Desde 1960, os Estados Unidos têm experimentado um crescimento de “560% nos crimes violentos e 400% de nascimentos ilegítimos. Apesar dos níveis elevados de assistência e gastos sem precedentes com a saúde pública, testemunhamos uma quadruplicação na taxa de divórcio, um tríplice crescimento do número de filhos de pais solteiros, 200% de aumento dos suicídios de adolescentes”.1

Esse assustador e perigoso declínio de valores torna urgente um processo de restauração da moralidade. Nesse sentido, grupos cristãos conservadores devidamente organizados são uma força para estabelecer políticas locais e nacionais.

Para os adventistas do sétimo dia, isso representa uma séria questão. Nós também podemos partilhar das preocupações de nossos amigos cristãos, alarmados com a degeneração moral corrente. Mas também somos o povo da profecia, e caminhamos para o momento em que os Estados Unidos promulgarão uma lei ditando a maneira como devemos cultuar a Deus.

Conseqüentemente, encontramo-nos num dilema. Se resistirmos a uma agenda cristã conservadora, apareceremos como oponentes. Se apoiarmos o empurrão em favor de medidas legais pela moralidade, aparentemente estaremos negligenciando a verdade da profecia. Qual é a postura apropriada que os adventistas devem tomar a respeito de uma legislação que favoreça a moralidade? Deveríamos nos opor, pelo fato de sentirmos que isso finalmente levará à restrição da liberdade religiosa? Ou deveríamos deixar tudo como está, considerando que a queda de valores e da moralidade atesta a veracidade da profecia bíblica?

Luz do passado

Nos anos 1800, não havia os problemas de pornografia, nascimentos ilegítimos, aborto, abuso infantil, etc., que hoje contaminam o mundo. Mas havia um problema que incendiava os ativistas cristãos: o abuso do alcoolismo. Naquele tempo, o movimento pró-temperança era tão duramente contestado no circuito político, como acontece hoje com alguns grupos reivindicadores. E havia uma conscientização pela formação de uma liga nacional de cristãos guardadores do domingo, que eventualmente incluiria numa pauta uma legislação dominical. Como os líderes adventistas responderam a isso? Como Ellen White reagiu a esse movimento político-religioso de temperança?

Embora a Sra. White tenha aconselhado os adventistas a “não se envolverem em questões políticas”, isso não significa que eles deveriam estar completamente isolados das reformas políticas e morais. Ela persuadiu os membros da igreja no sentido de votar e influenciar a legislação moral sobre o uso do álcool.2

Em maio de 1865, na III Assembléia Anual da Associação Geral, em Battle Creek, Michigan, os delegados aprovaram uma resolução que apoiava o voto para assuntos morais.3 Aproximadamente 20 anos depois, a questão sobre o voto adventista a favor da moralidade novamente veio à tona, durante uma reunião campal em Des Moines, Iowa, onde Tiago e Ellen White estavam presentes. Foi proposta uma ação segundo a qual todos os ministros deveriam usar “sua influência entre nossas igrejas e junto ao povo em geral para induzi-los a envidar todo esforço coerente, pelo trabalho individual e na urna eleitoral, em favor da emenda proibitória à Constituição”.4

Alguns irmãos discordaram da cláusula referente ao voto e pediram que fosse removida. Ellen White, que havia se retirado à noite, foi chamada para dar sua opinião. Posteriormente ela escreveu: “Preparei-me e achei que devia falar sobre o assunto se nosso povo devia votar pela proibição. Disse-lhes: ‘Sim’, e falei por 20 minutos.”5

Distinção crucial

Romanos 13:1-4 estabelece que é dever do governo punir os que transgridem a lei. As leis não são amorais. Todas as vezes que a lei de um país condena assassinos, ladrões, ou qualquer outro tipo de criminoso, é porque existe uma legislação moral. Entretanto, isso não significa que o Estado deva legislar como o povo deve cultuar a Deus.

Quando há uma legislação moral, deve ser feita uma crucial distinção entre as duas tábuas dos Dez Mandamentos. Numa tábua, Deus é absoluto. Na outra, o poder civil também deve agir, inclusive os ministros de Deus. É próprio do Estado estabelecer e reforçar leis que tenham a ver com os últimos seis mandamentos, que definem regras de relacionamento interpessoal. Mas os primeiros quatro mandamentos descrevem o relacionamento do homem com Deus, e estão sobre a absoluta jurisdição divina. O papel do governo aqui é simplesmente prover o livre exercício da religião.

O governo civil tem o dever de seguir o governo de Deus e honrá-Lo. Ellen White compreendeu isso e não temeu ser envolvida em questões sociais de grave significado moral. Ela nem permitiu que os observadores do domingo fossem os catalisadores do movimento de temperança, privando-a de defender a causa.

O movimento de temperança

A cruzada de temperança cresceu de um desejo de deter a espiral descendente da “república alcoólica”.6 O álcool era um leão solto. Legalmente protegido, ele devastava o corpo e a mente das pessoas. Os cristãos estavam preocupados. Lyman Beecher, um pastor congregacionalista, disparou o ativismo social para tornar proscrito o álcool com uma série de seis sermões sobre intemperança, em 1825 e 1826. Outra série de sermões, pregada e publicada por Calvin Chapin, em Connecticut, posteriormente também influenciou a opinião pública.

Como resultado, 16 proeminentes cidadãos de Boston reuniram-se em fevereiro de 1826 e formaram o que eventualmente tornou-se a União Americana de Temperança. Em nove anos, essa instituição tinha oito mil núcleos espalhados pelos Estados Unidos. Em 1839, 350 mil pessoas decidiram assinar votos de total abstinência.

Ellen e Tiago White não estavam satisfeitos em permanecer à margem do movimento. Estavam ávidos por apoiar essa causa e frequentemente uniam seus esforços aos dos membros de outras igrejas. “Em seu trabalho”, Ellen escreveu, meu esposo, sempre que tem oportunidade, convida os obreiros da causa da temperança para suas reuniões, e dá-lhes oportunidade de falar. E quando somos convidados para assistir às suas reuniões, sempre atendemos.”8 Como resultado, Os White tinham a alegria de ter sempre alguns deles unidos consigo, “na observância do verdadeiro sábado”.9

A Sra. White manteve essa prática durante sua vida. Nove meses antes de falecer, ela escreveu incentivando a Igreja a trabalhar em harmonia com a União de Mulheres Cristãs Pró-Temperança, uma organização interdenominacional interessada prioritariamente em fazer campanhas em favor da proibição alcoólica. Ela encorajou o envolvimento e a interação de alto nível.10

Entre os recursos utilizados por essas sociedades, estavam os “Exércitos de Água Fria”. Crianças, alunas das escolas dominicais, desfilavam pelas ruas oferecendo água fria aos espectadores ao longo do trajeto, distribuindo literatura sobre temperança e persuadindo os viciados a assinar compromissos de abstinência”.11

As sociedades de temperança também usavam os políticos para conseguir seus objetivos, através de lobby pela aprovação de leis federais e estaduais que garantissem a proibição do alcoolismo. Quando os parlamentares não apoiavam sua causa, os promotores da temperança recorriam a seus próprios candidatos. As mulheres demonstravam sua força. Empunhando a Bíblia, elas entravam em tabernas, ajoelhavam-se no chão para orar, e apelavam aos proprietários que fechassem o estabelecimento.

A União de Mulheres empenhou-se “no emprego de todos os meios apropriados para desencorajar o uso e o tráfico de bebida alcoólica”. Frances Willard, presidente dessa organização por 19 anos, “lutou pela emenda proibitiva na constituição estadual, apoiou o movimento pelo voto das mulheres, advogou o vegetarianismo, opôs-se ao uso do cigarro, reivindicou a criação de jardins de infância, e nos domingos enviava mulheres às prisões levando buquês com textos bíblicos aos encarcerados”.13

Na verdade, Ellen White não recomendou que os adventistas participassem de todas as atividades da União de Mulheres, mas apenas “no que pudéssemos ajudar sem nos comprometermos”.14 Tampouco ela sugeriu que os adventistas se unissem indiscriminadamente a todas as sociedades de temperança.

A razão da crise

Em uma das suas mais claras declarações sobre nossa responsabilidade para com Deus e o Estado, Ellen White incentivou os adventistas para irem às eleições e votar em favor da temperança. Na mesma declaração, ela nos dá uma impressionante percepção da causa de nossa crise moral.

“Há uma causa para a paralisia moral na sociedade. Nossas leis sustentam um mal que está enfraquecendo seu próprio fundamento. Muitos deploram os erros que sabem existir, mas consideram-se livres de toda responsabilidade no assunto. Isso não pode ser. … Os advogados da temperança falham em cumprir completamente seu dever, a menos que exerçam sua influência por preceito e exemplo – pela voz, pena e pelo voto – em favor da proibição e total abstinência.”15

Essa afirmação revela dois princípios importantes. Primeiro, a principal causa de degradação num país são suas leis que favorecem a imoralidade. Segundo, os adventistas têm a responsabilidade, diante de Deus e da sociedade, de mudar essas leis. Esfregar as mãos e lamentar que as coisas tenham ficado tão ruins não é o bastante.

Fugimos ao nosso dever quando nos sentamos e relacionamos os atrozes crimes de abuso infantil, estupro, aborto e pornografia, entre outros, como sinais do fim e negligenciamos usar nossa influência como cidadãos para corrigir as leis que sustentam esses males. Embora devamos proteger o muro de separação entre Igreja e Estado, não devemos abrir a porta ao mal que devastará nossos lares e nossos filhos. Esse é o equilíbrio que devemos lutar para manter.

Os cristãos na política

Alguns crentes lamentam o envolvimento cristão no processo político. Mas se os cristãos não lutarem pelas crenças e pelos valores morais, quem o fará? Quem deterá a maré de imoralidade que busca corroer a sociedade? Se nos retiramos do fórum público, que tipo de sociedade herdaremos, depois que pessoas com interesses puramente secularistas exercerem seu direito de votar e influenciar a opinião pública?

Quando os cristãos silenciam, os humanistas seculares controlam o Estado. Sem nenhum temor de Deus, eles não temem a degradação e a autodestruição. E assim são elaboradas leis frouxas, materialistas, que favorecem a corrupção. Numa tal sociedade, seguramente, os cristãos não serão capacitados para viver livremente a sua fé. Seus filhos serão constantemente bombardeados com filosofias incrédulas e inócuas.

Ellen White não permaneceu como uma observadora silenciosa, quando deparou-se com assuntos que afetavam a sociedade. Quem ficaria surpreso hoje se ela pudesse falar aos adventistas sobre questões como aborto, pornografia, eutanásia, etc.? Decerto ela não condenaria aqueles que defendem a existência de leis que reforcem a virtude do senso comum.

Temperança e leis dominicais

Em 1887, a União de Mulheres Cristãs Pró-Temperança uniu-se com a Associação Nacional de Reforma, um grupo defensor de uma lei dominical nacional. Os dois grupos esperavam melhorar a moralidade americana fechando os bares pelo menos no domingo.16 Mas os governos aprovaram leis dominicais e usaram-nas em perseguição de adventistas e judeus. Tudo isso transpirou o que para os adventistas era uma atmosfera muito carregada de significado profético.

Na Assembléia da Associação Geral de 1888, a Igreja experimentou um significativo derramamento do Espírito Santo. Isso, ao lado do movimento das duas organizações anteriormente mencionadas para aprovar a lei dominical, assinalou aos adventistas que o mundo estava às vésperas do fim. Conseqüentemente, eles não quiseram ter algum compromisso com instituições que estavam envolvidas numa legislação dominical.

A. T. Jones, editor de Sentinel, foi o principal defensor adventista da liberdade religiosa durante essa época. Jones, preocupado com o desenvolvimento da lei dominical, tornou-se duro contra qualquer um ou qualquer organização relacionada com ela. Num dos seus artigos, ele salientou o relacionamento entre a União de Mulheres e a Associação de Reforma, criticando duramente algumas declarações dos seus líderes em favor da legislação dominical.

A reação de Ellen White a Jones foi tanto interessante como instrutiva. “Você está construindo sobre barricadas”, ela escreveu, “que não deveriam aparecer. Depois de ler seus artigos, aqueles que não conhecem a nossa fé se sentiriam tentados a unir-se a nós?… A obra que Cristo veio realizar no mundo não é erguer barreiras e constantemente insistir com o povo que ele está errado… Se mais cuidadosos, devotados e determinados esforços forem feitos por associações tais como a União Cristã de Mulheres Pró-Temperança, a luz brilhará para almas que são tão sinceras como Cornélio. … As idéias expressas em seus artigos têm um sabor tão forte de antagonismo que podem causar maior prejuízo do que você imagina.”17

Poucas semanas depois, ela voltou a escrever para Jones, indicando que independente do envolvimento da União de Mulheres com a legislação dominical, os adventistas ainda deveriam trabalhar com e por elas, de uma forma habilmente cristã. “Alguns de nossos melhores talentos deveriam ser colocados a trabalhar para a União de Mulheres, não como antagonistas, mas como quem aprecia plenamente o bem que tem sido feito por essa instituição. Deveríamos buscar conquistar a sua confiança, harmonizando-nos com elas o quanto for possível. Meu irmão, não apresente a verdade de tal forma que as participantes da União de Mulheres se afastem em desespero. Existem verdades vitais sobre as quais elas não têm luz. Elas devem ser tratadas com cuidado, em amor, e com respeito por sua boa obra. Você não devia agir da forma como o faz. Se continuar fazendo isso, fechará portas pelas quais muitos seriam alcançados. Retenha sua condenação até que você e nosso povo tenhamos feito tudo o que puder ser feito para alcançá-las, não por argumentos de ministros, mas através do influente trabalho como a irmã Henry tem feito.”18

A irmã Henry

De acordo com Ellen White, a Sra. Henry era um modelo de como os adventistas devem trabalhar por outros cristãos, que têm como agenda a reforma moral e leis dominicais.

Antes de unir-se à Igreja Adventista, a Sra. S. M. I. Henry era uma evangelista nacional da União de Mulheres Cristãs Pró-Temperança. Em 1896, ela esteve no Sanatório de Battle Creek como paciente. O médico lhe disse que nunca mais poderia caminhar e seria confinada a uma cadeira de rodas pelo resto da vida. No sanatório, ela aprendeu como se tornar membro da Igreja Adventista. Depois de fazer um concerto com Deus e assistir ao serviço de oração pelos doentes, a Sra. Henry foi curada. Ellen White, que na ocasião se encontrava na Austrália, foi informada da sua conversão e começou a desenvolver uma amizade com ela por correspondência.

Em dezembro de 1898, a Sra. White escreveu à sra. Henry: “Agradeço ao Senhor de todo o coração, alma e voz, que você tenha sido um proeminente e influente membro da União de Mulheres Cristãs Pró-Temperança. … Por 20 anos, vi que a luz deveria vir às mulheres na linha da temperança. O Senhor não ordena que você se separe da União de Mulheres. Elas necessitam de toda a luz que você pode dar-lhes. Cintile toda a luz possível em seu caminho. Você pode concordar com elas no plano dos princípios elevados e puros que trouxeram à existência esta sociedade.”19

Quando a carta chegou, a Sra. Henry já tinha renunciado ao seu trabalho no escritório da União de Mulheres; mas com a carta da irmã White, ela reconsiderou sua posição. Embora a Sra. Henry conscienciosamente deixasse a União de Mulheres por causa de sua obra em favor da legislação dominical nacional, a maior visão de Ellen White encorajou-a a permanecer na organização. Agradecida, a Sra. Henry seguiu o conselho. “Foi principalmente devido à sua influência e aos seus apelos, que o trabalho em favor da lei dominical foi completamente abandonado por aquela organização.20

Vamos ser claros: Deus chama as pessoas para a igreja Adventista do Sétimo Dia. Mas esse chamado não as exclui de trabalhar junto com outros cristãos que têm as mesmas preocupações quanto à reforma moral, na medida em que o possamos fazer “sem comprometer qualquer princípio da verdade”, no dizer de Ellen White. Infelizmente, esse é o crucial equilíbrio que muitos encontram dificuldade para manter. Assim mesmo, devemos tentar.

Cumprindo o dever

A história de nossa participação no movimento de temperança ilumina nossa presente situação. É claro, do exemplo de Ellen White, que, embora nossa tarefa seja partilhar o evangelho eterno, não é nosso dever estar separados do envolvimento social e, às vezes, político.

Enquanto exercemos nossa influência, por preceito e exemplo, pela voz, pena e voto, em favor de causas morais e justas, também devemos buscar educar o povo a respeito da separação encontrada entre os primeiros quatro mandamentos da Lei de Deus e os últimos seis. Tornando clara a distinção entre onde os deveres civis começam e terminam, podemos educar o povo a obedecer o quarto mandamento da Lei de Deus e lutar contra leis religiosas opressivas.

Nosso trabalho como Igreja não é reformar o sistema político. Isso não resolverá o problema do pecado. Apenas a conversão pessoal e a volta de Cristo pode solucionar isso. Entretanto, embora vivendo para apressar o estabelecimento do reino vindouro, devemos também cumprir nosso dever de ser cidadãos responsáveis e participar na manutenção de uma sociedade estável.

Em assim fazendo, estamos agindo em total harmonia com nossa fé.

Referências

1 Jim Nelson Black. When Natlons Die. America on the Brink: Tem Warning Signs of a Culture in Crisis. Wheaton, III; Tiyndale House Publishers. 1994. pág. 6.

2 Ellen G. White. Review and Herald. 15/10/1914

3 Review and Herald. 23/05/1865.

4 Ellen G. White. Temperança, pág. 255.

5 Ibid.

6 Jerome Clark. “The crusade against alcohol”. in Gary Land. ed.. The World of Ellen G. White. Hagerstown, MD; Review and Herald Publishing Association, 1987, pág 131.

7 Ibid., pág. 132.

8 Ellen G. White. Manuscript Releases. Silver Spring, MD; E. G. White Estate, 1981, 1:123.

9 _______________. Review and Herald. 18/06/1908.

10 Ver “A obra de temperança”

11 Jerome Clark. Op. Cit., pág. 132.

12 Ibid., pág. 138.

13 “A obra de temperança”

14 Idem

15 George Knight. Angry Saints. Hagerstown, MD; Review and Herald Publishing Association. 1989. pág. 17.

16 Ellen G. White. Carta 17. 1900.

17 ________________. Manuscrito. 7:167-169.

18 Ibid.. 1:125 e 126.

19 Ibid.. 126

20 Ibid.. 129

GARY D. GIBBS, Vice-presidente e coordenador de evangelismo do programa Amazing Facts, nos Estados Unidos