Falar da Palavra de Deus como sendo relevante, é uma afirmação tão óbvia como dizer que Deus é útil para a humanidade. E afirmar que os pregadores podem tomar relevante a Palavra, como se eles pudessem ajudar a Deus no sentido de tornar-Se conhecido, soa quase como um pedaço de blasfêmia. No entanto, o principal problema da pregação hoje é a relevância. Se os pregadores não podem tomar a Palavra relevante, pelo menos poderiam evitar o pecado de fazê-la irrelevante.

Reinhold Niebuhr disse certa vez que o problema não é tanto se o cristianismo é digno de crédito ou não, mas se ele é relevante. Pregação em termos de irrelevância é tão ruim como nenhuma pregação.

Onde está o problema

Preocupa-me a questão da relevância em três áreas relacionadas com o púlpito adventista. Vamos analisá-las a seguir:

Apresentação mecânica. A pregação adventista tem sido acusada de insistir numa insípida e mecânica apresentação de doutrina. O sermão é tirado quase que exclusivamente da Bíblia, mas com raríssimas ilustrações que ajudem os ouvintes a descobrir os ricos mistérios do respectivo texto escriturístico. O pregador, por sua vez, exagera no volume da voz, como se as cordas vocais pudessem tomar inteligível aquilo que aparentemente a mente é incapaz de fazê-lo. Esse tipo de apresentação mecânica pressupõe, por exemplo, que o mero uso da frase “justificação pela fé” é suficiente para que os ouvintes captem seu significado.

Sermões doutrinários são necessários. Mas eles deveriam primeiramente brotar da experiência do pregador, sendo então comunicados de tal maneira que se tomem também a experiência viva para o ouvinte. “Quando a teoria da verdade é repetida sem que sua sagrada influência seja sentida na alma do pregador, nenhuma força é exercida no coração dos ouvintes, mas é rejeitada como erro. O orador faz-se a si mesmo responsável pela perda das almas.”1

Ligada a essa apresentação mecânica de doutrina existe uma ausência de autoridade no púlpito. A autoridade do pregador deriva da Palavra exposta. E nosso povo percebe isso muito mais do que imaginamos. Evidentemente não existe aqui nenhuma razão para que pregadores se aproveitem disto como freqüentemente acontece. Confundindo a fonte de sua autoridade com uma apresentação mecânica de doutrina, e encorajados pelo dócil respeito e aceitação por parte do público, muitos pregadores imaginam que tudo o que precisam fazer é “proclamar” o evangelho numa linguagem teológica, pouco importando se isto é inteligível ou não.

A autoridade do pregador deriva da Palavra exposta. E nosso povo percebe isso muito mais do que imaginamos.

Pregação cristocêntrica ou teocêntrica. Uma segunda área na qual o púlpito adventista se abre para a entrada de irrelevância é a ênfase numa pregação cristocêntrica em detrimento da mensagem teocêntrica. Enfatizar a pessoa de Cristo sempre é apropria-do e necessário. Mas às vezes o realce parece ser tão grande que resulta numa subestimação de Deus, tornando irrelevante o evangelho. Afinal, o evangelho expõe as boas novas sobre o que Deus tem feito através de Cristo.

Em seu zelo para enaltecer a atividade redentora de Deus em Cristo, o púlpito adventista tem-se movido inconscientemente em direção à ênfase cristocêntrica. Em conseqüência disso, o pregador apela constantemente para que as pessoas no auditório confiem em Cristo, creiam em Cristo, aceitem a Cristo. Implícito no apelo, do ponto de vista do pregador, está o pensamento do Deus a quem nós conhecemos, aceitamos e confiamos através de Cristo. Mas tal implicação não é claramente estabelecida, de modo a capacitar o ouvinte no sentido de fazer a ligação entre o que o pregador diz a respeito de Cristo e o grupo de associações que faz com a palavra Deus. Assim sendo, mesmo ouvintes bem informados talvez passem a viver num mundo com duas deidades: o Senhor Jesus Cristo, que redime e salva, a quem eles amam e em quem confiam, e o Deus da criação e do juízo, a quem eles respeitam e temem.

A ênfase cristocêntrica na pregação adventista é tão desproporcional, ainda que involuntariamente, que a revelação e redenção de Deus em Cristo Jesus quase não aparecem. Aceitar a Cris-to como meu Salvador pessoal, aparentemente pouco ou nada tem a ver com Deus. E tal pregação é simplesmente irrelevante para a Palavra de Deus.

Negligência do contexto social. A pregação adventista torna-se susceptível à irrelevância também quando enfatiza a salvação pessoal ao mesmo tempo em que negligencia o contexto social. Antes de ser interpretado erroneamente, devo esclarecer que a ênfase na salvação pessoal – levar uma pessoa ao arrependimento e à justiça pela fé – é o objetivo primeiro da pregação. Mas esta deve reconhecer também que nenhum indivíduo está isolado do relacionamento com outros. Ademais, cada pessoa é uma parte do todo, quer na igreja ou na comunidade. Esse reconhecimento é o que justamente falta, às vezes, no púlpito adventista.

A pregação necessita tratar realisticamente com as pessoas em seu contexto social, relacionando salvação pessoal ao presente e ao futuro.

Não é difícil traçar as razões para tal ênfase exclusiva na salvação pessoal. Primeiramente, existe uma eterna e inalterável mensagem para ser pregada. O evangelho de hoje é o mesmo evangelho do início do século. Depois, há certas circunstâncias imutáveis nas quais as pessoas se encontram: morte e aflição, sofrimento e tristeza, pecado e culpa. Além disso, o relacionamento de uma pessoa com um vizinho ou qualquer outro membro da família não é marcadamente diferente hoje, do que era cem anos atrás. Uma mensagem que trata com tais elementos imutáveis da vida deve ser, Presumidamente, não apenas transmissora de segurança mas adequada.

A ênfase exclusiva sobre relação pessoal pode ser traçada por um perigoso sentido de “evangelho social” com suas reivindicações, seu ativismo político, seus pronunciamentos que rapidamente deixam o evangelho num plano inferior, usurpando o lugar da Palavra viva.

Os púlpitos adventistas, em sua maioria pelo menos, têm evitado a irrelevância do evangelho social. Mas aqui cabe perfeitamente uma indagação: Estão eles conscientes da necessidade de pregação num contexto social? A pregação que fecha os olhos para o mundo no qual a congregação vive corre o perigo de tomar-se irrelevante por duas razões.

Primeira, essa pregação apresenta o evangelho como um escape das realidades cruéis e difíceis da vida. Pregação escapista anuncia o evangelho como um paliativo para dor de cabeça, insônia e neuroses. A pregação necessita tratar realisticamente com as pessoas em seu contexto social, relacionando salvação pessoal ao presente e ao futuro.

A segunda razão é que a pregação que silencia diante das inquietações sociais de nosso tempo configura no púlpito a trágica compartimentalização da vida moderna, ou seja: vida familiar colocada num plano inferior, negócios num plano superior. Problemas internacionais tratados na superfície, vida religiosa mais ao lado, podendo ser acionada por algum botão – no sábado pela manhã.

Para ser relevante, a pregação necessita alcançar todas as pessoas na totalidade de seus relacionamentos. Os pregadores necessitam encarar seriamente o problema da irrelevância. Cada um dos seus aspectos gira sobre a ênfase distorcida de um perfeitamente válido e indispensável aspecto da pregação. Na verdade, estes são os aspectos mais fortemente enfatizados na pregação adventista: doutrinário, cristocêntrico e evangélico. Mas a distorção de uma ênfase válida e indispensável não surpreende, uma vez que o inimigo ataca justamente o ponto onde presumivelmente nos achamos os mais fortes.

A solução * 1

Como, então, podemos tomar a Palavra relevante? Há três princípios que poderiam ajudar.

Conhecer o evangelho. Para começar, deve haver reconhecimento na natureza do evangelho, pois a pregação não pode estar divorciada de seu conteúdo. Quando dizemos que o evangelho (ou a Palavra de Deus) é a autodescoberta de Deus, referimo-nos à revelação de Deus na História. “Mas revelação é a aplicação própria do Deus vivo. É o Deus vivo no ato de repartir-Se a Si mesmo para almas vivas. É o próprio Deus chegando sempre mais perto e saindo por último. E um Deus vivo manifesta-Se apenas através de homens vivos. … Foi por homens que Deus entregou-Se a Si mesmo. Na plenitude do tempo, Ele veio no Homem-Deus Cristo Jesus, a Palavra viva; em quem Deus estava presente, reconciliando consigo o mundo, não meramente agindo através dEle, mas presente nEle, reconciliando e não apenas falando de reconciliação, ou simplesmente oferecendo-a.”2

O conteúdo do evangelho é um evento: “E o Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (João 1:14). Cristo viveu, sofreu, morreu e ressuscitou – um ato de Deus. “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo” (II Cor. 5:19). O reconhecimento da atividade de Deus em Cristo, salvará a pregação da irrelevância do cristocentrismo que negligencia a Deus.

Uma freqüente crítica a alguns sermões é que o nome “Cristo” quase não é mencionado. Sem endossar totalmente o princípio de que a palavra deve ser mencionada antes de um sermão poder ser evangélico, gostaria de perguntar se um sermão pode ser evangélico, se Cristo é mencionado, embora não aconteça o mesmo com Deus? O evangelho traz boas novas não apenas a respeito de Cristo, mas também de Deus. A necessidade de tal distinção é que a palavra Deus carrega muitas associações tais como poder, louvor, natureza, morte; e o nome Cristo traz outras associações: cruz, pastorado, amor, milagre. Muito freqüentemente os dois grupos de associações são quase estranhos entre si, salientando a necessidade de pregação que explicitamente testemunhe um evento que é um ato de Deus.

A conversação e os modos do pregador devem refletir a experiência pessoal do poder salvador do evangelho.

Mas um ato divino, mesmo que tenha acontecido uma vez por todas, é também prolongado em testemunho de si mesmo. Nossa pregação está enraizada no testemunho do evento tal como preservado na Escritura. É a pregação do próprio evento. Paulo fez isso, e nós temos o relato em suas epístolas. A Igreja primitiva também o fez, e nós temos o relato no livro dos Atos. Assim o Novo Testamento é mais que simplesmente uma narração ou mesmo um testemunho primário do que aconteceu uma vez. Nós não incentivamos as pessoas para que leiam o Novo Testamento, apenas para que elas encontrem ali um relatório do que aconteceu uma vez a alguns indivíduos, dois mil anos atrás. Nós o fazemos porque ali, no testemunho do evento, o próprio evento é prolongado. Ali é encontrada a Palavra viva de Deus, não num sentido vulgar ou mecânico, mas numa verdadeira exposição que Deus faz de Si mesmo.

Para que a pregação seja relevante, hoje, ela precisa ser bíblica. Deve testemunhar sobre o evento do qual a Bíblia dá testemunho – um testemunho que é sempre enraizado e testado pela aprovação bíblica. Os atos divinos devem ser prolongados na pregação de hoje. Assim, a pregação é mais que algo que se diz. Ela é algo que se faz; algo realizado. É Deus revelando-Se de novo para nós, com Seus requerimentos e promessas.

  • 2. Experimentar o evangelho. Um segundo princípio com o qual se defronta o problema da irrelevância na pregação, está relacionado com a pessoa do pregador. Os pregadores devem ser homens e mulheres de Deus. Devem ter experimentado a ação de Deus, e, semelhante aos discípulos no passado, deveriam ser capazes de dizer: “isto aconteceu conosco. Eles falam sobre algo mais além da experiência individual; falam no contexto de testemunhas da comunidade da Igreja. Sua autoridade, portanto, reside nos seguintes fatos: o prolongamento das realizações divinas em sua própria experiência, e a comissão que lhes é atribuída, pela Igreja, para testemunhar de tais realizações. Deixemos que esses pontos desequilibrem, e teremos, por um lado, um individualismo distorcido; e, por outro, um autoritarismo irrelevante. E esse é o grande perigo que a pregação adventista enfrenta nos dias atuais.

Somente quando o conteúdo da fé passa através da mente e da experiência do prega-dor, ele pode testemunhar; não apenas teoricamente, mas como algo que ele tem experimentado. “O evangelho de Cristo toma-se a personalidade daqueles que crêem, e os toma cartas vivas.”3 Aqui está a diferença entre pregação com um ar de autoridade, a qual é irrelevante; e pregação com nota de autoridade, que é realmente uma testemunha do evento.

Portanto, a conversação e os modos do pregador devem refletir a experiência pessoal do poder salvador do evangelho. Richard Baxter apela: “Cuidem para que vocês mesmos não estejam vazios da graça salvadora que oferecem a outros, ou sejam estranhos aos efeitos do evangelho que vocês pregam. Estejam alertas quanto ao perigo de que, enquanto proclamam a necessidade de um Salvador para o mundo, negligenciem no coração Seus benefícios salvíficos.”4

A evidência mais convincente de nossa autoridade, como pregadores, nasce da sábia compreensão de que entre todos os pecadores para os quais pregamos, nós somos os principais.

  • 3. Comunicar o evangelho. Além do fato de que os pregadores devem dizer “isto aconteceu comigo”, eles devem ser capazes para articular essa experiência em termos que sejam compreensíveis para a congregação. “É o Verbo Se fez carne e habitou entre nós.” Assim é com a pregação. Sua mensagem deve ir ao encontro das mentes e vidas dos ouvintes, de tal modo que alguma coisa aconteça – não no púlpito, mas nos bancos. Isso não significa que a mensagem será sempre bem recebida, às vezes será bem rejeitada, pois o evangelho é como uma serra partindo uma rocha.

Mas a pregação deve ser apresentada de tal maneira que os ouvintes saibam dar a resposta requerida: um “sim” ou um “não”.

E nesse ponto, enfrentamos o problema da comunicação. Palavras são símbolos; e falar nada mais é que “uma altamente complexa e refinada maneira de sinalização mútua”. Se há comunicação, os sinais devem significar a mesma coisa para o pregador e para os ouvintes. Palavras tais como “pecado”, “graça”, “fé” e “amor” devem significar uma coisa para o pregador, e exatamente o mesmo para os ouvintes. Ao falar de pecado, por exemplo, o pregador pode estar se referindo à rebelião contra Deus; mas o ouvinte pode pensar em algo como uma “mentirinha branca” contada para a esposa, à mesa, no desjejum.

Houve um tempo em que os pregadores poderiam garantir que os sinais usados no púlpito cristão eram compreendidos, no mesmo sentido, pela congregação. Hoje, tal conjectura não pode ser feita.

Assim, para que a pregação seja relevante, os pregadores devem conhecer seus ou-vintes: sua maneira de pensar, a linguagem que usam, suas aspirações e frustrações. Walter Russel Bowie sugere que “alguma vez o pregador deveria ir à igreja e ajoelhar-se onde estão os bancos, relembrando as pessoas que costumam estar sentadas ali. Aqui, ele veria um empresário, desanimado e freqüentemente pressionado pela dificuldade de proteger seus negócios da falência e ao mesmo tempo conservar-se cristão. Ali, uma senhora que traz em seu coração feridas secretas, causadas por desavenças domésticas. Acolá, um jovem indeciso entre resistir ou dar as boas-vindas a alguma tentação mais forte. Mais adiante, estariam sentadas, lado a lado, duas pessoas apaixonadas diante das quais a vida parece abrir-se à maravilha de um novo romance. Sim, no auditório de qualquer pregador, estão estas diversas personalidades, com suas diferentes alegrias e tristezas, suas oportunidades e necessidades. Como pode ele tomar significativa a mensagem que vai pregar para elas?”

Sem uma tal viagem pela vida daqueles aos quais nós pregamos, nossa palavra é uma palavra morta.

A pregação que está preocupada somente com a salvação do indivíduo, dissociada de suas preocupações sociais, políticas e econômicas, soa num vácuo, e é pouco mais que pregação escapista. Por exemplo, uma pregação sobre pecado, que fala apenas do orgulho de uma pessoa e do egoísmo em relação à família, amigos e negócios; mas não leva tal pessoa a enfrentar o problema do orgulho nacional e relacionamento internacional egoísta, realmente não expôs o significado total do pecado.

Pregação sobre a necessidade de amar o vizinho, mas que não nos faz ver além do relacionamento pessoal imediato, mantendo-nos alheios aos sofredores da Somália ou dos despojados da Bósnia, não apresentou o clamor do amor cristão aos ouvintes.

Isso não é uma sugestão para que preguemos programas políticos, ou tomemos posição ativista. Como Hugh Thompson Kerr afirma, “nós somos enviados não para pregar sociologia, mas salvação; não reforma, mas redenção; não economia, mas evangelismo; não cultura, mas conversão; não progresso, mas perdão; não uma nova ordem social, mas novo nascimento; não revolução, mas regeneração; não renovação, mas reavivamento; não uma nova organização, mas uma nova criação; não democracia, mas o evangelho, não civilização, mas Cristo. Somos embaixadores, não diplomatas”.5

Referências:

  • 1. Ellen G. White, Obreiros Evangélicos, pág. 253.
  • 2. P. T. Forsyth, Positive Preaching and the Modern Mind, pág. 16; Grand Rapids: Eerdmanns, 1964.
  • 3. Ellen G. White, Fundamentos da Educação Cristã, pág. 200.
  • 4. Richard Baxter, The Reformed Pastor, pág. 27; Portland: Multnomah Press, 1982.
  • 5. Hugh Thompson Kerr, citado in R. A. Anderson, O Pastor Evangelista, pág. 393.