Conta a Professora Eny Garcia Sarli que, durante o período em que lecionava, estabeleceu uma norma para suas classes. Segundo ela, ao responder a chamada, cada aluno deveria dizer se havia cumprido ou não a tarefa de casa. E tudo estava funcionando bem, até que, certo dia, um aluno respondeu: “Não fiz a tarefa, professora.” Como um coral bem ensaiado, a classe inteira explodiu: “Até o filho do pastor?!” Com os olhos umedecidos e a voz entrecortada, o aluno ainda tentou um protesto: “Professora, a coisa mais triste do mundo é ser filho de pastor.”

Durante toda a minha vida, tenho ouvido dizer que ser filho de pastor é uma cruz. Mas, a bem da verdade, ninguém pode negar que ser filho de pastor seja um privilégio. A educação cristã recebida, o contato com pessoas que estão diretamente ligadas a Deus, envolvidas em Sua causa, a quantidade de literatura de cunho espiritual à qual se pode ter acesso, e tantas outras coisas são motivos de gratidão a Deus. Entretanto, se existem todas essas vantagens, por que se ouve falar que ser filho de pastor é uma cruz? E, se todo privilégio é uma bênção, por que existem muitos filhos de pastores deixando a Igreja? Quem é o responsável por tal situação?

Dialogando com alguns colegas filhos de pastores, como eu, chegamos à conclusão de que todos os obstáculos que um filho de pastor enfrenta, poderiam ser resumidos e analisados sob três aspectos.

1. O conceito que têm alguns membros da igreja

Qual será a razão pela qual alguns membros da igreja alimentam a idéia de que o filho de pastor é uma máquina de acertar. que não pode errar? Muitas vezes em minha vida, sofri bastante ao ouvir comentários do tipo “você, o filho do pastor, fez isto?” ou “tinha que ser o filho do pastor!”

Um colega disse-me que, certa ocasião, ao assumir uma nova igreja, seu pai levou toda a família à frente e fez o seguinte comentário: “Irmãos, estes são meus filhos e eles são iguais aos seus filhos. Eles têm os mesmos problemas, as mesmas dificuldades e as mesmas tentações. Falo isso, para pedir que os ajudem como Se estivessem ajudando aos seus próprios filhos.”

Após isso, meu amigo garantiu que a passagem por aquela congregação foi simples-mente maravilhosa.

2. Conceito errôneo de progresso

Outro colega falou-me que seu pai, que na ocasião ocupava a função de departamental, foi chamado, um dia, à sala do presidente do Campo no qual trabalhava. Comunicado da existência de um chamado para ser um pastor distrital, prontamente respondeu que aceitava o convite. A razão apresentada era que ele sentia necessidade de dedicar mais tempo à família.

O presidente ouviu atentamente suas ponderações, e argumentou: “Pastor, pense melhor. O senhor tem um grande futuro, é um bom departamental, e sabe que será difícil ter outra chance de voltar a ocupar esse posto.”

Implícito nesse argumento está o conceito enganoso de progresso e crescimento profissional que foi estabelecido na Igreja. Aquele administrador, no fundo, estava querendo dizer que o pastor deveria manter-se na função de departamental, sonhando com uma União e assim por diante. Não deveria estar pensando em “voltar” para um distrito.

Lamentavelmente, porém, a corrida pelo “sucesso” pode sacrificar a família.

3. A atitude do pastor

Pode parecer incrível que o próprio pastor se tome a pedra de tropeço no caminho espiritual do filho, mas isso acontece muitas vezes. Ellen White é muito clara ao dizer que o primeiro dever do pastor é para com os seus filhos.

Certo pastor foi indicado para fazer um curso de mestrado e, para isso, deveria sacrificar as férias com a família. Reuniu, então, a esposa e os filhos para dizer-lhes que enquanto ele estivesse cumprindo aquele programa de estudos, todos iriam visitar alguns familiares. Mais tarde, um dos filhos, que era apenas um adolescente, declarou ter pensado consigo mesmo, naquela ocasião: “Eu não vou precisar de um pai quando estiver adulto, casado e formado. Preciso dele agora.”

Meu querido pastor, qual é o lugar que seus filhos ocupam em seu ministério? Você os vê como pessoas a serem conduzidas para o reino de Deus, ou apenas como filhos que têm o dever de proteger a sua imagem? Você emprega tempo com eles? Preocupa-se em descobrir por que existe um brilho de tristeza ou de alegria em seus olhos? Ou acha, simplesmente, que pelo fato de irem à igreja todos os sábados já estão salvos? Quando foi a última vez que teve uma conversa pastoral com seu filho? Não apenas uma conversa com ares de repreensão porque ele fez algo errado e é seu dever corrigir. Lembre-se, o pastor não visita os membros somente quando eles cometem uma indisciplina. Você não acha que seus filhos merecem tratamento igual ao dispensado aos membros da igreja?

Eu sei que existem pressões externas sobre o filho do pastor, mas isso não é um grande problema. O problema maior é quando essas pressões nascem dentro de casa. Jamais cobre de seus filhos um comportamento correto, com a argumentação de que eles são filhos de pastor e por isso devem dar exemplo. Ensine seu filho a ser um filho de Deus e verá que aos poucos os problemas serão resolvidos.

Um exemplo bíblico

Talvez alguém pense que em tudo isso existe um pouco de exagero, mas a Bíblia mostra um exemplo bem claro de alguém que, apesar de ser o pastor, o líder espiritual de uma nação, perdeu os seus filhos. É o relato de Eli, que encontramos no capítulo dois do primeiro livro de Samuel. O que levou os filhos de Eli à perdição? O versículo doze informa que eles “não se importavam com o Senhor”.

Comentando o fato no livro Patriarcas e Profetas, Ellen White diz que apesar de estarem, desde a infância, acostumados ao Santuário e a seus serviços, não se tornaram reverentes por causa disso, ao contrário, perderam toda a intuição da santidade do mesmo.

O que me levou a escrever este artigo foi o fato de ver alguns amigos, filhos de pastores, tristes, longe de Jesus e revoltados contra a Igreja. A eles, quero dizer que, apesar de tudo, ser filho de pastor é um privilégio. É gratificante ver coerência no pai e saber que o seu sermão sai real-mente do coração. É maravilhoso ver no pai a imagem de um Jesus perdoador. Sabemos que ele não passa de um ser humano com suas lutas e seus sonhos, a maioria deles alimentada em relação à Causa de Deus; e nós, os filhos, só queremos ser parte desses sonhos, não apenas em palavras mas em atos que provem que realmente somos importantes.

Cada filho de pastor necessita sentir que isso é realmente um privilégio. Eu sou filho de pastor, sofri e ainda sofro críticas e pressões, muitas vezes senti falta da figura paterna perto de mim, mas posso dizer de todo o coração que, para mim, o privilégio é indescritível. Tanto é assim que quando chegou o momento de fazer a opção vocacional, decidi preparar-me para ser também um pastor.