Correria não é sinônimo de eficiência. Sobrecarga de trabalho não significa fidelidade no aproveitamento do tempo, nem prontidão para se fazer tudo quanto vier às mãos. Dizer “sim” a todos, para todas as coisas, toda hora, também não quer dizer necessariamente que um pastor seja diligente no atendimento aos membros de sua congregação. Evidentemente, espera-se que um pastor empreenda seu melhor esforço no cuidado do rebanho que lhe foi confiado, e pelo qual é responsável diante de Deus No entanto, o Senhor deseja usá-lo saudável, mesmo porque, também nesse aspecto, ele deve ser um exemplo para as pessoas às quais ministra.
Muitos parecem não ter consciência de seus limites e da necessidade de dosar energias. Submetem-se a um ritmo de trabalho verdadeiramente massacrante. Acabam estressados, diminuindo a eficiência com que poderiam continuar servindo a Deus e à Sua causa. Nesta entrevista, o Dr. Irineu César Silveira dos Reis, médico psiquiatra adventista, de São Paulo, alerta contra os perigos que rondam o pastor e como ele poderá superar o estresse. O diálogo foi mantido durante o I Congresso Brasileiro Adventista de Saúde, realizado no IAE, campus de São Paulo, ocasião em que também o Dr. Irineu fez o lançamento de seu livro Seqüestro e Stress.
MINISTÉRIO: Estresse, esgotamento e depressão são a mesma coisa?
DR. IRINEU: Não. No estresse você tem sempre um quadro geral. Uma pessoa estressada poderá manifestar isso através da depressão, um quadro de perturbação grave da ansiedade. Já o esgotamento é uma situação qualquer, na qual houve um tipo de excesso, quer em trabalho físico ou mental, mas que não significa necessariamente sinônimo de estresse.
MINISTÉRIO: Podemos considerar o estresse algo normal?
DR. IRINEU: Sim. Veja bem, todos nós necessitamos dele para atingir os alvos propostos. Um estudante, por exemplo, na fase de provas e exames tem estresse, o que é necessário para que ele possa produzir mais. O estresse possui um elemento não só estimulante, como revitalizador. Agora, ele passa a ser anômalo, quando o indivíduo, até por causa da sua personalidade, começa a se mostrar perfeccionista e inseguro, exagerando nas horas gastas em estudo ou trabalho. Nesse ponto, o estresse passou a ser maléfico.
MINISTÉRIO: Como se desenvolve o estresse?
DR. IRINEU: O processo de estresse passa por dois momentos. Tudo o que nos acontece, num primeiro momento, vai ao cérebro que faz a seleção do que está recebendo. Entre as informações que chegam, existem aquelas que são ameaçadoras, aquelas que causam medo e as que causam apreensão, ou preocupação excessiva. Medo é uma situação real; temor é algo que você imagina que vai acontecer. Então, o cérebro envia tudo isso, pelo hipotálamo, à neuro-hipófise, e manda uma ordem à tireóide. Nesse ponto, o indivíduo adquire uma propensão de ganhar ou perder peso. Em seguida, vai outra ordem para a glândula supra-renal, que lança no sangue dois hormônios: epinefrina e norepinefrina, que têm a função de manter a pessoa alerta. Quando o cérebro detecta o aumento desses dois hormônios, repassa a informação para o sistema nervoso periférico, podendo agir de duas formas: tomando-se um acelerador (simpático) ou um controlador (paras-simpático). No primeiro caso, observa-se aumento de pressão arterial, dilatação de pupila, secura na boca, aceleração dos batimentos cardíacos, paralisia de todo o sistema digestivo e acúmulo do sangue nos músculos, gerando palidez. Tudo isso é uma tentativa de preparar a pessoa para lutar ou fugir. No segundo caso, os sintomas são água na boca, diminuição da pupila, queda de pressão arterial, batimentos cardíacos lentos, diarréia; enfim, os pensamentos acelerados no primeiro caso, aqui são bloqueados, o indivíduo fica meio pateta. Algumas pessoas tendem mais acentuadamente para o simpático, e outras em direção ao parassimpático. É nesse contexto que o estresse tem lugar.
MINISTÉRIO: Falando mais especificamente, quais as características de uma pessoa estressada?
DR. IRINEU: O estressado, em termos gerais, é um indivíduo com um exagerado senso de urgência. Em segundo lugar, ele é muito intolerante, porque tem a agressividade à flor da pele, é facilmente irritável e explosivo. É também uma pessoa extremamente ansiosa. Costuma antecipar conclusões em meio a um diálogo com outras pessoas, respondendo pelo interlocutor, ou cortando-lhe a palavra, dando a impressão de que já sabe o que ele pensa. O estressado é um indivíduo de monólogo, não é uma pessoa de diálogo. Ele mesmo fala, ele mesmo responde, ele mesmo propõe, aprova, desaprova, e por aí vai. Essas são as características mais gritantes, mas há uma outra coisa: o estressado não é um indivíduo produtivo. Todo o barulho que ele faz, não representa aumento de produtividade. Lá um dia, ele se dá conta que as coisas não estão funcionando, e resolve tomar providências. Mas aí, nervoso, grita com um e com outro, vendendo sua desorganização para o ambiente. Costumo dizer que o estressado é mais contagioso que o aidético. Ele perdeu o senso de limites.
MINISTÉRIO: Existem profissões mais predispostas ao estresse, ou isso é uma coisa mais individualizada?
DR. IRINEU: As duas coisas. E há indivíduos propensos ao estresse que escolhem profissões também exigentes, onde são colocados em situações igualmente estressantes.
MINISTÉRIO: Em que nível de predisposição para o estresse o senhor vê o trabalho pastoral?
DR. IRINEU: Veja bem, se um indivíduo ingressou no ministério tendo uma ótica inteiramente cristã, dentro da qual, ele se vê ardentemente desejoso de evangelizar, dificilmente a carreira pastoral, para esse indivíduo, trará dificuldades quanto à realização. Agora, suponhamos que outro indivíduo seja um tímido, tenha dificuldades para estabelecer contatos com o público, realizar palestras, e seja colocado nessa função. Esse é o homem errado para o lugar errado; tem tudo para viver estressado. Ele vai ter que executar algo, dentro de sua atividade profissional, que simplesmente não faz o seu gênero. Poderia até realizar trabalhos burocráticos, mas não deve estar na linha de frente. O bom pastor é como um excelente vendedor. Seu produto é o evangelho, e ele deve saber vendê-lo.
MINISTÉRIO: Obviamente, a liderança da Igreja deve ser sábia ao escolher pastores para as diversas funções requeridas.
DR. IRINEU: Se é pastor, deve saber pregar, relacionar-se com o povo. Outras exigências feitas e que não estejam de acordo com os dons que um pastor recebeu, e ele não tem todos os dons, certamente vão atentar contra a sua saúde. O fato de que ele tenha escolhido a carreira pastoral não nos dá o direito de esperar que ele faça tudo. Não é porque ele é pastor que deve ser construtor, por exemplo. Acho que nossa Organização precisa avalia mais o perfil de um pastor, e adaptar dentro desse perfil as pessoas mais vocacionadas. Não é correto transferir de uma função para outra um indivíduo, somente com base na sua produtividade anterior. Muitas vezes, nesse momento, nessa transferência, acabamos com ele. É biblico: cada um deve permanecer na vocação para a qual foi chamado. No esforço de apresentar a mesma produtividade, mas colocado numa função para a qual ele não é vocacionado, o pastor vai sucumbir ao estresse.
MINISTÉRIO: Que providências o pastor poderia tomar, individualmente, para não viver estressado?
DR. IRINEU: A primeira coisa que o pastor deve fazer é colocar em prática a “teoria de Jetro”. Você conhece a situação em que Moisés estava. À frente do povo israelita, Moisés tomara sobre si a responsabilidade de resolver todo tipo de problema, sem falar na oposição que alguns lhe faziam pelas costas. Se duas pessoas brigavam, procuravam a Moisés. Se uma cabra sumisse, ou a mula ficasse manca, Moisés era chamado para tomar providência. To-dos os problemas passavam por ele. Então, Jetro, seu sogro, aconselhou-o a buscar colaboradores e delegar responsabilidades. Isso o pastor precisa fazer. E mais: precisa também aprender a dizer não. Por zelo, senso de responsabilidade, nossos pastores são extremamente receptivos a tudo. Mas há momentos em que precisam dizer não. Às vezes é um telefonema fora de hora, um chamado que obriga inclusive a desmarcar compromissos com a família, gente que chega querendo hospedagem em sua casa, e o pastor sempre tentando dizer sim a tudo isso. Ele tem todo o direito de dizer não, em determinados momentos. É verdade que há situações urgentes que requerem a presença do pastor. Mas existe muita coisa sem importância para a qual ele é chama-do. Há pessoas que são realmente inconvenientes no trato com o pastor. A essas ele tem de dizer não.
MINISTÉRIO: Como o senhor vê a família do pastor nesse contexto?
DR. IRINEU: O pastor não pode abandonar sua família, com o argumento de que está empenhado na salvação de outras pessoas. Muitos, enquanto estão atarefados correndo de um lado para outro, buscando salvar indivíduos, perdem os filhos, a esposa, a família enfim. Muitos filhos de pastores não demonstram simpatia pela carreira pastoral, e isso nem é o mais importante. Afinal, um filho de médico não é obrigado a ser médico, nem o filho do engenheiro tem de ser engenheiro. O problema maior é o filho de pastor não querer ser cristão, decepcionado porque não recebeu o que esperava receber do pai pastor. A esposa do pastor, por sua vez, enfrenta dois problemas: primeiro, ela é colocada como um exemplo para a congregação, sendo criticada se fizer algo, e se não o fizer também. O segundo problema, não raro, está ligado à questão financeira limitada, que às vezes faz com que ela tenha de trabalhar fora, criando situações nas quais ela se sente pressionada até pelo próprio marido.
MINISTÉRIO: O fato de algum pastor enfrentar certo grau de depressão no trabalho, necessariamente indica que ele não é um vocacionado?
DR. IRINEU: Absolutamente errado. O pastor não é um homem acima de tudo e de todos. Ele também tem limites. A Igreja deve estar consciente disso e ajudá-lo a se encontrar nessa questão. Aliás, os membros também apreciam saber que o pastor é um ser humano, e, tal como eles, dependente da ajuda de Deus na superação dos seus problemas. Entre outras razões pelas quais Cristo é nosso modelo e Salvador, é porque “foi homem de dores e sabe o que é padecer”. Trilhou nosso caminho, calçou nossos sapatos. Quem duvida da capacidade de liderança de Jesus? Quem O julga um fraco? No entanto, chorou diante da impenitência de Jerusalém. Suou gotas de sangue no Getsêmani, e levou até o fim Sua missão vitoriosa.
MINISTÉRIO: Alguns pastores dão a impressão de que se não estiverem envolvidos nessa corrida desenfreada, não estão fazendo o seu melhor para Deus e Sua Causa.
DR. IRINEU: Aí está outro grande erro. Muitas pessoas, quando entram em processo de estresse, acreditam que somente quando se encontram nessa situação é que realmente estão produzindo para Deus. É um erro. Uma pessoa está produzindo o melhor para Deus e Sua Igreja, quando a influência de sua vida é santificadora. E isso pode vir através da paciência, tolerância, calma, e do próprio silêncio. Nem sempre vem do barulho ou do burburinho. Lembra-se daquela experiência da manifestação divina a Elias? Primeiro, passou um vento, mas Deus não estava ali. Vieram, então, outras manifestações que chamavam a atenção, mas Deus também não Se encontrava nelas. Finalmente, no silêncio, o profeta ouviu a Sua voz, suave e tranqüila.
MINISTÉRIO: O que o senhor diria àquelas pessoas que, talvez bem-intencionadas, associam situações de estresse à falta de fé?
DR. IRINEU: Em primeiro lugar, quando afirmamos que alguém está enfrentando problemas por causa da falta de fé, estamos fazendo uma coisa que Deus não autorizou fazer: julgar. Depois, essa afirmação não ajuda em nada, no sentido de aliviar o sofrimento de alguém. Pelo contrário, aumenta a carga. Uma pessoa que já está triste, sofrendo, angustiada, desanimada, não precisa ouvir que não tem fé. Precisa de ajuda, uma palavra de conforto e ânimo. Se o pastor, ou qualquer outro conselheiro, não pode dizer nada, pelo menos se tome um bom ouvinte, faça uma oração. Deixe lhe dizer mais uma coisa: o que a humanidade mais busca, hoje, é atenção. A única coisa que não perdoamos em outras pessoas, é a desatenção. Essa atenção não tem de ser, necessariamente, uma atitude intervencionista. Um olhar, a mão no ombro, uma lágrima ou qualquer outra demonstração silenciosa de solidariedade são suficientes. O problema em relação ao qual é preciso vigilância é que, quanto mais estressado o pastor estiver, mais intervencionista ele será.
MINISTÉRIO: Até onde vai a extensão do prejuízo causado pelo estresse, no pastor?
DR. IRINEU: Isso vai muitíssimo longe. Há pastores que se tornam psicóticos, porque viveram fora daquilo que desejaram intimamente. Já tratei de uma pessoa que foi colocada a fazer conferências, mas que tinha uma dificuldade imensa em expor suas idéias. No entanto, executava muito bem outras tarefas burocráticas. Então, uma pessoa assim não poderia jamais ter uma atividade que a obrigasse a ter contato direto com o público. Resultado, essa pessoa lutou tanto com o seu eu, vivendo um conflito entre o que era e o que tinha de fazer, que ficou profundamente lesionada em sua estabilidade mental. Olha, o estresse pode levar ao suicídio.
MINISTÉRIO: Como médico psiquiatra, membro ativo da igreja, que necessidade o senhor classificaria como a maior do ministério adventista, hoje?
DR. IRINEU: O pastor precisa estar pre-parado para enfrentar as exigências do mundo atual. Há muitos pastores preocupados com superficialidades, e a igreja está esperando uma resposta por parte deles, para problemas de natureza explosiva. Há indivíduos que estão se debatendo com intensos conflitos emocionais, problemas graves de saúde, contradições familiares, frustrações profissionais. Eles necessitam de pastores que apontem uma direção segura. E, para isso, o pastor também deve estar emocionalmente equilibrado e espiritualmente amadurecido. Essa experiência é resultado da co-munhão diária com Cristo, absolutamente prioritária na vida de um pastor, e das situações que ele já vivenciou.
MINISTÉRIO: O senhor vê a mensagem da justificação pela fé como a solução para o estresse?
DR. IRINEU: Olha, vou ilustrar isso da seguinte maneira: se um homossexual vem ao meu consultório contar sua história, eu vou ouvi-lo, e vou dizer que, se ele me procurou para ajudá-lo a mudar de vida, pode contar comigo. Se for apenas para que eu o ajude a aplacar sua consciência culposa, pode sair. O falatório sobre a justificação pela fé, muitas vezes serve apenas como paliativo para indivíduos que temem enfrentar situações e tomar a decisão de mudar. Cristo tem solução para tudo, mas precisa contar com a vontade. Se não exercermos nossa vontade no sentido de aceitar o que Ele nos oferece, não receberemos nada. Se os pastores insistem num’ tipo de vida agitado, sem limites, desregrado, estão transgredindo as leis da saúde, e colherão os frutos disso. A primeira coisa de que precisam, nesse caso, é querer mudar. Cristo está sempre pronto a ajudar a vontade firme e sincera.