À medida que nós nos aproximamos do fim do século vinte, e nos preparamos para um novo milênio, o terceiro na história cristã, necessitamos, como líderes, pensar seriamente e avaliar com oração a condição da igreja.

Quão bem estamos nós cumprindo a grande comissão, dada por Cristo, de fazer discípulos de cada nação, tribo, língua e povo?

Novas tendências indicam um alarmante declínio na influência do pensamento e experiência cristãos na cultura ocidental contemporânea. Durante os últimos 50 anos, a cristandade americana estabeleceu o passo para a obra mundial do reino. Isso foi um poderoso movimento que agora se encontra em declínio. Atualmente, mais da metade da população dos Estados Unidos não está afiliada a nenhuma denominação religiosa. Muitas igrejas têm mantido o mesmo número de crentes, ou diminuído, nas últimas décadas. Além disso, a porcentagem de membros caiu cerca de 10% enquanto a população em geral cresceu quase 12% no mesmo período. Mais preocupante ainda é a perda de memória, moldura e referência cristãs. Menos da metade da população adulta-jovem, os emergentes líderes do amanhã, tem alguma forma de treinamento e Contextualização religiosa.

Internacionalmente, as tendências são mais encorajadoras. Há sinais de renovada vida espiritual nas Américas Central e do Sul, na Índia, na antiga União Soviética, e no Extremo-Oriente. A explosão do evangelho na América Central é simplesmente fantástica; alguns acreditam que, se o atual crescimento continuar, toda a região poderia entrar no novo milênio como o continente mais cristianizado da Terra.

Indubitavelmente, a Igreja está se aproximando de uma era repleta de desafios sem precedentes. Os líderes cristãos através do mundo, de modo particular no Ocidente, devem trabalhar com a questão sobre como um evangelho, nascido em uma cultura de sandálias e velas, e sustentado através dos tempos por uma ênfase na estrutura eclesiástica e na ortodoxia teológica, pode ser efetivo num futuro dominado pelo relativismo moral, autocentrismo e pela cibernética. O que revitalizará o evangelho para a próxima geração, o próximo século e, caso Jesus não volte, o próximo milênio?

Avançando na missão

Primeiramente, um evangelho que se encaixe no século 21 deve estar ancorado pelo mandato e comissão da Igreja primitiva. Colocando de modo mais simples, nossa imutável vocação é dupla, desta-cando-se em primeiro lugar o modelo do “grande mandamento”: “E um deles, intérprete da lei, experimentando-O, Lhe perguntou: Mestre, qual é o grande mandamento na lei? Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo co-mo a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.” (Mat. 22:35-40).

O outro modelo é o da “grande comissão”: “Jesus, aproximando-Se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade Me foi dada no Céu e na Terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século.” (Mat. 28:18-20).

Assim, Jesus deixou duas claras e inequívocas tarefas. A primeira é amar a Deus com a totalidade do ser, encontrando nesse amor Sua paixão por um mundo ferido e à beira da perdição. Amando nossos semelhantes como a nós mesmos, somos chamados a desempenhar um papel nos negócios do Pai, o qual é definido como fazer discípulos em todos os recantos e culturas do mundo.

Ao adotarmos Seu mandato e implementarmos Sua missão, devemos levar em conta Suas sugestões, como Alguém que introduziu com sabedoria Sua própria mensagem no primeiro século. No encontro que teve com a mulher samaritana (João 4:1-42), Cristo estabeleceu um mo-delo para ministros que trabalham com cada pessoa e cultura através da história humana. Com esse relato em mente, enumeramos alguns elementos fundamentais que, acreditamos, serão as características do ministério da Igreja no próximo século.

Valorização pessoal

Em João 4:4. Jesus Cristo interrompeu planos e programas de Sua cultura, ao dirigir-Se da Judéia para a Galiléia, tomando um desvio, com um propósito de alcançar pessoas. “E era-Lhe necessário atravessar a província de Samaria”, diz o relato bíblico. Essa alteração na rota violava as normas sociais. Os observadores hebreus queriam resistir à significante inconveniência de evitar um contato com os samaritanos, que, de acordo com o que descreviam, tratava-se de uma classe inferior, teologicamente pervertida. Mas Jesus necessitava ir a esse lugar, porque o seu povo necessitava dEle.

Em uma época dirigida pelos efeitos especiais de filmes como “Titanic”, é bastante tentador canalizar grandes porções de tempo, energia e recursos em programas e coisas. Se descuidarmos, a encenação, mais que a audiência, o santuário, em vez dos adoradores, se tornarão o involuntário fim. Numa sociedade crescentemente despersonalizada por sistemas, números e informatização, em grupos oprimidos pelos sentidos e pelo espetáculo, o testemunho honesto e simples de indivíduos transformados por um encontro pessoal com Cristo será a estratégia missionária mais efetiva.

Necessitamos de uma geração de líderes cristãos que enfatizem a pessoa, pois muitos vivem carentes de uma atenção individualizada. Um testemunho cristocêntrico produzirá uma comunhão digna do nome do Mestre, no terceiro milênio.

Proclamação

No ministério de Cristo, o conteúdo sempre foi mais importante que o rótulo. Sua obra mistificou e mudou o povo dos Seus dias. Ele ensinou com autoridade, diferentemente dos escribas e fariseus, que falavam primeiramente ancorados na tradição. Durante o encontro com a mulher samaritana, Jesus estava mais preocupado com a mensagem do que com o meio. Ele queria estar seguro de que a mulher mantinha seu foco sobre a água e não sobre o balde. “Se conheceras o dom de Deus e quem é que te pede: dá-me de beber, tu Lhe pedirías, e Ele te daria água viva.” (v. 10).

Divisamos uma desesperada necessidade de proclamação profética, sincera, transformadora de vidas, na Igreja do novo milênio. Quanto tempo faz desde que uma mensagem assim ardeu em nossos ossos, de tal forma que nos sentimos estar sendo consumidos? Quanto tempo faz desde que a pregação era nossa maior paixão, e o tempo de preparo para apresentar uma mensagem era a nossa prioridade absoluta? Quanto tempo faz desde que as pessoas deixaram o templo, tão cientes do que viram e ouviram que chegaram a dizer: “Senhor, vejo que Tu és profeta”? (V. 19).

Julian C. McPheeters, vice-presidente do Seminário Teológico de Asbury, disse certa vez: “Prepare-se completamente, ore com seu próprio fervor, e pregue com sua própria empatia.” Embora a relevância e o estilo sejam importantes, o conteúdo é a maior prioridade. Quão agradecido sou por aqueles que pregam a Palavra de Deus, com poder, consagração e convicção profética! Uma mensagem assim pronuncia-da, produz vida porque, primeiramente, vivificou o pregador. Líderes efetivos no próximo milênio serão aqueles nos quais a palavra de Deus habita de forma abundante. A ênfase no “grande mandamento” e na “grande comissão”, dada pelas igrejas no século 21, as tornará agentes de apaixonada proclamação profética, e de todo o conselho de Deus.

Encarnação

Além de o evangelho do próximo milênio estar mais relacionado com pessoas do que com programas, ser mais proclamação do que apresentação, também será menos institucional, mais pessoal. Jesus não foi muito longe em Seu diálogo com a mulher de Samaria, sobre forma e instituição. Onde se deve adorar: no monte ou no tem-pio? Eis a questão levantada nos versos 20-22. A resposta de Cristo é uma das mais importantes para o movimento do terceiro milênio cristão: nós adoramos uma pessoa, não um lugar.

Uma das mais significativas tendências da sociedade contemporânea é o abandono da marca de lealdade. Isso é particularmente verdade, hoje, na igreja histórica, denominacionalmente ancorada. O grito do coração moderno é “Senhor, queremos ver a Jesus” Qoão 12:21). Nossa conformação com o que sempre foi feito antes, pode ser um dos maiores empecilhos para o que Deus deseja fazer no futuro. Algumas pessoas sugerem que as cinco últimas palavras da igreja são: “Nós nunca fizemos assim antes.”

Esclareço, antes de mais nada, que sou um tradicionalista com uma paixão por aprender lições daqueles que vieram antes de mim. Particularmente creio no valor de uma conexão da igreja com a teologia histórica. Porém, o perigo está em se querer fazer da conexão e da teologia o fim, e não o meio. Em muitas igrejas as borboletas estão indo embora, e nós estamos cultuando a empatia pelo casulo que elas deixam atrás de si.

Embora teologia e eclesiologia sejam importantes, a igreja do próximo milênio será aquela onde a presença de Cristo seja claramente bem-vinda. Os líderes do próximo milênio estarão ancorados pela ortodoxia bíblica essencial e ortopraxia do passado, sem desconsiderar o desafio de revelar a pessoa de Jesus à presente época. A Encarnação foi a resposta à irrelevância e ao legalismo insensível da Igreja no primeiro século. Será a resposta para as mesmas coisas no século 21.

Mais que informação

No diálogo com a mulher samaritana, Jesus redireciona o culto, de um lugar de informação para um relacionamento de celebração: “Vós adorais o que não conheceis, nós adoramos o que conhecemos… Mas vem a hora, e já chegou, quando os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para Seus adoradores. Deus é Espírito, e importa que os Seus adoradores O adorem em espírito e em verdade.” (Vs. 22-24).

Na Igreja do novo milênio, haverá um amadurecimento do culto, uma crescente celebração Àquele que nos redimiu, em lugar de uma repetição do que o passado revela a Seu respeito.

O perigo reside, entretanto, em uma supervalorização da experiência pessoal e entusiasmo. Nesse caso, o evangelho pode se tornar aquilo que primariamente ministra para mim em lugar do que faz através de mim. Sem a salvaguarda de uma razão de ser da “grande comissão” e de uma ortodoxia centralizada nas Escrituras, a experiência pessoal torna-se a medida daquilo que é tanto essencial como verdadeiro. Acabamos cultuando o culto, caindo na mesma insinceridade dos que vieram antes de nós. Ele, o Senhor, não nós, deve Se tornar o centro do louvor. O fruto de tal celebração será uma renovada e acentuada paixão por um mundo que está longe de conhecê-Lo. Os líderes mais efetivos do século 21 serão aqueles que, ouvindo o clamor do coração do Pai, conduzirão seus liderados a um relacionamento cúltico centralizado nEle que é Espírito e Verdade.

Intercessão

Finalmente, a Igreja do próximo milênio deve encontrar-se a si mesma comprometida com a intercessão transformadora, em lugar da condenação confrontadora. É interessante como Jesus ignorou os argumentos culturais e querelas teológicas superficiais de Seus dias, para centralizar a atenção no trabalho de transformar pessoas. A mulher com quem Se encontrou junto ao poço de Sicar era uma samaritana e adúltera. Mas Ele olhou além do que ela era para vê-la como poderia ser. Viu então uma pecadora com potencial de santidade. Jesus não desperdiçou tempo engajando os discípulos em suas questões a respeito de Seu desprezo pelas tradições ou sobre o caráter da mulher. Ela era claramente errada, mas Jesus sabia que poderia ser transformada.

Semelhantemente aos discípulos, mui-tos líderes manifestam uma atitude belicosa em vez de uma postura reconciliadora em relação aos pecadores. Preocupa-me o dramático crescimento da retórica e procedimentos seculares na Igreja. O uso da ironia, do sarcasmo e humor condescendente do nosso povo e dos nossos púlpitos não refletem a humildade e caridade características de Cristo. Estratégias separatistas e partidárias parecem longe do modelo de um Salvador profundamente comprometido em mudar o pensamento e o modo de vida de pecadores e publicanos.

Nós também nos dirigimos e agimos, freqüentemente, em tons que refletem arrogância e ira para com aqueles de quem discordamos. Embora seja importante que defendamos e busquemos a justiça, devemos tomar posições sem usar linguagem e metodologia que contradiga e mesmo negue a dignidade de nossa mensagem. Cris-to nos chama para alcançar e transformar; não para destroçar e destruir nossos inimigos. Se é verdade que Ele não deseja que ninguém se perca, então ninguém está além da possibilidade de ser alcançado por Sua maravilhosa graça. Nossas palavras e ações devem refletir essa convicção.

Acredito que Jesus era tão hábil para relacionar-Se tão efetivamente com um mundo perdido, porque Ele Se mantinha em comunhão íntima com o Pai. Quanto mais profundamente me comprometo com mudar o estilo de vida das pessoas, orar por elas, tanto mais minhas atitudes e palavras estarão temperadas com a pessoa e paixão de Cristo. A Igreja do próximo milênio verá cada pecador com potencial de santidade. Essa perspectiva será adquirida somente em íntima e disciplinada comunhão com um Deus que derrama lágrimas sobre um mundo sofredor.

Os enviados

A conclusão das palavras de Jesus dirigidas aos discípulos em Sicar tem uma relevância incomum para os líderes da Igreja na Era que está diante de nós; “Não dizeis vós que ainda há quatro meses até à ceifa? Eu, porém, vos digo: erguei os olhos e vede os campos, pois já branquejam para a ceifa. O ceifeiro recebe desde já a recompensa e entesoura o seu fruto para a vida eterna; e, dessarte, se alegram tanto o semeador como o ceifeiro.” Qoão 4:35 e 36).

Essas mesmas palavras devem ser ouvidas novamente pela Igreja e seus líderes da atualidade, se é que realmente queremos conhecer e fazer a vontade do Pai, no próximo milênio. Vamos colocar em prática o “grande mandamento”, amando a Deus com todo o nosso ser. Vamos nos rededicar à “grande comissão”, convictos de que enquanto focalizarmos mais sobre pessoas do que programas, mais proclamação do que apresentação, mais encarnação do que instituição, mais celebração do que in-formação, e mais intercessão do que condenação, podemos cumprir o plano para que todos ouçam que Jesus Cristo é Senhor para a glória de Deus o Pai.

A quem Ele enviará para conduzir a igreja no século 21 ? Aqueles que, em amor profundo pelo Senhor, derem-se a si mesmos, apaixonadamente, para a colheita.