Em Gibeon apareceu o Senhor a Salomão de noite em sonhos. Disse-lhe Deus: Pede-Me o que quiseres que Eu te dê. Respondeu Salomão: De grande benevolência usaste para com Teu servo Davi, meu pai, porque ele andou em retidão de coração, perante a Tua face; mantiveste-lhe esta grande benevolência, e lhe deste um filho que se assentasse no seu trono, como hoje se vê. Agora, pois, ó Senhor meu Deus, Tu fizeste reinar a Teu servo em lugar de Davi meu pai; não passo de uma criança, não sei como conduzir-me. Teu servo está no meio do Teu povo que elegeste; povo grande, tão numeroso que se não pode contar. Dá, pois, ao Teu servo coração entendido para julgar a Teu povo, para que prudentemente discirna entre o bem e o mal; pois quem poderia julgar a este grande povo?” (I Reis 3:5 a 9).

Há, nesse texto, algumas lições que podem nos ajudar em nosso ministério, especialmente quando temos que tomar importantes decisões. Qual é a expectativa de Deus em relação a um líder cristão? Tomemos o caso de Salomão, recém-eleito rei de seu país. Uma noite, Deus lhe aparece em sonho e lhe faz um oferecimento que qualquer ser humano, na face da Terra, gostaria de receber: “Pede-Me o que quiseres que Eu te dê.”

Coração entendido

Essa é uma promessa de profundo significado. Pelo contexto da passagem, é possível verificar que Salomão poderia ter pedido vida longa, riqueza, poder, aplausos, fama e glória. Porém, ele reconhece sua insignificância e, humildemente, faz o seu pedido: “Dá, pois, ao Teu servo coração entendido.” Esse coração entendido, ao lado de outras palavras tais como sabedoria, discernimento, critério e sentido comum, vem de um mesmo verbo em duas diferentes derivações; o verbo hebraico jokmáj. As aplicações desse verbo são várias: bom juízo, discernimento, saber decidir e saber tomar uma posição correta no momento exato.

É interessante notar que Ellen G. White diz o seguinte: “Junto à espiritualidade, o bom critério é indispensável para todo ministro.” (Testimonies, vol.. 9, pág. 277).

Segundo essa declaração, para que um ministro seja útil nas mãos de Deus, não é suficiente ser um homem espiritual. Junto à espiritualidade, o bom critério, o jokmáj, o saber decidir e o sentido comum são qualidades indispensáveis na vida e no trabalho de um ministro.

Ela diz mais: “O tato e o critério centuplicam a utilidade de um obreiro.” (Evangelismo, pág. 638). Não se trata de ser duas ou dez vezes mais. A promessa é que poderíamos ser obreiros cem vezes mais úteis se tivéssemos o Jokmáj. Por isso, quando Deus Se apresentou a Salomão e lhe disse “Pede-Me o que quiseres”, o jovem rei respondeu: “Senhor, tudo o que eu quero é um coração entendido.” Com que propósito? “Para julgar a Teu povo.”

É interessante como os idiomas grego e hebraico nos dão esclarecimentos que a língua portuguesa não oferece. A expressão “para julgar” não significa apenas fazer juízo. Há diferentes palavras que podem ser traduzidas como “julgar”. Porém, nesse caso, a raiz hebraica é yesed, que quer dizer “para operar misericórdia”, “para fazer benevolência”, “para fazer feliz”. Dá-me um coração entendido, dá-me critério, dá-me jokmáj, para fazer feliz a Teu povo, para criar um clima, no ambiente de trabalho, onde todos se sintam valorizados, realizados, felizes, úteis, motivados e inspirados. Dá-me sabedoria, Senhor, para criar no local onde trabalho um ambiente onde Teu povo seja feliz.

Alguém poderia observar: “Mas se vamos liderar somente com o intuito de fazer o povo feliz, estamos indo a um extremo perigoso.” No entanto, a oração de Salomão é no sentido de receber um coração entendido, para fazer feliz o povo e para saber discernir entre o bem e o mal, não enveredando para outro extremo.

Mitos

As vezes costumamos confundir certas coisas. Por exemplo, existem alguns mitos relacionados com o bom critério, a sabedoria e o discernimento. O primeiro mito é que o senso comum está relacionado com o grau de inteligência. Mas isso não é necessariamente verdade. Um homem pode ser muito inteligente, ter um quociente intelectual muito elevado, aguçadíssima capacidade mental, e ainda assim não ter critério. Um indivíduo inteligente não é, necessariamente, um homem dotado de bom critério. Essas duas coisas não estão sempre relacionadas.

Outro mito é que o bom senso está relacionado com o grau de instrução acadêmica que possuímos. Não é verdade. Evidentemente, quem possui maior preparo acadêmico tem tudo o que é necessário para desenvolver o bom critério. No entanto, nem sempre tem o senso comum. As escolas, os colégios e as universidades podem dar homens bem instruídos, mas nem sempre homens de bom critério, de coração entendido, de discernimento, sábios. Um título doutorai pode mostrar quanto tempo gastamos com livros, mas o bom critério nos mostra quanto tempo gastamos com Deus, com a vida e com as pessoas. São coisas que não estão necessariamente entrelaçadas.

Há ainda um outro mito, mais delicado por sinal. Muitos pensam que um homem espiritual automaticamente é um homem de bom critério. Também isso não é totalmente verdadeiro. Por isso, Ellen White afirma que “junto à espiritualidade, o bom juízo é indispensável para todo ministro”.

Creio que o profeta Samuel era um homem espiritual, mas apesar disso lhe faltou bom critério quando foi escolher o rei de Israel. E, não fosse a direta intervenção divina, sem dúvida, cometeria um lamentável erro.

Conceituando critério

A esta altura, é conveniente responder à pergunta: O que é bom critério, bom juízo, coração entendido? O que significa sabedoria, discernimento e senso comum? Bom senso é olhar a vida, as circunstâncias e as pessoas, a partir da perspectiva divina, e então tomar a decisão correta. Mas isso não implica substituição de Deus. Olhar situações e pessoas a partir da perspectiva divina significa colocarmo-nos em Seu lugar e imaginar: Como Deus olharia esta circunstância e agiria neste momento? Qual seria a Sua decisão? Com isso em mente, analisemos a maneira como Deus resolveu um dos problemas que enfrentou:

Quando o homem caiu no pecado, havia um princípio segundo o qual a obediência acarretaria vida, e a desobediência traria a morte. O homem pecou, Conseqüentemente deveria morrer. No “livro de praxes” estava escrito que se alguém pecasse deveria morrer. Não havia o que se discutir. A letra era clara e fria. E o diabo, certamente, estava do outro lado pensando: “Quero ver como Deus vai cumprir a ‘praxe’, como vai sair desta situação.” Deus tinha só dois caminhos. Se permitisse que o homem perdesse a vida, como conseqüência de sua desobediência, o diabo diria que Ele era um Deus abusivo, sem piedade, sem misericórdia e sem amor. Teria estabelecido uma lei que o homem não poderia cumprir. Se Deus perdoasse o ser humano, a acusação diabólica seria outra. A de que Ele era um Deus sem palavra, mentiroso, descumpridor de Suas próprias leis.

Qualquer que fosse a atitude divina, o diabo a enfrentaria com um argumento. Que fazer? Foi aí que Deus mostrou Seu bom critério. Por isso, Tiago diz que se alguém tem falta de jokmáj peça a Deus. Assim, Deus faz com que a “praxe” seja cumprida sem que o homem morra. Providencia um substituto para o homem. Cristo Se faz homem e morre pelo homem. Se a desobediência acarretaria a morte, morre o Filho de Deus perdoando o homem. O regulamento é cumprido, funciona, mas de acordo com a perspectiva divina. Não apenas as circunstâncias são consideradas, mas também as vidas, as pessoas. E ninguém pode acusar a Deus de descumprir a praxe. Seu critério é maravilhoso.

Quando o diabo ficou sem argumento, Deus nem mesmo o ridicularizou. Isso não é do Seu feitio. O bom critério nos ensina até a vencer, sem humilhar, mesmo o pior adversário.

Salomão pediu bom critério a Deus, e Deus lho dá. E, pouco depois disso, duas prostitutas se apresentam a ele, disputando a posse de um filho. Todos conhecemos a história. Cada uma se dizia mãe do filho. Não havia provas, não havia como saber quem dizia a verdade. Que fazer? O Senhor o ensina a deixar felizes as pessoas, não a fazer o que todo mundo quer. Salomão ordena, então, que o bebê seja cortado pela metade, e a verdadeira mãe aparece. Quanta sabedoria! E o texto bíblico diz que todas as nações da Terra escutaram a história e vieram para ver a sabedoria daquele rei.

Necessitamos de mais critério em nosso ministério, quer sirvamos como pastores de igreja, diretores de departamentos, presidentes, secretários, tesoureiros, seja onde for, necessitamos de critério. Precisamos disso como oficiais de igreja, como anciãos, diáconos, etc. Precisamos mais jokmáj.

É um privilégio olhar a vida, as circunstâncias, as pessoas, a partir da perspectiva divina, para então tomar a decisão correta.

As vantagens

Quais são as vantagens do bom critério? Uma delas é o equilíbrio. O ser humano, por natureza, está sempre pendendo mais para um lado ou outro. Nós seres humanos temos dificuldade para andar na linha do centro. Ou se vai para um extremo, ou para o outro. Somos muito conservadores ou muito liberais. Por que não podemos ser homens de bom critério? Por que não podemos andar no centro? Essa capacidade de equilíbrio somente Deus a pode dar, através de um dom simples que se chama bom critério, coração entendido, sabedoria ou discernimento.

Outra vantagem do bom critério é a capacidade de ser objetivo. O que é objetividade? É a capacidade de chegar ao alvo sem dar muitas voltas. Essa capacidade de poupar tempo, esforços, energias, sofrimento para as pessoas, para mim mesmo e minha família; essa capacidade de ir ao alvo sem muito rodeio, só Deus a pode dar através do dom simples que se chama bom critério.

Uma outra vantagem adquirida do bom senso é a capacidade de administrar por objetivos, de olhar as coisas em sua amplitude. Qual é a missão da Igreja na Terra? O bom critério deixará bem claro na mente que a missão da Igreja não é simplesmente fazer conhecidas as suas doutrinas, nem simplesmente batizar e fazê-la crescer numericamente. Não é aumentar a quantidade de edifícios, hospitais, universidades, escolas ou templos, tampouco fazer evangelismo público, implantar programas de televisão e rádio. A missão da Igreja é reproduzir nos seres humanos o caráter de Deus. Porque quando o homem saiu das mãos de Deus, ele era perfeito e refletia o caráter de seu Criador. Mas o diabo interferiu no plano, de tal forma que hoje somos apenas uma caricatura do que era a imagem de Adão quando saiu das mãos do Criador.

A missão da Igreja, hoje, é levar o evangelho ao mundo, para que, pela Obra do Espírito Santo, o caráter de Deus seja novamente reproduzido nos seres humanos, e Sua glória possa ser vista em todo o mundo. Mas, se não houver bom critério, tal objetivo não poderá ser visto, e os líderes se perderão em detalhes supérfluos, concentrarão forças, talentos e dinheiro em estratégias e meios, esquecidos do grande objetivo.

Evidentemente, de alguma forma, o objetivo estará sendo cumprido, por tabela. Entretanto, o que muitos têm em mente não é o objetivo. São os detalhes. Por exemplo, líderes de jovens preocupam-se apenas com o trabalho em favor da juventude; evangelistas preocupam-se apenas com o evangelismo; líderes de Escola Sabatina preocupam-se somente com esse setor, mas é preciso ter-se em mente o objetivo supremo, e entender que não existem setores independentes na Igreja. Existe, sim, uma Igreja com uma missão. Mas esse discernimento, esse critério que liberta um pastor da ideia de tornar-se um mero promotor de departamento, levando-o a manter o verdadeiro sentido do ministério, somente Deus pode outorgar, através de uma coisa simples que se chama bom critério.

Salomão poderia ter pedido dinheiro, poder, riquezas, fama, glória e vida longa. No entanto pediu um coração entendido. Vale dizer, a capacidade de colocar-se em Sua perspectiva diante das circunstâncias da vida, dos homens, para que possa tomar a decisão correta a partir daí. E isso só por um motivo – tornar feliz o povo.

Particularmente, creio que a Obra de Deus somente será concluída quando nós criarmos um ambiente maravilhoso ao nosso redor, quando as pessoas perderem o receio de se aproximarem de nós, quando não tivermos mais medo do outro, quando pudermos abrir o coração ao amigo e colega, quando pudermos chorar em seu ombro. Só então o Espírito de Deus vai operar poderosamente em Sua Igreja e vai nos levar à conclusão da mensagem na Terra.