várias denominações adventistas. A essa altura a Igreja Adventista do Sétimo Dia já alcançara certa predominância, com 28.991 membros nos Estados Unidos. Os Cristãos do Advento estavam próximos, com 25.816. A Igreja de Deus, de Oregon, Illinois, contava com 2.872, os Evangélicos, 1.147, a União Vida e Advento, com 1.018, e a Igreja de Deus do Sétimo Dia, com 647.
Um século depois, apenas quatro das seis denominações adventistas ainda existiam. Em 1990, os adventistas do sétimo dia relataram 717.446 membros nos Estados Unidos. Os Cristãos do Advento possuíam 27.590, a Igreja de Deus, de Oregon, 5.688, e a Igreja de Deus do Sétimo Dia, 5.749.
Conforme já foi dito, a outrora forte denominação Adventista Evangélica foi a primeira a desaparecer, logo no início do Século XX. A União Vida e Advento foi a próxima a perder sua-identidade separada. Em 1958, essa facção possuía apenas 340 membros. Seis anos mais tarde, fundiu-se com os Cristãos do Advento.
Assim, por volta do início dos anos 90, a Igreja Adventista do Sétimo Dia, com mais de 700 mil membros nos Estados Unidos e mais de sete milhões em todo o mundo, dominava o ranking dos grupos religiosos herdeiros do milerismo. Como dissera Clyde Hewitt, um historiador cristão do advento, “a menor das ramificações mileritas acabou tomando-se a maior”.
As forças do reavivamento, escatologia e piedade foram fundamentais no avanço do movimento milerita.
Razões do sucesso
Neste ponto destas considerações, alguém pode ser confrontado com uma importante questão: Por que o diminuto movimento sabatista, com suas doutrinas impopulares, não apenas sobreviveu, mas prosperou? Pode-se especular muito em busca de respostas para essa pergunta, mas existem muitas hipóteses respeitáveis que podem ser argumentadas. Antes de explorar tais hipóteses, é interessante notar que intimamente relacionada ao por que do sucesso adventista do sétimo dia, há uma outra questão, que é o por que do sucesso milerita. Eu diria que o sucesso dos dois movimentos tem a mesma explicação.
Antes de continuar com minha análise, deveriamos atentar para o que outros dizem a respeito desse assunto. Três opiniões insuspeitas são apresentadas por David L. Rowe, Michael Barkun e Ruth Aiden Doan – eruditos não adventistas que têm estudado intensamente o milerismo.
Rowe mencina que embora muitos “profetas” tenham aparecido na história americana, predizendo o fim do mundo, nenhum conseguiu tantos seguidores quanto Miller. Ele explica o sucesso em termos de reavivamento, escatologia e piedade, forças presentes no movimento milerita. Rowe argumenta que enquanto o despertamento providenciou o método para disseminação do milerismo, a escatologia alimentou a idéia ou o sonho de um futuro reino, que deu direção ao movimento; e a piedade forneceu a dose de fé suficiente para habilitar indivíduos a responder ao reavivamento e aceitar a visão de um novo mundo porvir. Essas três forças operaram juntas, desenvolvendo uma dinâmica que impulsionou o milerismo.
Barkun chama a atenção para fatores ambientais como responsáveis pelo sucesso não só do milerismo, mas também de outros movimentos escatológicos, e utópicos, na mesma época. Nesse caso, calamidades naturais e crises sócio-econômicas (como a de 1837) criaram um clima no qual as pessoas buscavam soluções para seu estresse individual e coletivo. Nesse contexto, a mensagem de Guilherme Miller suplantou a esperança em um mundo no qual os esforços humanos falharam em conquistar os resultados esperados. Ao anunciar que as coisas iriam de mal a pior, em termos humanos, apresentava a única solução possível – a escatológica.
Em apoio ao ponto de vista de Barkun, está o fato de que grupos escatológicos crescem em tempos de crise. O adventismo do sétimo dia e o evangelismo dispensacionalista tiveram dias de muito sucesso durante a Primeira Guerra Mundial. Barkun nota ainda que reavivamentos escatológicos aconteceram não apenas durante a depressão econômica dos anos 1840, mas também durante as crises de 1890 e 1930.
Na visão de Doan, um fator explicativo do êxito milerita é sua ortodoxia – sua harmonia com outras forças religiosas do dia, em termos de doutrina, liderança leiga na compreensão da Bíblia, e assim por diante. Uma heresia do milerismo era sua crença no advento pré-milenial. Mas a ortodoxia do movimento contribuiu para que o povo tivesse contato com sua única mensagem diferente. A posição de Doan, partilhada por muitos eruditos não adventistas, é o reverso da visão inicial que tratava o milerismo como algo estranho, senão sobrenatural, e fora de sintonia com sua cultura.
É interessante notar que as várias sugestões para o sucesso do milerismo não são mutualmente exclusivas. Cada uma delas parece alimentar uma porção da explanação implícita desse sucesso, e, por extensão, o sucesso dos adventistas sabatistas. Embora respondam apenas em parte à nossa questão.
As sugestões que aparecem no restante deste artigo não devem ser vistas como estando em desarmonia com aquelas apresentadas por Rowe, Barkun, Doan, e outros, mas como complementando-as. Ao passo que tais sugestões tendem a focalizar sobre aspectos externos ao movimento milerita, as desenvolvidas neste artigo levam em conta mais cuidadosamente os fatores internos que conduziram ao sucesso o milerismo antes de 1845, e o adventismo sabatista pós 1844. Fatores sociais e contextuais são importantes, e muito provavelmente essenciais, para o sucesso de qualquer movimento religioso, mas não são bastantes por si mesmos. Fatores externos não são o movimento, mas o solo onde é plantada a semente do seu êxito e crescimento. O sucesso dos movimentos milerita e adventista deveu-se tanto a razões internas como externas.
A seguir, examinaremos quatro fatores internos que parecem ter contribuído para esse sucesso.
Visão da verdade
Os movimentos apocalípticos freqüentemente atraem dois tipos de personalidade. De um lado, está o racionalismo que desempacota as profecias bíblicas e desenvolve o diagrama de eventos apocalípticos. Do outro lado, encontram-se os tipos emocionais que gravitam em direção ao excitamento da expectativa apocalíptica e não raro movem-se para o extremismo irracional.
O milerismo reúne os dois tipos. Embora ele tenha sido fundado sobre o frio racionalismo de Guilherme Miller, também abrigava fanáticos como Starkweather, R. C. Gorgas, com seus seguidores; além dos espirituais. Um movimento se desintegra quando as forças racionais não são suficientemente fortes para estancar as forças centrífugas do irracionalismo ou emocionalismo. Foi aí que o braço espiritualista do adventismo tornou-se nada. Seu irracionalismo superou o racionalismo até o fim, impossibilitando o controle de sua estrutura doutrinária.
Um dos pontos fortes do milerismo foi o desenvolvimento racional de sua doutrina central. Esse elemento atraiu crentes à sua causa através da lógica. É verdade que ele também deu lugar ao emocionalismo religioso, mas isso aconteceu dentro dos limites do racionalismo. Tal combinação deu vida e estabilidade ao movimento e elevou seu apelo.
O adventismo do sétimo dia tem compartilhado muito desse equilíbrio, embora pareça, às vezes, desviar-se para o mero nível racional. Tanto a descendência do milerismo como a do sabatismo têm, de fato, seus ele-mentos excitáveis; mas a estabilidade do seu êxito pode ser atribuída em grande parte à sua habilidade para apelar ao elemento racional do povo. É assim que eles têm convertido pessoas para “a verdade”.
O conteúdo da verdade
Um segundo elemento responsável pelo êxito do milerismo e do adventismo do sétimo dia, é o conteúdo ou fator doutrinário em sua visão da verdade. O milerismo tinha o que considerava ser uma importante ver-dade bíblica para oferecer às pessoas. Essa verdade era o retomo pré-milenial de Cristo. Mostrando-se como algo distintivo de outros grupos religiosos, o movimento tinha uma mensagem especial para pregar. E muitos responderam a essa mensagem.
Como já foi mencionado, uma razão pela qual o adventismo evangélico morreu foi que ele perdeu sua identidade doutrinária, uma vez que uma significativa porção do protestantismo americano aceitou o pré-milenialismo. Já os cristãos do advento adotaram o condicionalismo com sua doutrina distintiva e, assim, mantiveram pelo menos uma razão para continuar existindo como um grupo se-parado do evangelicalismo de então.
Por sua vez, os adventistas do sétimo dia desenvolveram um conjunto de crenças incomuns, e viam como sua especial missão partilhá-las com o mundo. Há uma dinâmica nos movimentos religiosos que é vitalizada por diferenças e mesmo oposição. Ser diferente parece dar significado a indivíduos e grupos sociais, pois gera compromisso com uma causa, especialmente quando isso faz alguma ligação com alguém de uma subcultura religiosa.
No caso do milerismo essa ligação dinâmica foi vista quando o povo “saiu de Babilônia”, aceitando a crença pré-milenista. Outro exemplo é a disposição que tem um adventista do sétimo dia para guardar o sábado, numa cultura que o vê como dia de trabalho.
Os adventistas do sétimo dia estabeleceram muitas doutrinas e um estilo de vida específicos que têm produzido esse resultado. Hewitt, buscando explicar o crescimento do adventismo do sétimo dia, em contraste com a queda da comunidade Cristãos do Advento, nota que “as crenças distintivas e práticas da denominação, embora suscitem uma visão suspeita por parte de muitos cristãos tradicionais, aparentemente têm dado aos membros fiéis uma tal firmeza de caráter, que explica o seu êxito”. Dean Kelley ilumina essa dinâmica ao mencionar que se as pessoas estão procurando unir-se a uma Igreja, elas querem uma que represente uma alternativa à cultura dominante. Por outro lado, o adventismo do sétimo dia é bastante fechado em muitas doutrinas, consideradas fundamentais, para conseguir audiência entre outros cristãos.
Um modelo organizacional nebuloso não é suficiente para dirigir a missão de um movimento por um período extenso.
Estrutura organizacional
Um terceiro elemento do êxito adventista foi uma estrutura organizacional sufi-ciente para continuar a missão e enfrentar os desafios de sua mensagem distinta. À primeira vista, pareceria que o sucesso do milerismo e do adventismo se alteraria nesse ponto. E num certo sentido isso aconteceu. Mas a variável parece estar relacionada ao tempo e não à organização. O milerismo, em virtude de sua breve existência, tinha suficiente organização, através de suas associações e seus periódicos, para dirigir sua missão durante os poucos e intensos anos. Mas um modelo organizacional nebuloso não seria suficiente para dirigir a mis-são do movimento por um período mais extenso.
Foi a falta de uma organização sólida que causou o fim dos espirituais e impediu o crescimento de outras duas denominações adventistas (Igreja de Deus, de Oregon, e do Sétimo Dia). Sem organização, eles não poderiam direcionar recursos para a missão ou manutenção da unidade. Um custoso cisma foi o resultado.
É nesse ponto que os caminhos dos cristãos do advento e dos adventistas do sétimo dia se bifurcam. A Igreja Adventista do Sétimo Dia foi a única das ramificações adventistas a reconhecer a autoridade de algum nível eclesiástico acima da congregação local. Hewitt, lamentando a situação dos Cristãos do Advento, indica que a perda de uma “forte organização centralizada” é uma razão que “impediu a conquista da expansão” em seu trabalho. A organização centralizada que eles tiveram, diz Hewitt, veio muito tarde e representou uma estrutura sem poder significativo. Como resultado disso, o movimento foi incapaz de mobilizar seus membros para uma ação unida. Caso ocorresse o contrário, ele falou em 1990, o movimento seria “uma denominação crescente e não moribunda”.
Dois recentes estudos sobre a estrutura organizacional adventista do sétimo dia indica que ela foi conscienciosamente designada com uma missão em mente, tanto no período 1861-1863, como 1901-1903. Na realidade, isso não significa ausência de problemas na estrutura. Pelo contrário, como veremos adiante, o adventismo do sétimo dia está enfrentando grandes problemas organizacionais nesta última década do século.
Consciência profética
O quarto e mais importante fator para a rápida disseminação do milerismo foi seu senso de missão profética e urgência, gerado pela compreensão da profecia. O milerismo foi um movimento dirigido com uma missão. Havia um sentido de responsabilidade pessoal, entre seus membros, para advertir o mundo do seu fim próximo. Tal sentimento impeliu a Guilherme Miller, Josué Himes e os demais no sentido de empregar tudo o que possuíam para proclamar ao mundo o juízo vindouro. Himes colocou isso muito belamente num editorial do primeiro número de Midnight Cry, ao escrever: “Nossa obra é algo de inalterável magnitude. É uma missão e uma empressa sem igual; em alguns aspectos, qualquer coisa que desperta as energias do homem. … É um alarme, e um clamor, pronunciado por todos aqueles que, de todas as denominações protestantes, como atalaias levantam-se sobre os muros do mundo moral, crendo que a crise do mundo está vindo – e que, sob a influência de sua fé, unem-se proclamando ao mundo: ‘Aí vem o esposo! Saí a Seu encontro!
Esse sentido de urgência foi construído sobre a interpretação das profecias de Daniel e Apocalipse. Os mileritas criam de todo o coração que tinham uma mensagem que o povo deveria ouvir. Era essa crença, aliada a uma total dedicação, que os guiava em sua incansável missão.
Foi essa mesma visão, baseada nas mesmas profecias, que proveu a mola mestra da missão adventista do sétimo dia. Desde o início, os sabatistas nunca se consideraram simplesmente uma outra denominação. Pelo contrário, eles compreendiam seu movimento e mensagem como cumprimento de uma profecia. Viam-se como um povo profético.
Os mileritas criam firmemente que possuíam uma mensagem que o povo deveria ouvir.
Tal compreensão brotara da convicção de que eles eram os genuínos herdeiros do milerismo, particularmente a continuação da interpretação profética de Miller. Segundo a perspectiva dos primeiros sabatistas, os outros grupos adventistas tinham perdido seu rumo e eventualmente sua missão, por causa da negação dos princípios de interpretação profética utilizados por Guilherme Miller.
Essa negação tomou duas direções diferentes. Uma foi a rejeição da interpretação literal de passagens da Escritura que pareciam ser completamente literais. Assim a crença de que Jesus já voltara solapou a força missiológica dos espiritualistas. Se Cristo já viera, qual a razão para a missão?
Enquanto isso, os Adventistas de Albany rejeitaram o estímulo missionário que convencera e fortalecera o milerismo, quando eles igualmente rejeitaram os princípios de interpretação profética esposados por Miller, através da negação dos grandes tempos proféticos de Daniel e Apocalipse. Sem a certeza da fluência da história profética, eles perderam o senso de convicção e urgência. Finalmente encontraram significado para sua existência, como um movimento, em outras doutrinas, tais como o condicionalismo e o aniquilamento dos maus. Isso deve ter sido bom o bastante para uma curta existência denominacional, mas os grupos de Albany abandonaram a mola mestra que impulsionara agressivamente a missão milerita.
Os sabatistas fundamentaram seu movimento sobre essa mesma mola mestra. Eles não apenas mantiveram a interpretação do diagrama profético de Miller, mas estenderam-no de tal maneira que encontraram significado para seu desapontamento e para o tempo restante, antes do advento de Cristo. Nesse ponto, desempenharam um papel central a obra de Cristo no Juízo Pré-Advento, na purificação do Santuário Celestial; e a natureza progressiva das três mensagens angélicas de Apocalipse 14.
Essas duas extensões proféticas deram aos sabatistas o mesmo senso de urgência que inspirara os mileritas nos anos 1840. Ao tempo em que viam a Miller e Carlos Fitch, respectivamente, como os iniciadores da primeira e da segunda mensagem angélica, viam seu movimento com sua ênfase nos mandamentos de Deus, como dando início à terceira mensagem. Dessa forma, eles criam, a questão da guarda do Sábado deveria ser um ponto focal no grande conflito entre o bem e o mal, antes da Segunda Vinda de Cristo.
Movimento final
A convicção de ser um movimento profético lançou o adventismo à missão.
Essa interpretação foi reforçada pela visão do conflito final envolvendo os mandamentos de Deus, conforme Apocalipse 12:17 e a completa exposição desse verso em Apocalipse 13 e 14. Como resultado, os sabatistas convenceram-se de que eles eram não apenas os herdeiros do milerismo, mas seu movimento fora suscitado por Deus para pregar as três mensagens angélicas a todo o mundo, imediatamente antes da grande ceifa predita em Apocalipse 14.
Tal compreensão fez pelos sabatistas o mesmo que fez pelos mileritas. Impulsionou-os à missão. Nos anos 90, a convicção de que este é um movimento profético tem resultado em um dos mais abrangentes programas missionários na história do Cristianismo. Nesses anos eles têm estabelecido a Obra em 182 dos 210 países reconhecidos pelas Nações Unidas.
Isso não aconteceu por acidente; foi resultado direto da convicção de sua responsabilidade profética. Foram decisivos para essa convicção, o imperativo do primeiro anjo de Apocalipse 14:6, de pregar “a cada nação, e tribo, e língua e povo”, e o mandamento de Apocalipse 10:11 – “importa que profetizes diante de muitos povos, e nações, e línguas, e reis”.
Clyde Hewitt, buscando explicar o sucesso dos adventistas, em oposição aos atritos enfrentados pelos cristãos do advento, toca num ponto essencial quando nota que “os adventistas do sétimo dia estão convencidos de que eles têm sido divinamente ordenados para continuar a obra profética iniciada por Guilherme Miller. Eles estão dedicados a essa tarefa”.
Em contraste a isso, o pai de Hewitt escreveu a Francis D. Nichol, em 1944, que os cristãos do advento tinham abandonado a interpretação milerita de Daniel 8:14 e não havia entre eles nenhuma unanimidade quanto ao significado do texto. Outro erudito da mesma ramificação, entrevistado em 1984, afirmou que sua denominação não tinha qualquer concordância na interpretação do milênio. Quando os Adventistas de Albany deixaram a plataforma profética de Miller, eles começaram um processo de deterioração em sua compreensão anterior do fim do mundo. Mas os adventistas do sétimo dia apontam o que Ellen White predisse em dezembro de 1844, que aqueles que rejeitam outubro de 1844 como o cumprimento de uma profecia podem ser achados em “perfeita escuridão”, e tropeçar em sua experiência.
É preciso entender, no entanto, que a simples convicção de ser portador de uma “dou-trina correta” não é uma explicação suficiente para a expansão do adventismo. Os batistas do sétimo dia também pregaram a guarda do sábado com convicção, mas seus 5.200 membros nos Estados Unidos, em 1990, representam menos do que possuíam nos anos 1840. Como disse um pregador da denominação no Século XIX, eles são hábeis para “convencer o povo da legalidade do sétimo dia, mas não podem conduzir a uma mudança como fazem os adventistas”.
Semelhantemente, muitos dos grupos adventistas, alheios à guarda do sábado, pregaram o que eles criam ser a verdade do retorno pré-milenista de Cristo, mas sem os mesmos resultados verificados entre os adventistas do sétimo dia. Hewitt assinala que os “cristãos do advento não têm sido uma igreja evangelística” e não causam muito impacto no mundo. O resultado, segundo ele, tem sido mínimo. Não apenas em números, mas “em sonhos, em visão”. Hewitt também indica que a pequenez do grupo Cristãos do Advento não pode ser atribuída à existência de doutrinas impopulares. Ele argumenta que os adventistas do sétimo dia possuem uma lista de doutrinas impopulares, “incluindo algumas dos cristãos do advento, e outras mais”. Finalmente Hewitt diz estar convicto de que a razão do sucesso adventista é o sentido de missão profética na tradição de Guilherme Miller.
Missão profética
As conclusões de Hewitt ajudam-nos a compreender a expansão do adventismo. Seu ponto de apoio parece ter sido muito mais que o fato de que os sabatistas crêem que possuem a “verdade” sobre o sábado e a “verdade” da segunda vinda. A força motriz do adventismo do sétimo dia foi a firme convicção de que eles eram um povo profético, com uma única mensagem concernente à volta de Cristo para um mundo turbado. Essa compreensão profética de sua missão, integrada com suas doutrinas, na estrutura das três mensagens angélicas, deu aos sabatistas o poder motivador do sacrifício para disseminar a mensagem por toda parte. Foi essa mesma dinâmica que operou no milerismo. Desafortunadamente, para o adventismo, essa visão parece estar em perigo nos anos 90.
Vida ou morte
As denominações adventistas que saíram do milerismo correm perigo de morte.
Essa é a inferência de Richard C. Nickels, ao escrever, em 1973, a história da Igreja de Deus do Sétimo Dia. Suas últimas palavras foram as de Cristo, dirigidas à igreja de Sardes: “… tens nome de que vives, e estás morto”.
Semelhantemente, a parte final dos três volumes nos quais Hewitt descreve a história dos Cristãos do Advento, publicados em 1990, contém uma análise imparcial da situação da denominação.
Onde está o fervor milenial que gerou essas denominações? Que dizer sobre as outras denominações pósmileritas? Estão elas também em perigo de perder sua visão? Particularmente, que dizer da força dos irmãos mileritas – os sabatistas?
A princípio, poderia parecer que o rápido crescimento da Igreja Adventista do Sétimo Dia elimina as preocupações. Em maio de 1994 a denominação aproximou-se dos oito milhões de membros no mundo. Estimativas para o ano 2000 projetam um total de 12 milhões.
Todavia, nem tudo está bem. Está difícil para os setores antigos da denominação manter sua identidade adventista. E não é fácil conservar acesa a chama da excitação pela volta de Cristo, por 150 anos. Os sabatistas enfrentam todos os problemas de uma denominação antiga, que abateram outros movimentos religiosos anteriores. Freqüentemente o mundo testemunha o fortalecimento de movimentos religiosos reformadores que depois, com o tempo, perdem sua vitalidade.
Mas além da questão do tempo, alguns setores do adventismo nos anos 90 (particularmente na América do Norte, Europa e Austrália) parecem estar confrontados com as ameaças que desgastaram outros corpos adventistas. Assim, em sua busca de significado, em face da aparente demora do fim do mundo, alguns crentes são tentados a espiritualizar a natureza do advento de Cristo. Mas a perda da fé num atual advento histórico é a perda de fé no próprio adventismo.
Alternadamente, as riquezas têm causado seu impacto na crença de alguns membros sobre a esperança do advento. A ética protestante, segundo a qual deve-se trabalhar duro e poupar, tem levado muitos adventistas do sétimo dia a lutar por estabelecer seu reino terrestre, sentindo pouca necessidade de um reino porvir. É mais fácil para tais pessoas estar mais à vontade com a cultura dominante que com suas raízes sectárias. Muitos, em tais circunstâncias acham mais fácil romper com as doutrinas distintivas da denominação. Mas essa foi a dinâmica que levou ao fim o adventismo evangélico.
No extremo oposto do espectro denominacional estão aqueles que, em sua reação aos “menos adventistas” são tentados a seguir os extremos do pós-1844. Alguns nesse setor da denominação também são propensos ao sensacionalismo sectário.
O desafio enfrentado pela Igreja Adventista do Sétimo Dia é manter um saudável equilíbrio que busque enaltecer, ao mesmo tempo, as doutrinas distintivas e aquelas mantidas em comum com outros cristãos. Tanto a acomodação à cultura prevalecente quanto a segregação num gueto sectário, soam como o toque de finados de sua vibração.
Uma terceira luta travada pelo adventismo encontra-se no âmbito da organização. Curiosamente a saúde denominacional é ameaçada por uma coisa boa. Aproximadamente há um século, a Igreja Adventista adotou uma estrutura administrativa que se encaixou bem na expansão missionária daquele tempo. Mas, décadas de crescimento e mudanças criaram uma burocracia que é extremamente cara, e parece es-tar sendo progressivamente disfuncional para favorecer a missão da Igreja de maneira mais eficiente.
Os esforços feitos desde o início dos anos 90, no sentido de reformar o sistema, têm produzido resultados mínimos. Poucos na estrutura do poder da denominação são capazes de pensar profundamente na necessidade de sólidas mudanças organizacionais, num século caracterizado por tantas mudanças internas e externas. Poucos parecem capazes de captar a visão de um possível novo modelo estrutural para a missão no Século XXI.
No outro extremo, estão largos segmentos de adventistas que estão cansados de pagar o custo da máquina administrativa. Esses membros vêem o futuro da denominação em termos congregacionais. Essa rota, de fato, foi seguida por todos os ramos do adventismo milerita, exceto pelos sabatistas. Para eles, o congregacionalismo resulta em denominações incapazes de manter sua identidade, bem como para reunir recursos para estender eficientemente sua missão.
Assim, parece que o adventismo do sétimo dia enfrenta, por um lado o crescente ônus de uma superestrutura que pode eventualmente esmagar o próprio movimento. Por outro lado, enfrenta a ameaça real de congregacionalismo. O sucesso parece residir na tomada de compromissos e nas mu-danças estruturais que precisam ser feitas, se ele deseja continuar sendo um movimento internacional viável, capaz de operar de modo eficiente em direção ao cumprimento de sua missão distinta.
Claramente relacionado com o dilema organizacional, está a inclinação para o super-institucionalismo. Há uma tendência para que a expansão de instituições educacionais, médicas, de publicações, e até mesmo Associações, seja um fim em si mesma, em lugar de meio, para cumprir o objetivo de proclamar a mensagem “a cada nação, e tribo, e língua e povo”. Existe o perigo da denominação promover sua imagem pelas instituições, ao invés de pela missão.
A saúde denominacional adventista é ameaçada pelo perigo de super institucionalismo.
Foi esse o ponto para o qual Josué Himes chamou a atenção dos adventistas em 1845. Numa carta a Ellen White ele escreveu: “Você tem muitas e boas coisas relacionadas com reforma de saúde e igrejas, com o crescimento da prosperidade, e colégios; e eu vejo que há uma obra a ser feita em to-dos esses setores durante um longo tempo no futuro… Há uma grande obra sendo feita para enviar a terceira mensagem angélica a cada lugar – mas todas as classes de adventistas estão prosperando em coisas terrenas, juntando riquezas, enquanto falam da vinda de Cristo como estando às portas. É uma grande coisa ser consistente e verdadeiro com a mensagem do Advento.”
Com essas palavras Himes colocou seu dedo na tendência da Secularização individual e institucional, presente já na-queles dias. E ela não diminuiu nos últimos cem anos.
A tentação final, enfrentada pelo adventismo é ver-se a si mesmo como a Igreja da profecia e esquecer sua herança profética. É fácil acontecer isso, mas primeiro deveria morrer a dinâmica que fez do adventismo o que ele é hoje. Negar sua herança profética é uma maneira certa de matar seu “fervor milenial” e com isso destruir sua mola mestra missiológica.
É alinhados com esse pensamento que necessitamos compreender uma das mais significativas declarações de Ellen White: “Revendo nossa história passada, tendo acompanhado cada passo até o nosso estado atual, posso dizer: Graças a Deus! Vejo o que o Senhor tem feito e encho-me de admiração, e de confiança em Cristo como líder. Nada temos a temer quanto ao futuro, a menos que nos esqueçamos a maneira maravilhosa como o Senhor nos tem guiado no passado.”