Provavelmente nenhum componente da fé cristã tem sido tão debatido nos dois últimos séculos como a natureza e a autoridade das Escrituras. Havendo perdido sua confiança na Bíblia, muitos cristãos modernos e pós-modernos não mais a consideram como a “única regra de fé e prática”. Sua confiança básica está fundamentada em algum elemento humano específico, ao qual as Escrituras são acomodadas. Enquanto os assim chamados conservadores da extrema-direita tentam manter a Bíblia presa a suas tradições humanas (tradicionalistas), os liberais da extrema-esquerda procuram reler as Escrituras da perspectiva da razão humana (racionalistas), ou da experiência pessoal (existencialistas), ou da cultura moderna (culturalistas). Esses elementos são considerados não apenas como mais autoritativos do que os escritos inspirados, mas até mesmo como o padrão adequado a ser usado para “corrigir” o conteúdo da Bíblia.

Deus suscitou a Igreja Adventista do Sétimo Dia, em meio aos desafios “desses últimos dias” (II Tim. 3:1), para restaurar e enaltecer a autoridade de Sua Palavra.1 Lamentavelmente, porém, o cumprimento dessa missão tem sido seriamente debilitado, em alguns círculos, pela aceitação das mencionadas acomodações da Escritura. Isso significa que a identidade de nossa denominação está sendo desafiada hoje não apenas por forças externas, mas também por algumas vozes internas empenhadas em promover tais acomodações.

Embora os adventistas do sétimo dia tenham escrito extensivamente, durante os últimos 150 anos, sobre o assunto da inspiração, nossa tarefa ainda não está concluída. Como formadores do pensamento da Igreja, devemos não apenas afirmar claramente nossa confiança na Bíblia como a palavra de Deus, mas também responder efetivamente aos novos desafios que tentam solapar a fé dos membros de nossas igrejas. Ao tratar das muitas questões relacionadas com este assunto, jamais deveríamos nos esquecer I) da natureza sinfônica da inspiração, 2) do escopo todo abrangente da inspiração, e 3) de uma abordagem respeitosa para com os escritos inspirados. Esses três componentes, creio eu, deveriam funcionar realmente como diretrizes básicas em todos os nossos estudos relacionados com a natureza e a autoridade das Escrituras.

Natureza sinfônica

Muitas controvérsias adventistas sobre inspiração se devem à tendência tradicional de considerar os escritos inspirados como o produto de uma teoria específica “monofônica” de inspiração. Essa atitude gerou uma clássica polarização sob os rótulos de inspiração verbal, de um lado, e de inspiração de pensamento, do outro.

Para superar as limitações dessa abordagem, vários autores adventistas têm proposto algumas compreensões mais “sinfônicas” e multiformes de inspiração.2 Uma das primeiras foi a controvertida teoria dos “graus” de inspiração, promovida nos anos 1880 por Uriah Smith e George I. Butler. Assumindo que a inspiração divina varia de acordo com as fontes originais de informação a serem transmitidas, Smith argumentou em 1883, em uma carta (22/03/1883) a D. M. Canright, que os escritos de Ellen White eram compostos pelas “visões” genuinamente inspiradas e pelos “testemunhos” não inspirados. No ano seguinte, Butler sugeriu, em uma série de dez artigos na Review and Herald, a partir de 08/01/1884, que todo o conteúdo da Bíblia podia ser classificado sob cinco diferentes “graus” de inspiração e de autoridade, que oscilam dos escritos considerados por ele como inspirados no mais alto grau aos que ele “dificilmente poderia chamar de inspirados”. Essas noções, apesar de aceitas por muitos membros, foram severamente criticadas por Ellen White3 e por uma Lição da Escola Sabatina dos Adultos,4 pelo fato de sugerirem um cânon artificial dentro das Escrituras.

Digno de nota foi também a tentativa de Uriah Smith, na Review, de harmonizar as teorias de inspiração verbal e de pensamento, propondo que, se as palavras da Escritura “foram ditas diretamente pelo Senhor”, então “as palavras são inspiradas”. Se as palavras não vieram diretamente do Senhor, então “as palavras podem não ser inspiradas”, mas apenas “as ideias, os fatos e a verdade transmitidos por essas palavras”.5 Não consegui encontrar qualquer reação específica a essa proposta.

Novas tentativas significativas de distanciamento de uma compreensão ”monofônica” de inspiração foram feitas somente nos anos 1980 e 1990, quando George Rice, Aiden Thompson e Juan Carlos Viera expuseram seus diferentes modelos de inspiração. Detendo-se mais com a questão da obtenção das informações proféticas do que com seu efetivo processo de transmissão, Rice, então professor de Novo Testamento na Universidade Andrews, sugeriu a existência dos dois seguintes modelos de inspiração: I) o modelo profético de revelação divina (visões e sonhos), que explica os escritos proféticos, e 2) o modelo de pesquisa humana exemplificado por Lucas (leitura e entrevistas orais), responsável pelas seções não proféticas.6

Uma compreensão bem mais heterodoxa de inspiração foi proposta em 1991 por Aiden Thompson, professor de Teologia Bíblica no Walla Walla College.7 Abandonando as tradicionais teorias adventistas de inspiração verbal e de pensamento, Thompson propôs um “modelo encarnacional” que pudesse reconciliar um espectro mais amplo de dificuldades humanas e de acomodações culturais. Frank Holbrook e Léo Van Dolson viram no estudo de Thompson “os frutos do método histórico-crítico”, considerado pelo Concilio Anual da Associação Geral, de 1986, como inaceitável aos adventistas.8

O conceito de modelos de inspiração foi desenvolvido ainda mais em 1996 por Juan Carlos Viera, diretor do Ellen G. White Estate, num artigo publicado pela Adventist Review.9 Enquanto Rice havia falado apenas de dois modelos, Viera sugeriu seis: I) o modelo visionário, no qual Deus fala “por meio de visões e sonhos proféticos”; 2) o modelo testemunhai, no qual Deus inspira “o profeta a dar seu próprio relato das coisas vistas e ouvidas”; 3) o modelo historiográfico, no qual a mensagem “não vem por meio de sonhos e visões, mas através da pesquisa”; 4) o modelo de aconselhamento, no qual “o profeta atua como um conselheiro para o povo de Deus”; 5) o modelo epistolar, no qual “o profeta escreve saudações, nomes, circunstâncias ou mesmo coisas comuns que não requerem uma revelação especial”; e o modelo literário, no qual “o Espírito Santo inspira o profeta a expressar seus sentimentos e emoções íntimos por meio de poesia e prosa, como nos salmos”.

Esses modelos de inspiração refletem a crescente tendência de definir inspiração como um processo multiforme, envolvendo a assistência divina não apenas na transmissão das verdades proféticas, mas também na obtenção das informações. Da perspectiva da obtenção de informações acuradas, pode-se falar genuinamente da existência de modelos de revelação-inspiração. Mas no âmbito da transmissão fidedigna de informações, a discussão se restringe à interação divino-humana na própria redação das Escrituras. Essa interação é explicada na seguinte declaração de Ellen White: “Se bem que eu dependa tanto do Espírito Santo para escrever minhas visões como para recebê-las, todavia as palavras que emprego ao descrever o que vi são minhas, a menos que sejam as que me foram ditas por um anjo, as quais eu sempre ponho entre aspas.”10

Disso podemos inferir que, embora Deus tenha falado através dos profetas “muitas vezes e de muitas maneiras” (Heb. 1:1), todo o processo de obtenção de informações e de sua transmissão ao povo foi controlado pelo Espírito Santo. Além disso, enquanto a redação de algumas partes dos escritos inspirados foi divinamente provida, as palavras de outras partes foram escolhidas pelo próprio profeta sob a orientação do Espírito Santo. Mas isso jamais deveria ser usado como um endosso à teoria dos graus de inspiração, ou como um pretexto para desprezar certas partes das Escrituras como menos importantes do que outras (ver Mat. 4:4; II Tim. 3:16 e 17). De acordo com Carlyle B. Haynes, as Escrituras são muito “mais do que um relato não inspirado de idéias inspiradas”.’1

Escopo todo abrangente

Um segundo tema que tem suscitado algumas discussões significativas é a extensão temática da confiabilidade dos escritos inspirados. Embora os adventistas tradicionalmente enfatizem a confiabilidade de todas as diferentes áreas do conhecimento abordados nesses escritos, várias tentativas têm sido feitas para limitar essa confiabilidade a questões de salvação.

Já em 1884, George I. Butler sugeriu a existência de diferentes níveis de confiabilidade dentro da Escritura, que ele considerava como diretamente dependentes de seus vários graus de inspiração. Para ele, as Escrituras “são autoritativas na proporção dos graus de inspiração”, e são perfeitas apenas na medida em que são necessárias para alcançar o propósito para o qual foram dadas – tornar-nos sábios “para a salvação” (II Tim. 3:15).12

Porém a mais influente declaração rumo a um conceito de confiabilidade limitado à salvação tem sido a afirmação de W. C. White, em 1991, de que sua mãe (Ellen White) “nunca pretendeu ser autoridade em História”. Embora no ano seguinte ele explicasse mais claramente: “mamãe nunca desejou que nossos irmãos os [seus escritos] considerassem como uma autoridade no tocante a pormenores da História ou de datas históricas”.13 O conceito de que os escritos inspirados não podem ser considerados como autoritativos em questões que não sejam salvação tem sido ecoado por vários outros autores adventistas.

Por exemplo, no Concilio de Professores de Bíblia e de História, em Washington DC, em 1919, o presidente da Associação Geral, Arthur G. Daniells, afirmou que Ellen White “nunca pretendeu ser autoridade em História” ou “professora dogmática de teologia”, e que ela nunca considerou suas “citações históricas” como infalíveis.14 A despeito das fortes reações a essas palavras naquela ocasião, e de essa idéia não ser apresentada na literatura adventista pelo menos durante as três décadas seguintes, a controvérsia sobre o assunto ainda não cessou. As divergências sobre a extensão da confiabilidade dos escritos inspirados realmente aumentaram desde o início de 1970.

Crucial em toda essa discussão é o inter-relacionamento entre o conteúdo dos escritos inspirados e o seu propósito último. Não resta qualquer dúvida de que o propósito principal da Escritura é a salvação dos seres humanos (João 5:39). Mas a verdadeira questão é: Podemos isolar algumas partes cronológicas, históricas e científicas da Escritura de seu total propósito salvífico? Deveríamos desenvolver, realmente, um cânon soteriológico de inspiração dentro do cânon geral da Bíblia, semelhante ao princípio hermenêutico cristológico de Martinho Lutero? Não quebraria essa abordagem a unidade da Palavra de Deus? Se levarmos em consideração o que a Bíblia diz a seu próprio respeito, descobriremos que as Escrituras possuem uma natureza todo abrangente, formando uma unidade indivisível (Mat. 4:4; Apoc. 22:18 e 19), e apontando para o mesmo alvo soteriológico (João 20:31; I Cor. 10:11). Além disso, a salvação é descrita nas Escrituras como uma ampla realidade histórica, relacionada a todos os demais temas bíblicos. E é precisamente esse inter-relacionamento temático geral que torna quase impossível para alguém falar das Escrituras hebraico-cristãs em termos dicotômicos ocidentais, como confiáveis em alguns assuntos e não em outros.

Uma vez que o propósito primário da Bíblia é desenvolver fé para a salvação (João 20:31), suas seções históricas, biográficas e científicas provêm, muitas vezes, apenas as informações específicas, necessárias para atingir esse propósito (João 20:30; 21:25). Apesar de sua seletividade em algumas áreas do conhecimento humano, isso não significa que as Escrituras não sejam confiáveis nessas áreas. Pelo contrário, é apenas na inspirada Palavra de Deus que encontramos, de acordo com Ellen White, “um relato autêntico da origem das nações.”, e “a história de nossa raça, não maculada do orgulho e preconceito humanos”. A mesma autora considerava a Bíblia também como a “norma infalível” pela qual as “idéias científicas do homem” deveriam ser provadas.15

Assim a teoria de que os escritos inspirados são confiáveis apenas em questões de salvação reflete mais o pensamento dicotômico ocidental do que a perspectiva todo abrangente da Bíblia e de Ellen White. Reconhecendo que “toda a Escritura é inspirada por Deus” (II Tim. 3:16), nossa compreensão de inspiração deveria sempre preservar esse escopo todo abarcante.

Abordagem respeitosa

Intimamente relacionada com as discussões sobre as teorias de inspiração e a extensão temática de confiabilidade encontra-se a questão extremamente controvertida da existência ou não de erros factuais nos escritos inspirados. Mesmo reconhecendo a confiabilidade de toda a extensão temática desses escritos, permanece ainda a indagação sobre o grau dessa confiabilidade. Em outras palavras, o Espírito Santo permitiu que erros factuais se infiltrassem nos escritos inspirados ou não? Em caso afirmativo, até que ponto?

Os adventistas do sétimo dia têm sido, historicamente, relutantes em falar a respeito da existência de erros factuais nos escritos inspirados. Quando a Associação Geral nomeou uma comissão, em 1883, para fazer uma revisão gramatical de Testimonies for the Church, de Ellen White, o voto não mencionava qualquer erro factual no conteúdo da obra. Apenas “imperfeições” gramaticais deveriam ser corrigidas, sem alterar, “de qualquer forma”, as idéias. Mais tarde, porém, no contexto da edição revisada de 1911 de O Grande Conflito, a existência de tais erros de menor importância começou a ser discutida. Assim, no Concilio de Professores de Bíblia e de História, em 1919, A. G. Daniells expressou publicamente o seu ponto de vista de que tanto a Bíblia como os escritos de Ellen White continham várias discrepâncias factuais.16

Durante as três décadas seguintes (1920-1950), os autores adventistas continuaram negando a existência de erros factuais nos escritos inspirados. Embora algumas discussões explícitas desse assunto já tivessem ocorrido na década de 60, foi somente por volta de 1970 que isso se tornou uma verdadeira questão divisiva. Como resultado, existem hoje I) aqueles que crêem que o Espírito Santo não permitiu que qualquer erro factual se infiltrasse nos autógrafos dos escritos inspirados; 2) aqueles que argumentam que a influência controladora do Espírito Santo permitiu que apenas pequenas discrepâncias insignificantes penetrassem nesses escritos: e 3) aqueles que falam livremente da existência de erros factuais nos escritos inspirados, sem jamais mencionar qualquer influência controladora do Espírito Santo.

Sem uma teoria de intervenção do Espírito Santo, esse último ponto de vista deixa de compreender o que os profetas, que experimentaram pessoalmente essa intervenção, têm a dizer sobre o assunto. Por exemplo, a história do conselho de Natã ao Rei Davi sobre a construção do tempo não menciona apenas que Natã deu um conselho equivocado ao rei, mas também que o Senhor corrigiu o erro (II Sam. 7:1-16). Ellen White também reconheceu a influência controladora do Espírito Santo, ao declarar que Ele “guiou a mente” dos profetas “na escolha do que dizer e do que escrever”.

Falando de sua própria experiência, ela acrescentou que “em dar a mensagem, com a pena e falando perante grandes congregações” não era ela quem controlava suas palavras e ações, e sim o Espírito de Deus. Sendo esse o caso, não podemos considerar qualquer teoria de “não intervenção” como uma hipótese válida a ser considerada nas discussões adventistas de inspiração.

Mas mesmo aceitando a intervenção controladora geral de Deus na transmissão da verdade pelo profeta, somos deixados a indagar até que ponto essa intervenção previne os erros. Enquanto alguns autores crêem que os pretensos erros factuais são meros problemas dos copistas ou dificuldades de compreensão, outros autores pensam que não existe outro meio de resolver algumas dificuldades do que admitir que elas são realmente equívocos. Por exemplo, Arthur L. White, secretário do White Estate, declarou em uma palestra, em 1966: “A mensagem inspirada do profeta podia incorporar uma imprecisão em um pequeno detalhe não conseqüente ao conceito básico, ou em um pequeno ponto no campo do conhecimento comum, a ‘precisão ou imprecisão do qual a investigação humana é suficiente para informar aos homens’.”17

Em 1981-1982, Roger W. Coon, secretário associado do White Estate, propôs uma teoria de “intervenção”, que provia espaço para “erros inconseqüentes de pequenos detalhes insignificantes” nos escritos inspirados. Ele explicou que “se, como ser humano, o profeta de Deus erra, e a natureza desse erro é suficientemente séria para afetar consideravelmente a direção da igreja de Deus, o destino eterno de uma pessoa, ou a pureza de uma doutrina, então, e somente então, o Espírito Santo leva imediatamente o profeta a corrigir o erro, de modo a que não ocorra nenhum dano permanente”.18

Mais recentemente (1996), Juan Carlos Viera, diretor do White Estate, acrescentou que “o profeta pode cometer erros ortográficos ou gramaticais, bem como outros tipos de imperfeições da linguagem, como um lapsus linguae (lapso da língua) ou um lapsus memoriae (lapso da memória)”, mas o Espírito Santo “está em controle da mensagem inspirada”, e “sempre corrigiu os Seus mensageiros em questões importantes para a Igreja”.19

No entanto, a discussão entre a noção da existência de erros factuais e a idéia da existência de apenas alguns poucos erros insignificantes está longe de ser resolvida e, creio eu, nunca será completamente solucionada. Esse problema deve-se em grande parte, ao fato de que nós, como ocidentais, nos sentimos muito desconfortáveis se não podemos entender e explicar todas as coisas, inclusive a natureza misteriosa das Escrituras. Mas devemos nos conscientizar de que não podemos resolver todas as dificuldades com as quais nos deparamos em nossos estudos da Palavra de Deus.

De acordo com Ellen White, “homens de capacidade têm dedicado uma existência de estudo e oração à investigação das Escrituras, e todavia há muitas porções da Bíblia que não têm sido plenamente exploradas. Algumas passagens da Escritura nunca serão perfeitamente compreendidas, até que, na vida futura, Cristo as explique. Há mistérios a serem esclarecidos, declarações que a mente humana não pode harmonizar. E o inimigo buscará levantar argumentos sobre esses pontos, que seria melhor não serem discutidos”.20

Além disso, se aceitamos o princípio de sola Scriptura, deveríamos considerar mais seriamente a maneira respeitosa como os genuínos profetas tratam os escritos dos demais profetas. É interessante notarmos que nenhum profeta do Novo Testamento jamais chamou a atenção para qualquer erro factual do Antigo Testamento; nem o fez Ellen White em relação com a totalidade do cânon bíblico. Se a identificação de tais erros é essencial para fortalecer nossa confiança nos escritos inspirados, como sugerido por alguns teólogos modernos, por que então, nem Cristo, Paulo ou João, ou mesmo Ellen White, nos ajudam nessa tarefa? Se os próprios profetas não se preocupavam com isso, por que deveríamos nós?

Mas esse exemplo de respeitabilidade para com a totalidade dos escritos proféticos nunca deveria ser usado para defender qualquer teoria de inerrância calvinista. Nem deveríamos jamais tornar nossa própria fé e a fé de outros dependente de tais questões insignificantes. Sem fechar nossos olhos para as dificuldades reais encontradas nos escritos proféticos, deveríamos desenvolver uma abordagem mais respeitosa para com esses escritos, que nos permita enfatizar mais o conteúdo das mensagens do que seus continentes humanos, e mais o âmago dessas mensagens do que suas questões periféricas, de tal maneira que “os elementos fundamentais permaneçam como fundamentais, e que os periféricos permaneçam como periféricos”.21

Além de teorias humanas

Nossas considerações anteriores salientaram a importância de se levar em consideração a natureza sinfônica da inspiração, o escopo todo abrangente da inspiração e uma abordagem respeitosa para com os escritos inspirados. Em vez de confinar todos os escritos inspirados dentro de uma teoria específica “monofônica” de inspiração, deveríamos desenvolver uma compreensão mais “sinfônica” e multiforme (Heb. 1:1). Tal compreensão deveria prover espaço suficiente para os vários modelos pelos quais as informações foram obtidas pelos profetas, bem como para a interação divino-humana na transmissão dessas informações através da própria linguagem dos escritos inspirados.

Rejeitando toda teoria dicotômica dos níveis temáticos de inspiração, deveríamos enfatizar a natureza ampla e todo abarcante da Escritura, sem perder de vista a multiforme e indivisível unidade temática do seu conteúdo e a natureza soteriológica do seu propósito último. Evitando tanto o conceito calvinista de inerrância bíblica como a teoria liberal de não intervenção corretiva do Espírito Santo, deveríamos seguir mais de perto o exemplo profético de respeitabilidade para com a totalidade dos escritos proféticos. Nossa fé jamais deveria depender das dificuldades factuais encontradas nas Escrituras.

Teorias humanas, mesmo de inspiração, podem florescer por um pouco de tempo, e então murchar como uma flor numa terra que se tornou árida pelo vento. Portanto, nossa compreensão de inspiração jamais deveria estar subordinadamente exposta aos ventos áridos das doutrinas humanas (Efés. 4:14), mas deve estar fundamentada na inamovível Palavra de Deus, sendo por ela protegida. De acordo com o profeta Isaías, “seca-se a erva, cai a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente” (Isa. 40:8).

Referências:

1 Ellen G. White. O Grande Conflito. 36a ed., Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1988. págs. 593-602.

2 Vern S. Poythress. Symphonic Theology: The Validity of Multiple Perspectives ín Theology. Grand Rapids, Ml: Zondervan. 1987.

3 Ellen G. White, Carta para R. A. Underwood. 18/01/1889.

Sabbath School Lessons for senior Classes. n° 98, 1 Trim. 1893, pág. 9.

5 Uriah Smith, “Which are revelealed, words or ideas?” Adventist Review and Sabbath Herald. 13/03/1888. págs. 168 e 169.

6 George E. Rice, Luke, a Plagisrist? Mountain View, CA: Pacific Press. 1983.

7 Aiden Thompson. Inspiration: Hard Questions. Honest Answers. Hagerstown, MD: Review and Herald. 1991.

8 Holbrook e Dolson, “Preface” em idem, eds., Issues in Revelation and Inspiration, pág. 7.

9 Juan Carlos Viera, “The Dynamics of Inspiration”, Adventist Review. 30/05/96. págs. 22-28.

10 Ellen White, “Questions and Answers”, Adventist Review and Sabbat Herald. 08/10/1867.

11 Carlyle B. Haynes, God’s Book. Nashville, TN: Southern Publishing Association. 1935, pág. 138.

12 G. I. Butler. “Inspirations”, Adventist Review, and Sabbath Herald. 08/01/1884 e 27/05/1884

13 W. C. White. “Great Controversy” (nova edição), declaração feita pelo Pastor White, antes do Concilio Mundial da AG, em 30/10/1911.

14 A. G. Daniells, em “Use of the Spirit of Prophecy in Our Teatching of Bible and History”, págs. 16 e 26.

15 Ellen G. White. Educação. 7a ed., Tatuí. SP: Casa Publicadora Brasileira. 1997, pág. 173.

16 “General Conference Proceedings”. Adventist Review, and Sabbath Herald. 27/11/1883.

17 Arthur White, Ellen White. Washington. DC: Review and Herald. 1982. vol. 6. págs. 302-337.

18 Roger Coon. “Inspiration/revelation: what it is and how it works – II”. Journal of Adventist Education 44. Dez. 81/Jan. 82. págs. 18 e 19.

19 Juan Carlos Viera. Op. Cit.

20 Ellen White. Obreiros Evangélicos. 5a ed.. Tatuí. SP: Casa Publicadora Brasileira. 1993, pág. 312.

21Joseph Karanja, “Inerrancy and Sovereignity: A Case Study on Carl F. H. Henry”. dissertação de Mestrado em Teologia. Universidade Andrews. 1990.

ALBERTO R. TIMM, Ph.D., diretor do Centro de Pesquisas Ellen G. White, do Brasil, e professor de Teologia Histórica no Seminário Adventista Latino-americano de Teologia, Engenheiro Coelho, SP