Uma visão diferente da Santa Ceia

As pessoas podem lhe atribuir diferentes níveis de importância. Podem chamá-la por diferentes nomes: missa, eucaristia, comunhão, Ceia do Senhor. Pode ser praticada com diferentes freqüências: diária, semanal, trimestral ou anual. Entretanto, o encontro final de Jesus e a refeição com os discípulos antes de Sua morte podem ser considerados como a prática mais universal entre os cristãos, em todos os períodos da história, embora com diversos modos de celebração.

A primeira constatação sobre a Ceia do Senhor é que ela é um símbolo. Ou melhor, trata-se de um conjunto de símbolos. Apesar de envolver alimentos de verdade, ninguém dela participa para matar a fome ou ser alimentado. As espécies de alimentos são muito limitadas e a quantidade muito pequena.

Símbolos

A natureza simbólica de Santa Ceia tem suas primeiras raízes na refeição pascal dos judeus – o evento que comemorava a saída de Israel do Egito. Embora a refeição como um todo e seu acompanhamento litúrgico se constituam num símbolo da libertação dos judeus, incluindo a esperança de liberdade em relação a seus opressores contemporâneos e futuros, cada elemento individualmente também tinha seu sentido. Isso valia para os pães sem fermento, o vinho e as ervas amargas, cujo significado estava mais relacionado com a experiência do êxodo. De acordo com os evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas), Jesus e os discí-pulos participaram de uma refeição pascal na noite que antecedeu a Sua morte.1

Dessa celebração pascal vem o segundo fundamento simbólico para a Ceia do Senhor. Durante o cerimonial, Jesus abençoou um pão asmo, partiu-o e distribuiu aos Seus amigos, declarando: “Tomai, isto é o Meu corpo” (Mat. 14:22). Depois abençoou um dos cálices de vinho e passou para que os demais bebessem dele, anunciando: “Isto é o Meu sangue, o sangue da aliança, derramado em favor de muitos” (v. 24). Paulo, que fez o relato mais antigo sobre essa prática, citou as palavras de Jesus: “Fazei isto em memória de Mim” (I Cor. 11:24 a 26). Em outras palavras, Jesus incentivou Seus seguidores a celebrá-Lo através dessa comemoração periódica. Portanto, para os cristãos, a Ceia tornou-se um símbolo da morte de Jesus, a qual possibilitou a salvação humana. O pão corresponde a Seu corpo moído; e o vinho ao Seu sangue vertido.

A Ceia do Senhor não somente relembra aos fiéis a morte de Jesus como também contém a promessa de Sua segunda vinda. Depois de citar as palavras de Jesus acerca da Ceia, Paulo adicionou suas próprias considerações sobre sua importância, ao declarar: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha.” (V. 26). Os sinópticos refletem essa ênfase na segunda vinda quando anotam que Jesus prometeu não beber outra vez do fruto da videira até que o faça novamente no reino de Deus.2

A interpretação que Jesus fez dos elementos não contraria o significado que tinha em relação à páscoa – libertação. Para Seus seguidores Ele simplesmente restringiu o simbolismo à libertação espiritual, e não à comemoração de um acontecimento histórico. Os fiéis a Jesus, portanto, celebram a Ceia, nesse intervalo, olhando para o passado e também para o futuro. Não para o êxodo judeu nem para uma futura libertação política, mas para a morte salvífica de Jesus, no passado, e para Seu retomo transformador, no futuro. Ao participarmos dessa mesa, simbolicamente estamos ingerindo a Cristo, crendo que Ele nos salvou pela Sua morte sacrifical e que voltará para nos dar a imortalidade.

O Novo Testamento contém referências à Santa Ceia, que denotam outros importantes significados, além da lembrança da morte e da promessa da vinda de Jesus.

Apesar de ser esse o sentido básico da Santa Ceia, ainda não é tudo. O Novo Testa-mento contém referências adicionais e alusões à Ceia, que denotam outros importantes significados. Uma dessas, na qual vamos nos concentrar, é I Cor. 10:16 e 17.3

Novo enfoque 

Como se viu até agora, a maior parte dos relatos focalizam a Santa Ceia em termos de ensinos de Cristo, salvação e eventos finais. Aqui, entretanto, Paulo escreve sobre a Ceia sob um perspectiva diferente. Ele a descreve com um símbolo de solidariedade e diversidade.

A idéia de solidariedade ou comunidade surge naturalmente do ato de comer com os outros. Em todos os tempos, as pessoas têm utili­zado as refeições como ocasiões para negócios, para solidificar amizades, celebrar vitórias e comemorar eventos familiares. Numa simples refeição podemos demonstrar solidariedade partilhando a mesma mesa, o mesmo alimento.

Essa relação entre comida e solidariedade, bem como o papel específico da Ceia do Senhor, é fundamental nesse pequeno trecho de I Coríntios que contém os versos que estamos agora estudando. Em termos gerais, os capí­tulos 8 a 10 tratam da liberdade cristã e, num caso mais específico, da questão relacionada com o comer alimentos que tinham sido ofe­recidos aos ídolos. Essa particular referência à Santa Ceia está inserida numa pequena unidade, I Cor. 10:14 a 22, na qual Paulo exorta seus leitores a não participar de festividades idólatras. Ele se refere a sua experiência com a Ceia do Senhor no meio dos argumentos pela abstinência quanto a esses festivais pa­gãos. Depois de exortar seus leitores a fugir da idolatria (v. 14), sua lógica no verso 16 su- gere que o ato de comer ou beber ritual esta­belece uma solidariedade entre a Divindade e o adorador. Logo, não é pos­sível que uma pessoa possa participar tanto da Santa Ceia como de cerimônias pagãs dirigidas aos ídolos. A mesma pessoa não pode ser solidária com Jesus e com um deus pagão.

Essa compreensão da Santa Ceia não pare­ce ter tanto significado para o cristão moderno. Comer alimentos que foram oferecidos num culto idólatra ou participar de banquetes pagãos não é uma das tentações mais importan­tes de nossos dias! Apesar disso, as reflexões de Paulo acerca da Ceia nesses versos contêm algumas implicações que não dependem de tempo ou circunstância e afetam a todos os cristãos, inclusive os adventistas do sétimo dia.
No verso 17, por exemplo, Paulo faz uso de­ determinado aspecto da Santa Ceia para destacar a idéia da solidariedade cristã. Todos os relatos sobre a Ceia, incluindo este que estamos considerando, se referem ao fato de Je- sus ter tomado um pedaço ou um pão e um cálice de vinho. Ele parte o pão em pequenos pedaços e os distribui. Da mesma forma, pas­sa o cálice para que cada um tome um gole. Assim, só um pão e só um cálice servem a todo um grupo com vários membros. Nesse ponto, Paulo enfatiza que ao participar do mesmo pão e do mesmo cálice os cristãos participam do sangue e do corpo de Cristo.4 Isso o leva a concluir que pelo fato de comer de um só pão os mais diversos cristãos de­ monstram que formam, de fato, um só corpo. Em outras palavras, o grupo é solidário.

À primeira vista, parece que Paulo está descrevendo os cristãos em termos de unidade – muitos vivem de fato em unidade. Esse é certamente um tema importante do Novo Tes­tamento.5 Entretanto, aqui ele não está falando de solidariedade como unidade dentro de um grupo, mas como solidariedade do grupo e de todos os seus membros em relação ao corpo de Cristo, ao pão único. Ele está dizendo que quando os cristãos, com toda a sua diversidade, participam do pão, unem-se em solidariedade com Cristo for­
mando um só corpo. Infeliz­ mente ele não prossegue explo­rando as conseqüências teológicas dessa conclusão. A idéia geral ilustra sua posição de que o participar de um ritual religioso, como
uma festa pagã, coloca a pessoa em sintonia com o que esse ritual representa.

Unidos em Cristo

No verso 17, Paulo destaca: “porque nós, embora muitos…” Essa é uma maneira de dizer que a Igreja não é uniforme. Ele reflete a mesma idéia em I Cor. 1:12 a 14, onde reconhece que alguns membros se identificavam com uns líderes cristãos, e determinados grupos se identificavam com outros; entre eles, Apoio, Pedro e o próprio Paulo. No capítulo 12, ele descreve a variedade de dons encontrada entre os fiéis em comparação com a varie-dade das diferentes partes do corpo humano.

Entretanto, Paulo não está apenas querendo mostrar que os cristãos são diferentes entre si. Sua referência à diversidade, no texto que estamos considerando, tem o objetivo de introduzir o que realmente interessa – a solidariedade, a comunidade. Mesmo sendo muitos e tão diferentes entre si, os cristãos podem e devem ser unidos pela solidariedade de uns em relação aos outros, e pelos traços comuns que os ligam a Cristo. De acordo com Paulo, isso está simbolizado na Ceia do Senhor. O fato de todos beberem de um mesmo cálice significa que todos partilham igualmente de Jesus. O comer do mesmo pão representa a mesma coisa, pois todos partilham da mesma substância.

Claro que não é o mero participar da Santa Ceia que nos une como cristãos. A Ceia é o símbolo dessa solidariedade, presente no fato de todos estarmos ligados a Jesus Cristo que é o Pão da Vida. Isso tem a ver com nossa comum confissão de que Ele é o Senhor de nossa vida e de nossa Igreja. Tem a ver também com o objetivo que é o de to-dos nós: ir a Ele para conseguir o perdão e a certeza de tê-lo conseguido. Tem ainda relação com nossa crença de que Ele está ministrando atual-mente em nosso favor e voltará em breve em triunfo. E, final-mente, a solidariedade se deve também à disposição de todos nós para partilhar essas coisas com as demais pessoas.

Em última análise, nossa solidariedade se deve à total confiança em Jesus Cristo. So-mos todos diferentes e vamos permanecer assim. Mas dentro dessa diversidade ainda somos unidos em Cristo. Essa é uma das importantes implicações da Ceia do Senhor – um símbolo de solidariedade e diversidade.

A Ceia do Senhor é a participação nos emblemas do corpo e do sangue de Jesus, como expressão de fé nEle, nosso Senhor e Salvador. Nesta experiência de comunhão, Cristo está presente para encontrar-Se com Seu povo e fortalecê-lo. Participando da Ceia, proclamamos alegremente a morte do Senhor até que Ele volte. A preparação envolve o exame de consciência, o arrependimento e a confissão. O Mestre instituiu a cerimônia do lava-pés para representar renovada purificação, para expressar a disposição de servir um ao outro em humildade semelhante à de Cristo, e para unir nossos corações em amor. O Serviço da Comunhão é franqueado a todos os crentes cristãos. (I Cor. 10:16 e 17; 11:23-30; Apoc. 3:20; João 6:48-63; 13:1-17). – Crenças Fundamentais, 15.

Referências:

  • 1. Ver Mat. 26:17-29; Mar. 14:12-25; Luc. 22:7-23. De acordo com João 13:1-20. Jesus e os discípulos fize-ram uma refeição juntos na quinta-feira à noite, du-rante a qual Ele lavou os pés dos discípulos. Portan-to, não faz referência a isso como sendo uma ceia pascal ou aos seus elementos, a não ser o pão e o vinho. Pelo quarto evangelho, a ceia pascal, nesse ano, se deu na sexta-feira à noite (ver João 18:28; 19:14).
  • 2. Ver Mat. 26:29; Mar. 14:25; Luc. 22:17. Em outro lugar Jesus também Se referiu ao tema do banquete final. Ver Mat. 8:11; Luc. 13:29; 22:29 e 30.
  • 3. Ver também João 6:51-56; I Cor. 5:6-9; e possivelmente I Cor. 10:1-4. Paulo dá a entender que está também pensando na Ceia do Senhor em I Coríntios 10:21.
  • 4. No verso 16 ele inverte a ordem natural pão-vinho, comum nos relatos da Ceia do Senhor. Isso ocorreu provavelmente porque ele desejava desenvolver o comentário sobre o pão no próximo verso.
  • 5. Ver, por exemplo, João 17:20-23.