ZINALDO A. SANTOS

Poucas atividades ministeriais são tão carregadas de emoção e suspense como o evangelismo público. Quase nada se compara à alegria de enfrentar numa noite qualquer, em algum lugar, um auditório repleto de pessoas que pouco ou nada conhecem da Bíblia e do amor de Deus, e, depois de alguns meses, ver boa parte delas expressando sua entrega a Cristo através do batismo. É um milagre da graça. A importância dessa atividade no contexto da missão da Igreja continuará sempre inalterada.

Fazer evangelismo público, de modo efetivo, exige fé e consagração. Afortunadamente sempre houve pastores que se destacaram pela coragem e determinação com que realizaram esse trabalho, encaminhando perdidos a Jesus e implantando congregações que floresceram magnificamente. Um deles é o Pastor Reginaldo Kafler, evangelista da União Sul-Brasileira. Servindo há 22 anos, ele foi obreiro bíblico, pastor distrital e evangelista no Estado de São Paulo, e há dez anos está na USB. De seu casamento com a obreira bíblica Ana Maria Calcidoni Kafler, nasceram três filhas: Regiane, Liliane e Cristiane.

Durante uma semana de oração na Casa Publicadora Brasileira, o Pastor Reginaldo partilhou preciosos conceitos sobre o evangelismo, na entrevista que segue.

Ministério: 0 evangelista nasce feito, ou se faz?

Pastor Reginaldo Kafler: Evidentemente, há pessoas que nascem com uma tremenda facilidade de comunicação. Mas eu também acredito na atuação de Deus, através do Seu Espírito, outorgando dons especiais a um indivíduo. As duas coisas podem acontecer.

Ministério: Qual foi o seu caso? Em que circunstâncias sentiu que era ou devia tornar-se um evangelista?

Pastor Reginaldo: Geralmente, o obreiro sai do Seminário com a expectativa de assumir logo um distrito pastoral, e comigo não era diferente; mas tive o privilégio de iniciar na obra bíblica. O primeiro evangelista com quem trabalhei foi o Pastor Samuel Rodrigues. Na primeira noite em que fui ao auditório, vi o seu entusiasmo, a resposta vibrante do povo, e fui contagiado. Naquele momento senti que Deus me chamava para ser um evangelista. Passados 18 anos, posso dizer que é uma experiência maravilhosa. Nessa trajetória, tive o privilégio de ser usado por Deus mais diretamente na conquista de pessoas para Cristo. A maior gratificação para um pastor é ver pessoas que não tinham um Deus para crer, sem um cântico de esperança, encaminhadas ao evangelho.

Ministério: Que qualidades o senhor destacaria num evangelista de sucesso?

Pastor Reginaldo: A principal qualidade é a paixão pelas almas. Olhar para o ébrio atirado na sarjeta, para o fumante inveterado ou para a meretriz, e ver neles pessoas pelas quais Deus deu a própria vida. Imaginá-las vestidas não apenas com a beca do batismo, mas com as vestes da justiça de Cristo. Amar esses indivíduos quando ainda estão maltrapilhos, exalando mau cheiro, perturbando a ordem, antevendo o momento em que eles oficializarão sua condição de cidadãos do reino.

Ministério: E em termos de estilo, deve o evangelista ser erudito ou popular?

Pastor Reginaldo: O evangelista tem de alcançar o coração e a mente de todos os ouvintes, qualquer que seja a origem, o nível social, intelectual, cultural e econômico que os caracterize. Eu tenho como referencial as crianças. Gosto de me perguntar, depois da palestra: as crianças entenderam o que falei? Será que elas captaram o que ensinei? Se a resposta for positiva, vou dormir tranqüilo e feliz, porque se elas tiverem dado mostras que entenderam, as demais pessoas também entenderam o assunto. Se eu chego à conclusão de que, depois de uma análise fria do tema apresentado, as crianças não entenderam nada, fico preocupado e até frustrado. É importante que os ouvintes entendam a mensagem, pois a partir daí vão fazer escolhas.

Ministério: Alguns dizem que o evangelista é uma espécie em extinção. Isso é verdade?

Pastor Reginaldo: Acredito que não. Os nossos Seminários têm voltado sua atenção para o evangelismo. Os alunos do terceiro ano de Teologia são enviados aos Campos, onde passam três meses trabalhando com um evangelista. E posso lhe garantir que muitos saem para esse estágio apenas para cumprir o programa curricular. Mas ao terminar o período, mudam a concepção. Alguns me dizem: “eu quero ser um evangelista.” E, de fato, muitos que estão hoje atuando na área são fruto desse plano. Ao contrário de extinção, está surgindo uma nova geração.

Ministério: Mas parece que no passado o evangelismo público ocupava um lugar mais destacado entre os meios de trazer pessoas para a Igreja. Hoje, a impressão é um pouco diferente. O que está acontecendo?

Pastor Reginaldo: A observação é pertinente, mas o fator é positivo. O que se vê é a abertura de outras frentes de trabalho. Antes, canalizava-se muita expectativa para o evangelismo público e para o evangelista, que era a estrela. Hoje, existem as campanhas de decisão, denominadas Revive, o evangelismo interativo do rádio, programas de televisão, etc. A Igreja está tirando o melhor partido da variedade de dons do Espírito. Em lugar de haver uma frente de trabalho exponencial, há várias frentes.

Ministério: Quais os maiores desafios que o senhor tem encontrado em seu trabalho de evangelista?

Pastor Reginaldo: Alcançar a classe média alta é um desafio antigo. Não há dúvida de que para conseguir êxito entre pessoas desse nível precisamos revisar alguns métodos. Por exemplo, montar um auditório móvel num bairro nobre não é atrativo. E mais: não podemos nos impressionar com os números finais de uma campanha assim. Uma administração não pode se sentir decepcionada com os resultados quantitativamente limitados de um programa desenvolvido na classe alta. Uma coisa é a resposta da periferia, outra coisa é a resposta da região nobre de uma cidade. A expectativa numérica é o tendão de Aquiles da evangelização de classes altas.

Ministério: A realidade, porém, é que a sobrevivência de um evangelista sempre esteve relacionada a resultados numéricos expressivos e imediatos.

Pastor Reginaldo: Pois eu lhe digo que nunca tive um presidente que me pressionasse por números de batismos numa conferência. Já realizei campanhas com resultados fantásticos e outras que poderiam ser consideradas um fracasso. Mas em meio ao sentimento de derrota e frustração, sempre tinha uma palavra de força e de encorajamento do meu presidente. A pressão numérica numa campanha evangelística é uma tragédia que inclusive inibe o surgimento de novos evangelistas. Ora, a decisão consciente de uma pessoa escapa ao nosso controle. Nossa tarefa é lançar a semente; o processo de germinação está além da nossa capacidade. Quando um evangelista vai para o trabalho com o pensamento de que se não batizar é um fracassado, ou que se constitui um peso nas finanças do Campo, a campanha já está fracassada. Ele precisa estar tranqüilo para fazer seu trabalho, e terminá-lo em paz consigo mesmo, certo de que o resultado foi o que Deus lhe proporcionou. Se batizou 200 ou 20, não importa. Deve ter feito o seu melhor, nem uma vírgula a mais ou a menos, nos dois casos.

Ministério: Mesmo o pastor distrital, em muitos casos, é avaliado dessa maneira. Isso é justo?

Pastor Reginaldo: Não, em hipótese alguma. Às vezes certos líderes são um pouco limitados quanto a elaborar um programa de trabalho consistente, motivar e inspirar seu grupo a segui-lo. Então usam a pressão sobre números como arma de cobrança. Quando os números são alcançados, eles se sentem satisfeitos, imaginando erroneamente terem feito um grande trabalho. Isso é uma tragédia, porque muitos acabam machucados e frustrados. O pastor tem de ser avaliado no seu todo, como pastor. É claro que o pastor precisa ter um programa ousado de trabalho, abrangente em todas as áreas. Na Obra de Deus não há lugar para indolentes e ociosos, assim como não há lugar para quem olha os frutos do sangue de Cristo como mercadoria e números frios.

Ministério: O que fazer para mudar essa mentalidade?

Pastor Reginaldo: O administrador tem de calçar os sapatos do evangelista, tornando-se um sofredor com ele: entender o seu coração. Quem mais está ansioso para colher o maior número de batismos possível é o evangelista. Então os líderes precisam ter uma mentalidade positiva que lhes permita, em lugar de exercer pressão, mover suas equipes pela inspiração. Quando isso acontece, o evangelista sente-se estimulado para ir a qualquer lugar, independente das dificuldades.

Ministério: É possível harmonizar o evangelismo público com as atividades de liderança de um distrito?

Pastor Reginaldo: Não podemos obrigar o pastor distrital a fazer evangelismo público. O que envolve obrigação já tira um pouco do prazer. Por isso ele deve ser motivado de uma forma agradável a amar as pessoas como candidatas ao reino celestial; de tal maneira, que possa ver no evangelismo a solução mais saudável para alcançar a missão sublime de encaminhá-las a Jesus. Quando o pastor entende que o evangelismo público é um recurso à sua disposição para inseri-lo neste plano divino, sem que esteja sob olhos de pressão e imposição, ele encontra tempo e alegria para fazer o trabalho. É muito importante que o pastor realize seu evangelismo público. É possível planejar o programa anual de tal modo que dedique umas 30 a 45 noites para fazer uma campanha. Isso é suficiente, pois há outras áreas de trabalho que necessitam de sua assistência direta na administração de suas congregações. E digo mais, além dos resultados que colherá em termos de novos conversos e igrejas, conseguirá também maior admiração dos membros de suas congregações. Os irmãos gostam de ver seu pastor identificado com a missão. E ele deverá ser sábio para envolver os membros como seus auxiliares numa campanha.

Ministério: O pastor distrital enfrenta o problema de não ter muitos recursos para realizar uma campanha de evangelismo público.

Pastor Reginaldo: Quando o tesoureiro tem mentalidade evangelística, não há entrave. Muitos tesoureiros trabalham com prudência, equilibrando as finanças, mas enxergam o evangelismo como uma prioridade da Igreja. Nesse caso, quando o pastor apresenta seu projeto, ele é bem aceito e, normalmente, recebe alguma ajuda. Dou graças a Deus porque sempre trabalhei com tesoureiros missionários. O tesoureiro da União Sul, Pastor Marino Oliveira é um incentivador do evangelismo. Mas imaginemos que haja alguma dificuldade em se conseguir dinheiro. Então o pastor pode dialogar com o evangelista do Campo e poderá receber alguma ajuda em material. Em último caso, a igreja local, através de irmãos generosos e de poder aquisitivo maior, também pode financiar uma campanha.

Ministério: Muitas pessoas já associaram o evangelismo público à apostasia. Como o senhor vê esse problema?

Pastor Reginaldo: Quando uma campanha é feita, se não houver, por parte de quem a lidera, o capricho de deixar o melhor da equipe no local, durante a fase de continuidade, realmente o risco de apostasia é grande. Porque os recém-batizados têm conhecimento teórico, mas ainda não têm raízes. Depois, deixaram seu ambiente, círculo social, família, amigos, estilo de vida, e vêm para a igreja que, às vezes, não os recebe com o devido entusiasmo. Então, começam a se sentir isolados, estranhos; além dos problemas que enfrentam nesse estágio, relacionados com emprego, estudo aos sábados, etc. Não têm raízes para suportar tudo isso sozinhos. Mas quando a igreja cumpre a sua missão de pagear esses novos membros, o problema quase não existe. A igreja deve procurar integrar os novos membros na comunidade, para que eles fiquem consolidados. E há outro detalhe: às vezes damos por apostatadas pessoas que continuam fiéis em outro lugar. Sei do caso de um irmão que precisou mudar de cidade porque, recém-batizado, perdeu o emprego por causa do sábado e foi procurar trabalho em outro lugar. Achou emprego e ali permaneceu com sua família; mas a outra igreja imaginava que tinha apostatado.

Ministério: Muitas congregações aparentemente vêem o evangelismo como uma coisa do Campo e ficam à margem de uma campanha. Como ê possível envolver a igreja?

Pastor Reginaldo: A igreja precisa ser envolvida numa campanha de evangelismo público, até em virtude do que acabamos de falar, isto é, os problemas que podem aparecer depois, no período da conservação. Ao estarem envolvidos durante a campanha, os irmãos criarão laços com os novos conversos, conhecerão sua história e certamente os amarão. Quando o evangelista for embora o novo converso já possuirá ambiente na congregação. Agora a igreja precisa ser orientada a não assumir atitudes que despertem preconceitos. Às vezes, perdemos famílias preciosas porque alguém achou que deveria dizer alguma verdade antes do tempo certo. Então a igreja precisa ser motivada, orientada e treinada em todos os meandros do evangelismo. Muitos podem participar em programas de saúde, distribuição de literatura, recepção, ornamentação, música, etc.

Ministério: Como é evangelizar o sul do Brasil?

Pastor Reginaldo: A região sul é um desafio peculiar. Há locais de forte ascendência européia, cujo acesso não é muito fácil. Mas Deus nos tem abençoado, possibilitando resultados maravilhosos também. Mas volto a bater na tecla preocupante: não podemos alimentar expectativas numéricas altas. É necessária a conscientização de que estamos trabalhando para Deus, que olha para uma pessoa com o mesmo amor com que contempla milhares. E isso nos motiva a procurar alcançar o máximo. Se você pensar em números, está fracassado. Mas se pensar em pessoas pelas quais Cristo morreu e que devem conhecê-Lo, então você as encontrará e se sentirá realizado e feliz. Posso dizer que nesse contexto a União Sul está de parabéns. A participação é total. Não faz muito, toda a equipe da União se deslocou para Joinville, SC, onde com a equipe do Campo local se envolveu numa campanha que culminou com o Revive, e o batismo de 400 pessoas. É nesse tom que a Igreja vai marcando presença em lugares impensáveis anos atrás. E continuamos firmes no propósito de alcançar as regiões ainda sem a presença adventista. No Rio Grande do Sul, há muitos municípios nessa situação. O evangelismo interativo do rádio está fazendo um trabalho fantástico. De mãos dadas, cumpriremos os ideais da Missão Global.

Ministério: Uma mensagem especial para os leitores.

Pastor Reginaldo: O evangelismo público jamais perdeu o seu lugar de importância, como plano de alcançar multidões com a mensagem salvadora de Cristo. É um método que não deve ser descartado, embora haja riscos de incompreensões, oposição e frustrações. Uma experiência pode ser vitoriosa, no sentido de números expressivos, e outra não. O apóstolo Paulo também experimentou isso. Mas devemos assumir a missão e estar agradecidos a Deus pelos resultados que forem alcançados. Então, preguemos a Palavra “a tempo e fora de tempo”, enquanto temos oportunidade, “pois a noite vem, quando ninguém pode trabalhar”. Os resultados serão como estrelas que brilharão sempre e eternamente no reino da glória.