A mãe de Paulinho estava gravemente enferma e hospitalizada. Paulinho orou, bem como os seus colegas da escola. Eles criam que Deus poderia responder suas preces e curar a bondosa senhora. Sua fé era muito forte. As orações eram sinceras. Mas a mãe de Paulinho morreu, deixando o marido e seus três filhos arrasados. As crianças do terceiro ano da escola queriam entender por que isso aconteceu. Por que Deus permitiu que a mãe do Paulinho morresse?
Faz dez anos essa ocorrência. Eu estava no início do meu ministério. E tinha muito que aprender. Sentia-me despreparada e incapaz para ajudar aquelas crianças traumatizadas. Não havia explicações razoáveis. E ainda que houvesse alguma, não seria compreendida, porque a dor e o sentimento de perda eram grandes demais. É até possível que os adultos consigam falar sobre seus sentimentos, expressar sua ira ou frustração, partilhar suas perdas e tristezas. Mas o que dizer para as crianças? Como as de quatro anos, as de sete ou as de dez anos são consoladas? Quero recordar aquela experiência e analisar o que sabia na ocasião e o que penso agora.
Crianças são sofredores freqüentemente esquecidos. Depois de uma morte ou um divórcio, os adultos ficam tão imersos em sua dor que não conseguem atender os filhos. Talvez eles mesmos não tenham consciência dos sinais que devem observar para tentar entender os sofrimentos pelos quais seus filhos estão passando. Como pastores, temos a tendência de cuidar dos adultos e achar que as crianças são uma extensão desse cuidado. Mas as coisas não acontecem assim necessariamente. As crianças precisam de atenção especial e também de apoio, de acordo com sua faixa de idade e circunstâncias que as rodeiam, para que também elas tenham como reagir adequadamente ao sofrimento.
Mitos e verdades
Muitos de nós sabemos pouco a respeito das crianças e suas dores. Um recente seminário organizado pela Fundação Americana de Pesquisa do Sofrimento apresentou três mitos a respeito dos traumas, crianças e a realidade.
Mito 1: As crianças não sofrem.
Realidade: As crianças sofrem todas as perdas, através de fatos que se repetem várias vezes ao dia. Elas remoem os sofrimentos e mágoas, muitas vezes sem saber que estão sofrendo e sem compreender seus sentimentos.
Mito 2: As crianças experimentam poucas perdas.
Realidade: As crianças experimentam perdas todos os dias: na escola (em relação aos esportes, notas, competições, auto-estima, relacionamentos) e em casa (controle, compreensão, perdas disfuncionais da família – uma de cada sete crianças vê o pai ou a mãe morrer antes de ela completar dez anos).
Mito 3: A infância é o período mais feliz da vida.
Realidade: “Uma criança passa por seis estágios de desenvolvimento, entre o nascimento e a idade de 21 anos. Cada estágio é marcado por um período de contínuas mudanças em termos de conhecimento, sentimentos, e alterações físicas. Quase cada área da vida, em cada estágio de desenvolvimento, é total-mente controlada por circunstâncias que não podem ser alteradas pela própria criança.” 1
Pastoreando a criança
Como pastores, temos oportunidade de atender tanto a crianças como a adultos. E devemos levar a sério o fato de que nosso chamado inclui essa população também. Eis algumas sugestões:
Comece com a Escola Sabatina. A Es-cola Sabatina é um bom lugar para professoras e crianças aprenderem a respeito das perdas e de como enfrentá-las. As professoras da Escola Sabatina têm uma oportunidade maravilhosa para partilhar com as crianças as questões relacionadas com o sofrimento e as perdas, à medida que estudam a Bíblia. As histórias de Isaque, Daniel, Ester, José e outros, falam de eventos traumáticos pelos quais tais jovens tiveram de passar. Deus ajudou as crianças que tiveram de sofrer no passado e pode fazer o mesmo hoje.
É importante falar sobre as perdas, antes que elas aconteçam, antes que a pessoa esteja emocionalmente envolvida. A igreja deveria ter um contínuo processo educacional para atender não somente os aflitos, mas também os que desejam ajudar os que estão padecendo algum tipo de aflição.
- 2. Patrocinar programas de ajuda a crianças. O programa Rainbows (Arco-íris)2 é um exemplo. Ele é utilizado mundialmente para ajudar crianças que estão vivendo alguma situação de sofrimento por causa de morte, divórcio, separação ou abandono da família. Líderes treinados encontram-se com as crianças, em pequenos grupos, para entender seus sentimentos, ajudá-las a expressarem por si mesmas, oferecer-lhes apoio e mostrar que a crise não deve durar para sempre.
Quando a criança não consegue ultrapassar a dificuldade apenas com a dinâmica de grupo, os líderes observam para identificar sinais de perigo que podem indicar a necessidade de ser encaminhada para um atendimento profissional.
Como pastores, geralmente oferecemos um atendimento muito restrito. Visitamos antes do funeral e por ocasião da cerimônia, depois esquecemos a dor da família. Acontece que leva tempo superar a perda. Tanto adultos como crianças precisam de tempo para manobrar seu sofrimento? A não ser que tenhamos um plano mais completo de atendimento vamos perder a oportunidade de auxiliar as crianças quando mais estiverem necessitando e a família estiver mais vulnerável.
A vantagem de possuir um programa desse tipo em nossas igrejas é óbvia. Se acha que não tem tempo para se tornar um especialista nesse assunto, delegue a responsabilidade. Dê apoio à pessoa que cuida do ministério da criança, inclusive concedendo-lhe um bom orçamento. Se esse ministério ainda não estiver ativo, nomeie um grupo de membros de sua igreja para isso, e notará como estão ansiosos para iniciar um bom trabalho. Se possível, faça contato com o programa Rainbow, ou com outro semelhante.
- 3. Organize uma Biblioteca com mate-riais relacionados à área. Recentemente uma mãe me pediu para ajudar a sua filha, Sara, de sete anos. A avó, que vivera com elas nos últimos anos, estava para morrer e a mãe queria saber como tranqüilizar a filha. Ela achava que seria muito traumático se a menina presenciasse a morte. Ainda bem que houve tempo para aquela mãe ler um capítulo de um livro que explica como as crianças de dois anos ou mais percebem a morte e que capacidade possuem para li-
As crianças necessitam de que os adultos demonstrem empatia para com seus sentimentos.
dar com as questões relacionadas. Esse livro chega a sugerir as palavras que devemos usar para explicar a morte e como ajudar a criança a lidar com o sofrimento, em caso de morte dos pais, avós ou parentes; inclusive mortes por acidente, suicídio, assassinato e outras. O livro aconselha também a envolver a criança no planejamento do funeral e a estar presente às cerimônias, como parte importante do processo de solução do sofrimento. Mostra aos pais co-mo é importante serem honestos e claros para com a criança, quando há uma situação de crise na família.
Fui visitar Sara e gastamos algum tempo juntas lendo e discutindo outro livro4 no qual a autora conta a história do cãozinho de Josué. Quando o cão morre, o menino sente-se muito solitário; achando que ninguém entende seus sentimentos. Josué acaba descobrindo alguns “segredos”, co-mo: Quanto mais eu amo, mais eu sofro. Meus amigos querem me ajudar, mas não sabem como fazer isso. Cada um tem sua maneira de lidar com as frustrações. Eu posso ajudar meus amigos quando estão sofrendo. Quando lemos isso, Sara refez seus próprios sentimentos. Algumas vezes, ela se identificava com Josué, noutras, não. Mas a experiência de ler a história foi boa para ela.
A biblioteca de sua igreja possui livros e vídeos que os pais podem usar e mostrar para seus filhos? As fontes de informação incluem a Internet, a biblioteca da cidade e pessoas ou centros especializados nesse trabalho.
- 4. Reafirmar a fé e a segurança cristã. A fé que sustentamos e a segurança que temos como cristãos podem confortar e animar as crianças. Quando Sara e eu conversávamos, ela me olhou diretamente e disse: “Eu vou ver a vovó de novo.” A princípio, achei que ela não estava aceitando a realidade da morte. Por isso perguntei-lhe quando iria rever a avó. Sua resposta: “Ora, no Céu!” Podemos repartir a fé que mantém nosso relacionamento com Deus, relacionamento esse que não é quebrado por um caso de morte ou qualquer outra crise que apareça em nossa vida.
Crianças e adultos começam a se sentir melhor quando conseguem ir além das acusações ou justificativas e passam a prestar atenção às memórias e histórias daqueles que lhes são caros. Ainda assim necessitam expressar-se, e não devemos impedir isso. Os que choram carecem de nós como seus ouvintes. Não de respostas nossas. As crianças precisam de nossa empatia – habilidade para reconhecer os seus sentimentos mais íntimos, desde o ponto de vista da criança, pois essa é a chave do relaciona-mento que ajuda e cura. Quando percebem que há aceitação e amor, o processo curativo deslancha, e elas passam a colocar a atenção nas lembranças, histórias e promessas de um relacionamento com Deus que irá durar toda a eternidade.
Referências:
- 1. “Three Myths of Children’s Grief”, apresentado em um seminário da Grief Resource Foundation. 1978.
- 2. Endereços da Organização Rainbows: 1111 Tower Road, Schaumburg, IL 60173, USA. Telefone: 1-800-266-3206 ou 847-310-1880. Fax: 847-310-0120. E-mail: rainbows-hdqtrs@worldnet.att.net ou visite o site: www.rainbows.org.
- 3. Judith Allen Shelly, The Spiritual Needs of Children (Chicago: InterVarsity Press, 1982), pág. 113.
- 4. Doris Sanford, It Must Hurt A Lot (Portland: Multnomah Press, 1985).