Um casamento saudável é na verdade uma mescla de culturas diferentes, mesmo se o casal pertence ao mesmo grupo étnico ou cresceu na mesma rua, segundo Carl Whitaker, famoso terapeuta familiar.

Nações, tribos, cidades, vilas, igrejas e famílias têm aprendido que a maneira pela qual tratamos com nossas diferenças determina a qualidade da vida na comunidade. Isso é especialmente verdade no relacionamento conjugal.

As diferenças pessoais surgiram fortes em nosso relacionamento, desde o começo. Eu (Karen) admirava a habilidade organizacional de Ron. Nem sempre levava em conta a sua grande dificuldade em compreender a facilidade com que eu perdia coisas como chaves, óculos, e até o lugar onde estacionava o carro. Também ficava impressionada do quanto esse homem conseguia fazer.

Eu (Ron) admirava o cuidado que Karen dispensava à sua aparência pessoal, mas não tinha idéia do tempo gasto cada dia, para que ela ficasse sempre tão linda! Apreciava sua criatividade e seu constante interesse por informação. Estava atraído por sua desenvoltura, mas não sabia que ela poderia bater na porta fechada de um passado que eu queria esquecer e realmente não tinha planejado abrir para alguém.

De acordo com uma pesquisa, apenas 5% de todos os casais exibem diferenças tão extensivas como as nossas. Enfrentá-las e trabalhar com elas tem sido nosso mais significativo desafio conjugal.

Origens

John Gray, autor do livro Homens São de Marte, Mulheres São de Vênus, descreve acuradamente as diferenças entre homens e mulheres. Embora não estejamos seguros de como as características que ele destaca são atribuíveis apenas ao fator sexo, pesquisas confirmam a idéia de que algumas diferenças parecem estar primariamente relacionadas com esse aspecto. Um estudo envolvendo diversos grupos culturais revelou que os homens tomam decisões através de análise lógica, enquanto as mulheres decidem com base em seus valores interiores.

Muitas mulheres demonstram preocupação sobre como uma ação ou decisão afeta pessoas. Já os homens focalizam as razões objetivas pelas quais tais decisões devem ser tomadas. Eles encontram satisfação em um trabalho bem feito; elas ficam satisfeitas em satisfazer as necessidades das pessoas.

A compreensão de que existem algumas diferenças de gênero, entre o homem e a mulher realça a importância do diálogo entre esposo e esposa.

Mas há também a questão do temperamento. Comumente se diz que os opostos se atraem. Uma pessoa muito introvertida pode enamorar-se de outra extrovertida, embora esta possa ficar intrigada com a incômoda tranqüilidade daquela. As duas podem discordar, por exemplo, sobre o que fazer à noite. Enquanto o introvertido encontra refúgio de um agitado dia na quietude do lar, o extrovertido pode querer sair para jantar fora.

Conhecer temperamentos pode freqüentemente ajudar aqueles que diferem nessa área a ter mais compreensão mútua.

Outro aspecto é o antecedente familiar. Meu (Karen) pai era um cozinheiro fantástico. Muitas vezes, enquanto mamãe fazia

outros trabalhos, ele estava ocupado na cozinha, manipulando ingredientes de receitas culinárias. Eu (Ron) cresci em um lar onde minha mãe cuidava de todos os trabalhos caseiros, incluindo comida, o que ela rotineiramente servia às seis da manhã, ao meio-dia e às seis da tarde. Meu pai sentava-se à mesa na hora exata e esperava encontrar suas porções prediletas já no prato. Não é difícil imaginar o cenário esperado quando nos casamos.

Em nosso primeiro dia no lar, depois da lua-de-mel, eu (Karen) estava distraída com alguns projetos. Por volta do meio-dia, Ron lembrou-me de que o tempo estava passando. Agradeci-lhe por isso, mas não tinha idéia do que realmente ia em sua mente. Às 12h30 aproximadamente, ele insistiu: “Não está na hora do almoço?” Inconsciente de que isso poderia causar algum problema, respondi que precisava terminar o que estava fazendo e, se ele estava com fome, havia bastante comida na geladeira.

Bem, eu (Ron) sobreviví aprendendo a cozinhar, o que tomou tempo e energia. Para forjar as novas realidades de um casal, é preciso desenvolver novos talentos e habilidades, incorporar novos hábitos, rotinas e interesses.

O desafio

Durante o período inicial do casamento, que David Augsburger, em seu livro Sustaining Love (Sustentando o Amor), chama de fase dos sonhos, o casal tende a negar e tentar ignorar suas diferenças. No entanto, com o passar do tempo, as diferenças começam a criar fricção e irritação. Não é raro um dos cônjuges tentar mudar o outro no esforço para eliminar ou minimizar o desconforto. Sem uma forma de administrar as desigualdades, surgem as discordâncias que podem explodir em conflitos. Então, muito repentinamente, o casal se dá conta que o sonho abriu caminho para a desilusão.

Conflitos não resolvidos usualmente levam a ressentimentos, amargura e alienação. Algumas vezes, um cônjuge capitula diante do outro em nome da paz. Rende sua personalidade e vontade à parte predominante. Muitos, simplesmente ficam indiferentes ao outro cônjuge; ou escolhem o divórcio. Outros buscam alguém com quem sonham ser mais compatíveis. A verdade é que, em menor ou maior grau, todo casamento alicerçado em sonhos, eventualmente favorece a desilusão. Mas há um caminho através da “desilusão” que leva ao prazer da descoberta, do crescimento, e mais profunda intimidade conjugal.

Aproximação cristã

No coração do problema reside o fato de que Cristo já tratou com as nossas diferenças. O evangelho expressamente refere-se ao abismo que separou os seres humanos de Deus e uns dos outros. Em Cristo, Deus reconciliou o mundo consigo (II Cor. 5:18). Em Gálatas 3:28 e Efésios 2:13-22, Paulo cataloga as diferenças que dividem a raça humana através dos tempos: religiosas, étnicas, culturais, tribais, nacionais, políticas, sociais e econômicas; bem como as diferenças sexuais.

O apóstolo poderia ter aumentado sua lista, incluindo as diferenças no âmbito mais restrito de origem familiar, saúde, hábitos, idade, educação, temperamento, estatura, aparência, etc. Mas o ponto focal é que Deus, através de Cristo, reconciliou todos os tipos de indivíduos, uns com os outros.

O argumento de Paulo em Efésios 2:13-22 pode ser estendido para além das diferenças citadas entre judeus e gentios, e mencionar as divergências que ameaçam todo companheirismo e relacionamento íntimo. É bom notar que construir unidade é, antes de tudo, obra de Deus. Fomos unidos a Cristo por um ato divino (I Cor. 1:30). Fomos reconciliados nEle. A hostilidade existente morreu quando Ele morreu. Esse é o fato espiritual objetivo sobre o qual o apóstolo podia afirmar que agora há “um” onde existiam dois. Agora há paz onde havia hostilidade. Em virtude da Sua cruz, as barreiras que separavam indivíduos foram removidas (Gál. 3:28; Efé. 2:16), Paulo vai além, ao dizer que Cristo é nossa paz.

Como tratar

Whitaker descreve o saudável processo de administrar com as diferenças no viver diário: “A capacidade para tratar as diferenças é uma virtude que muito estabiliza e acentua a qualidade do casamento. Quando as diferenças são vistas como inerentemente más ou como algo a ser eliminado, elas causam separação, despertam reações defensivas e produzem desavenças. No entanto, quando elas são vistas como oportunidades de crescimento, tornam-se valiosas. A capacidade real de engajamento num processo bilateral de contaminação mútua é central para um relacionamento dinâmico. Quando os cônjuges tornam-se um, ambos são enriquecidos. O caminho para chegar ao ponto de usar produtivamente as diferenças vai do conhecimento à aceitação, ao respeito, ao contentamento e, finalmente à administração delas.” – Dancing With Family: A Symbolic Experiential Approach, pág. 204.

As diferenças existem. Embora muitos de nós gostaríamos de fazer o resto do mundo à nossa imagem, a aproximação mais natural para relacionamentos saudáveis compreenderá e aceitará as diferenças.

É importante lembrar que as diferenças sobre as quais estamos falando estão dentro de uma faixa normal de uma determinada população. Atitudes e comportamentos que ameacem a saúde e o bem-estar dos membros da família como uma unidade, estão fora dessa faixa e requerem assistência especializada.

Direitos respeitados

Compreensão e aceitação devem produzir respeito. Nas palavras de Paulo, “não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros” (Fil. 2:4).

Algumas vezes seremos capazes para simplesmente omitir as diferenças. Outras vezes, verbalizar nossas preocupações será suficiente para conseguir as mudanças necessárias. Mas haverá tempos quando as dores serão profundas, e o único bálsamo é o perdão. Será então quando poderemos nos alegrar na boa-nova que Deus nos perdoa além da conta, e o evangelho nos convida a oferecer o mesmo dom ao nosso cônjuge. Perdoar é também doloroso, custoso e difícil. As cicatrizes permanecem. Lembranças podem vir à tona de vez em quando, magoando-nos de novo, mas na força do amor de Deus e nosso compromisso conjugal, podemos avançar no processo.

Complementariedade

Os traços de personalidade e caráter de um cônjuge, freqüentemente, complementam os do outro. É gratificante sentir que Deus nos conduz em crescimento juntos, na parceria do casamento, e que as características de cada um são instrumentos providenciados por Ele para envolver-nos em alguma grande obra em Seu favor. Nosso amor comum a Ele ajuda-nos a trabalhar as dificuldades de tal maneira que elas produzirão bons frutos em nossos relacionamentos.

O amor e o valor que Ele nos atribui ajustam as lentes através das quais nos vemos mutuamente. Quando nos abrimos ao que Whitaker chama de “contaminação mútua”, as diferenças podem alargar nossa apreciação por um espectro de traços e interesses bem além da nossa estreita esfera. E através de uma vida de unidade, na força e no crescimento que o Espírito Santo produz, podemos afirmar: “Um dia escolhi você, entre tantas outras pessoas. E faria isso de novo, hoje.” ☆

RON E KAREN FLOWERS, diretores do Ministério da Família da Associação Geral da IASD