Durante 44 anos ele compartilhou lado a lado com o Pastor Enoque de Oliveira, seu esposo, as alegrias da vocação ministerial, servindo na Associação Paranaense, Associação Rio de Janeiro, União Este- Brasileira, Divisão Sul-Americana e Associação Geral, onde foram jubilados, em 1990. Nessa época o casal fixou residência em Curitiba, PR, onde o Pastor Enoque faleceu, em 1992. Desde então, a irmã Lygia Oliveira vive cercada pelo carinho dos fi lhos, Dr. Lutero e Professora Vera Lúcia, genro, nora e quatro netos; além do respeito e admiração da família adventista.
Tendo servido em tão diversificadas instâncias da Obra adventista, a irmã Lygia acumulou uma experiência digna de ser partilhada com outras pessoas. Foi com esse objetivo que ela recebeu a reportagem de Ministério, com muita solicitude, em sua casa no elegante bairro curitibano Ahú, para uma entrevista. A seguir, os principais trechos do diálogo no qual relembra um passado rico em realizações, revela conceitos sobre situações e aconteci-mentos do presente, sem deixar de lado as expectativas quanto ao futuro.
Ministério: Foi difícil ser esposa de pastor?
Lygia Oliveira: De um modo geral, ser esposa de pastor, para mim, foi um privilégio. Evidentemente, houve momentos difíceis de separações motivadas por viagens do esposo, quando tive que assumir muitas responsabilidades sozinha. Mas reputo a experiência como um grande privilégio e uma oportunidade especial na vida de uma mulher.
Ministério: Quando, onde e como tudo começou?
Lygia Oliveira: Começamos aqui em Curitiba. Quando nos casamos, Enoque estava servindo à Obra, havia dois anos.
Através da amizade entre as duas famílias, nós nos conhecemos e tanto o namoro como o noivado já se desenvolveram neste clima de separação, porque eu estudava em Petrópolis, e ele em São Paulo. Concluindo o curso teológico, foi chamado para Curitiba. Inicialmente, trabalhava na área financeira. As circunstâncias nas quais ele se tornou pastor foram interessantes, porque no colégio ele foi muito criticado pela dicção deficiente que tinha, a ponto de descartar o pastorado. Mas, após um período na contabilidade, foi nomeado departamental de Educação, de modo que, de início, minha experiência não foi como esposa de pastor. Nesse ínterim, o pastor da igreja central adoeceu e ele foi convidado a pregar muitas vezes, e a fazer visitas. Foi aí que ele começou a se desenvolver como pastor, compreendendo que não era tão incapacitado como tentaram fazê-lo acreditar. Ele amou o trabalho pastoral. Como estava estudando Pedagogia, foi nomeado diretor do colégio, um trabalho que não lhe agradou muito. Mas como já tinha demonstrado possuir a vocação pastoral, foi ordenado e assumiu a igreja central. So-mente aí comecei a ser esposa de pastor de fato; e também foi por pouco tempo. Depois fomos para o Rio de Janeiro, e logo ele enveredou pela área do evangelismo, administração. Mas, repito, foi uma experiência que não jogaria fora.
Ministério: Quais as maiores dificuldades enfrentadas pela família do pastor, na-quele tempo?
Lygia Oliveira: A esposa do pastor, especialmente, era muito visada. Até acho que era mais visada do que hoje. E isso subjugava um pouco a nossa personalidade. Às vezes nós nos víamos obrigadas a agir contrário ao que éramos e pensávamos, somente para dar satisfação à opinião dos outros, preservar a imagem. Hoje eu vejo que existe mais abertura nesse sentido. Parece que as esposas não são tão observadas como antigamente. Havia uma linha mais dura.
Ministério: Mesmo assim, muitas se queixam de cobranças que dizem receber. Como deveriam elas administrar essa situação?
Lygia Oliveira: Não me parece muito fácil responder a essa pergunta; porque é muito difícil irmos de encontro ao que realmente somos e pensamos, apenas para demonstrar uma boa aparência aos outros. Nesse sentido, eu creio que as esposas dos pastores sofrem bastante. A posição delas é muito melindrosa. Se, na igreja, são atuantes, às vezes são interpretadas como querendo superar ou manipular o marido, ou até dominar a comunidade. Se agem discretamente, são tidas como incompetentes. As críticas sempre existirão. Numa igreja criticarão uma coisa, noutra igreja, encontrarão outro aspecto para ser criticado. Então acho que devem ser o que são, viver em comunhão com Deus e suportar as críticas com paciência e fé.
Ministério: Na sua opinião, a esposa do pastor tem correspondido às expectativas da igreja?
Lygia Oliveira: Bem, cada esposa de pastor é um caso à parte. Muitas esposas têm sido fundamentais no crescimento do esposo, e em sua aceitação por parte da comunidade onde servem. Atrás de mui-tos pastores existe a figura de uma esposa atuante, espiritual, discreta, que os impulsiona para frente e para cima. Em outros casos, isso já não acontece, até porque os esposos são demasiadamente competentes e parecem não necessitar muito desse empurrão. Mas essas também cumprem o seu papel conforme as necessidades e realidades locais.
Ministério: E a Igreja, a seu ver, tem assistido adequadamente à esposa do pastor, provendo-lhe preparo e condições para desenvolver seu ministério?
Lygia Oliveira: Olha, posso dizer que, no passado, isso não acontecia. Atualmente, não tenho todas as informações a respeito, mas entendo que crescemos um pouco mais nesse aspecto.
Ministério: A senhora exerceu alguma atividade fora do lar?
Lygia Oliveira:.Não inicialmente. Comecei a trabalhar na Obra quando estávamos no Uruguai, onde estava a sede da Divisão Sul-Americana. Quando nos casamos, havia um preconceito muito forte quanto à esposa do pastor trabalhar fora. Ela deveria ficar em casa, cuidar dos filhos e do esposo, e participar das atividades da igreja.
Ministério: Era fácil conciliar o trabalho, as atividades do lar e a assistência aos filhos?
Lygia Oliveira: Hoje, eu não entendo como as esposas podem conciliar todas essas coisas, e admiro-as por isso. Realmente, o salário do pastor não é suficiente para cobrir todas as necessidades. Antigamente nos sujeitávamos mais facilmente a certos sacrifícios. Nós, por exemplo, só conseguimos comprar uma geladeira seis anos depois de casados; mas hoje os tempos realmente mudaram. Nossos filhos não se casam nos dias de hoje sem uma geladeira. Eu não condeno as esposas que trabalham fora, sei que o fazem para colaborar com o orçamento familiar. Mas, ao lado disso, está a responsabilidade educacional dos filhos. Esse confronto é muito desgastante.
Eu, às vezes, fico pensando como a própria irmã Ellen White deixava os filhos sob os cuidados de outras pessoas e trabalhava como trabalhou. A única explicação que encontro é o seu chamado para uma mis-são especial, superior mesmo à do esposo.
Ministério: Como foi sua experiência como esposa de evangelista?
Lygia Oliveira: Antigamente as campanhas evangelísticas duravam três meses completos. A solidão era grande, mas a liderança do Campo permitia que o evangelista fosse visitar a família uma vez. Para que o esposo não deixasse o trabalho, eu optava em ir até onde ele estava; às vezes passava um mês auxiliando-o no evangelismo infantil. Hoje parece que as campanhas são mais curtas, até porque não existe muito preconceito. Antes, o evangelista gastava muito tempo para quebrar o pre-conceito; mas hoje quando ele chega, as portas já foram abertas pelos programas de rádio e TV, serviços comunitários, então não precisa ficar muito tempo.
Ministério: E a expectativa pelos batismos?
Lygia Oliveira: Era muito grande, mas sempre havia bons resultados. Agora eu acho que, naquela época, os candidatos demoravam mais tempo estudando para serem batizados. Mas eu também não critico os métodos que são utiliza-dos atualmente. Talvez seja uma estratégia apropriada para os dias de hoje. Deve ter seu valor.
Ministério: Como a senhora vê a insti-tuição do Ministério da Mulher?
Lygia Oliveira: Certamente há muito entusiasmo em torno do Ministério da Mulher e muitas irmãs se dedicam muito à promoção de suas atividades. É bom que as mulheres estejam trabalhando com vibração. Mas é preciso lembrar que a Igreja, em nenhum nível, jamais impediu que as mulheres atuassem. Elas sempre tiveram seu espaço e trabalharam. Conheço mulheres sem as quais os respectivos esposos nada seriam como líderes na Obra.
Há outras que se destacaram mais que os próprios esposos, como conselheiras, instrutoras bíblicas, na assistência social, etc. De modo que, olhando o passado e verificando o que as mulheres, esposas de pastores ou não, sempre fizeram pela igreja, eu não vejo o Ministério da Mulher como uma novidade ou a conquista de algo que não se possuía antes. Mas é claro que o entusiasmo é muito gratificante e louvável.
Ministério: Nas últimas assembléias da Associação Geral, a ordenação das mulheres foi assunto muito discutido. Qual a sua opinião sobre isso?
Lygia Oliveira: Confesso que não tenho uma idéia pessoal formada sobre a ordenação da mulher. Penso que a missão da mulher está centralizada no lar, a família. Mas acho possível que ela transponha esses limites, se sente ter recebido um chamado especial de Deus, que não Se deixa limitar por gênero, sexo ou cor da pele. En-tão, se a mulher recebe a capacitação necessária para o trabalho pastoral e se engaja de alguma forma nele, talvez cheguemos à ordenação.
Eu vejo isso como uma possibilidade futura, embora ainda existam certos ângulos que eu não consegui absorver total-mente, como por exemplo, uma mulher fazendo um batismo ou realizando um casamento. Mas, com o tempo, tudo pode acontecer.
Ministério: Como a senhora vê o ministério, diante das exigências culturais e modernizadoras do mundo?
Lygia Oliveira: Quando voltamos dos Estados Unidos, em 1990, ficamos um pouco pensativos, Enoque e eu, a respeito da capacidade de alguns pastores que ouvimos. Mas com o passar do tempo, acabamos entrando em contato com ministros excelentes, altamente capacitados. Hoje, eu concluo que não podemos generalizar. Há sempre os mais talentosos e os menos talentosos. Todos, porém, com o mesmo grau de utilidade nos diversos lugares e funções para os quais são talhados. Deus usa a todos, sempre no lugar certo.
Ministério: Como esposa, que prioridades a senhora acha que deveriam caracterizar o trabalho de um pastor?
Lygia Oliveira? À parte da comunhão com Deus e da assistência devida à família, o pastor deve priorizar a nutrição espiritual do rebanho, primeiramente com bons sermões. Esta era uma qualidade de Enoque. Ele passava horas e horas preparando um sermão. Era comum vê-lo andando pela casa recitando um sermão. No preparo do sermão, um ingrediente necessário é visitar os membros, pois é aí que se conhece as necessidades deles. Estou falando pensando num pastor local, porque os administradores e departamentais es-tão viajando sempre de um lugar para outro, é a natureza do seu trabalho. Mas o pastor de igreja precisa conhecer as necessidades dos seus fiéis.
Ministério: Alguns pastores dizem encontrar dificuldades para visitar os membros, atualmente.
Lygia Oliveira: Realmente não é fácil. O corre-corre e a qualidade da vida moderna limitaram muitas coisas, inclusive o tempo das pessoas. Numa cidade grande, os membros só podem ser encontrados no domingo ou à noite. Mas o pastor pre-cisa encontrar um meio de visitar o povo, pois isso é extremamente necessário. Aliás, ainda há excelentes visitadores. Sei de alguns pastores que não são grandes pregadores, mas realizam um primoroso trabalho de visitação. Nada substitui o contato pessoal.
Ministério: Que qualidades deveriam distinguir o pastor ideal, para a senhora?
Lygia Oliveira: Primeiramente deve ser um homem consagrado, que mantenha um profundo relacionamento com Deus. Deve cuidar da aparência, da saúde, ser muito estudioso para que esteja sempre bem informado sobre os assuntos do dia-a-dia, deve ser amigo, compreensivo e alegre. Enoque era uma pessoa bem-humorada. Aliás, esse era um lado de sua personalidade que poucas pessoas, além dos familiares, conheciam. Em geral, ele era sempre zeloso da sua imagem, preocupado com o que os outros acabariam dizendo dele, mas em casa ele era muito alegre e brincalhão. Essa parte ele reservava para nós.
Ministério: Como a senhora avalia a Igreja e sua atuação no mundo hoje?
Lygia Oliveira: A Igreja como um todo está cumprindo o seu papel, sob a direção de Deus. Ele continuará dando sabedoria aos líderes e membros para dar o rumo certo diante de cada situação difícil. E sabe-mos que as coisas se agravarão mais. A Igreja não fracassará. Algumas idéias mais liberais estão restritas a indivíduos; e, por causa deles, não podemos julgar a Igreja.
Ministério: O que representou para a senhora ter servido à Igreja nos âmbitos continental e mundial?
Lygia Oliveira: Foi um privilegiado período que durou muitos anos e que também teve suas dificuldades. No Uruguai, nossos dois filhos ainda pequenos tiveram que voltar para o Brasil a fim de serem alfabetizados. Enoque viajava muito. Na Associação Geral, fomos muito bem recebi-dos, Enoque era muito respeitado, especialmente entre os teólogos da Universidade Andrews. Também entramos em contato com outras culturas e vimos como a Igreja floresce unida na diversidade. Enfim, servir à Igreja nesse nível foi um privilégio, como o seria em qualquer circunstância.
Ministério: Como a senhora se sente, hoje, desfrutando a jubilação?
Lygia Oliveira: Em toda a nossa trajetória, houve momentos difíceis, mas o saldo final não permite ficar presa a lembranças desagradáveis. Sinto-me, como sempre, plena-mente feliz e realizada. Nossos filhos cresceram normalmente, protegidos de informações que porventura pudessem minar a confiança. Afinal, o fato de termos chegado à Associação Geral não significou ausência de desapontamentos, mas nós tínhamos o cuidado de manter isso longe deles. Dou graças a Deus por tudo. A missão está cumprida.
Ministério: Uma mensagem para os leitores.
Lygia Oliveira: Devemos intensificar nosso preparo para a volta de Jesus. Estamos nos portais do fim, e cada momento é extremamente precioso. Precisamos orar mais, estudar mais a Bíblia. Somente assim nos fortaleceremos.