Sabedores de que Carlos Magno pretendia tirar-lhes a vida, como costumava fazer com todos aqueles que caíam em seu desagrado, o rei Desidério, da Lombardia, e Otker, um dos fidalgos daquele imperador, puseram-se no alto de uma torre. Pretendiam, assim, observar os movimentos do seu perseguidor e de seus soldados.

Como não conhecesse pessoalmente a Carlos Magno, Desidério ia perguntando a Otker se não era ele que se aproximava, as-sim que via surgir na estrada algum vulto. Primeiro, foram os carros de bagagem, precedidos por um soberbo guerreiro. Depois, apareceram as hostes das nações tributárias, comandadas por guerreiros de brilhantes armaduras. A resposta de Otker era sempre a mesma. Carlos Magno lá não se encontrava.

Preocupado, Desidério quis então saber como era Carlos Magno, e o que aconteceria quando este chegasse. Otker recomendou que o seu companheiro de infortúnio esperasse para ver. Uma cavalgada, constituída da fina flor dos soldados de Carlos Magno, despontou então a galope, e Desidério pensou que o imperador estivesse vindo; mas ainda não foi dessa vez. Insistindo em querer saber a maneira de identificar o famoso guerreiro, recebeu de Otker a resposta, segundo a qual, quando visse os campos eriçados de ferro e as águas do rio Pó, transbordando, lançarem-se contra os muros da cidade de Desidério, este podia saber que Carlos Magno havia chegado.

Conta o relato que Otker não terminara de falar, “quando no Oeste se levantou uma nuvem que tornou o dia em noite. E, no meio da nuvem, via-se um guerreiro cuja armadura cintilava com o fulgor do relâmpago. Sua cabeça estava coberta com um elmo de ferro; tinha as mãos calçadas com guantes de ferro, e uma couraça de ferro lhe protegia o peito” (Adaptado de Vidas de Estadistas Famosos, pág. 47). E a descrição continua falando do escudo e da lança de ferro. Até o cavalo que o guerreiro montava tinha a cor desse metal.

– Aí está o imperador Carlos Magno, que tanto queríeis ver – disse Otker. Com estas palavras, caiu no chão, desmaiado. (Ibidem).

Como se pode ver por esse conto, escrito por um monge e considerado “ingênuo” por um escritor, Carlos Magno tinha algumas características pelas quais podia ser identificado. Seu porte, e o de seus soldados, podia ser distinguido à distância por aqueles que de alguma forma já lhe conheciam os hábitos. A cor do ferro bem como a dureza deste, tornavam inconfundível o guerreiro.

Cristo identificado

Na carta que mandou o apóstolo João escrever ao anjo da igreja de Esmirna, Jesus procurou identificar-Se, usando uma linguagem que aquela igreja pudesse entender. Visava, com isso, auxiliá-la naquele momento difícil. Suas palavras deveriam ser uma espécie de credenciais. Quem a ela Se dirigia não só lhe conhecia as angústias; experimentara-as, Ele próprio, e estava em condições de proporcionar-lhe o conforto de que necessitava. Recomendou, por isso, ao Seu estimado apóstolo; “E ao anjo da igreja que está em Esmirna, escreve: Isto diz o primeiro e o último, que foi morto, e reviveu.” (Apoc. 2:8).

Quando lemos a carta a Esmirna, observamos que a morte rondava aquela igreja. Talvez houvesse um ambiente de velório entre os cristãos daquela comunidade religiosa. Os poucos versos que abrangem o conteúdo da carta falam de morte pelo menos três vezes. Em primeiro lugar, Jesus Se apresenta dizendo que foi morto e reviveu. Poderiamos chamar essa morte de histórica. Ela havia ocorrido quando Jesus veio ao mundo. Ele a estava usando como morte referencial. Poderia ser tomada co-mo parâmetro, caso alguém viesse a morrer por amor a Cristo.

Na mesma carta, temos também o que poderia ser chamado de morte profetizada. Jesus prometeu à igreja de Esmirna (Apoc. 2:10) que esta receberia a coroa da vida, caso fosse fiel “até à morte”. É claro que a igreja à qual a carta estava sendo endereçada não era a única ameaçada de morte; outros grupos de filhos de Deus já haviam experimentado a morte, ou haveriam de experimentá-la. Naquele momento, porém, Jesus estava falando àquela igreja, especificamente.

Por fim, há referência à “segunda mor-te” (Apoc. 2:11). Os vitoriosos, diz a carta, não deverão passar pelo “dano” dessa espécie de morte. É a primeira vez, no livro do Apocalipse, que se faz referência a ela. Depois, o apóstolo João volta a mencioná-la mais duas vezes, no capítulo 20. Os comentários relacionados com esse tipo de morte são unânimes em afirmar que se trata de uma morte eterna; morte da qual não haverá retorno.

Eternidade e imortalidade

Vale a pena falar um pouco a respeito dos dois aspectos mencionados por Jesus, relacionados com Sua pessoa. Suas credenciais à igreja de Esmirna incluem duas afirmações de importância fundamental. Ao dizer-Se “o primeiro e o último”, Cristo está falando a respeito de eternidade; tanto passada, quanto futura. Pode parecer estranho, mas as Escrituras nos permitem dividir a eternidade dessa maneira. No Salmo 90:2, Moisés falou a esse respeito, quando disse: “Antes que os montes nascessem, ou que Tu formasses a Terra e o mundo, sim, de eternidade a eternidade, Tu és Deus.”

Semelhantemente, Jesus falou de Sua eternidade, por intermédio do profeta Isaías. Quando a idolatria ameaçava a fé do povo de Deus, no tempo daquele profeta, o Senhor pôs nos lábios do Seu mensageiro as mesmas palavras que agora utilizou para fortalecer o ânimo da igreja de Esmirna: “Assim diz o Senhor, Rei de Israel, e seu Redentor, o Senhor dos exércitos: Eu sou o primeiro, e Eu sou o último, e fora de Mim não há Deus.” (Isa. 44:6). Jesus estava dizendo a Esmirna que, por mais feroz que fosse a perseguição, seus perseguidores não eram eternos. Só Jesus possuía essa característica.

Ao mesmo tempo, o Senhor procurou fortalecer a fé de Sua igreja, dizendo-lhe que “foi morto e reviveu”. Isso deveria levar a igreja a pensar em um Jesus que não permanecia na sepultura. Levá-la a pensar em Cristo como alguém que Se achava vivo, embora tivesse morrido. De maneira que, se alguém daquela igreja viesse a morrer, também poderia voltar a viver. Os dois conceitos – o de eternidade e o de imortalidade – tinham em vista levar a igreja de Esmirna a enfrentar até mesmo a mor-te, com a certeza de que esta não seria para sempre. O “dano da segunda morte”, ou da morte eterna, estava reservado aos que não fossem vitoriosos.

A declaração de Jesus à igreja de Esmirna é parcialmente aceita no mundo religioso de hoje. Com efeito, existe unanimidade quanto à crença em que Jesus está vivo. Para a maioria, Cristo deixou o sepulcro vazio, naquele primeiro dia da semana, quase dois mil anos atrás. O problema está com a primeira parte da afirmação, ou seja, as palavras “fui morto”.

Se algum membro da comunidade religiosa da igreja de Esmirna vivesse em nos-sos dias, talvez dissesse a Jesus que estava acreditando na afirmação, porque era Ele quem a estava fazendo: pois muitos religiosos modernos já não crêem assim. E Jesus, por certo, respondería que embora sejam acontecimentos antagônicos, morte e ressurreição têm que estar juntas. Não pode haver ressurreição sem morte. A ressurreição mantém a imortalidade. “Sabendo que, havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre: morte não mais terá domínio sobre Ele.” (Rom. 6:9).

Cristo poderia ter dito à igreja de Esmirna que Ele havia sido morto, mas aquela igreja não precisava preocupar-se; pois munido dos poderes de que dispunha, iria impedir que lhe fosse causado qualquer tipo de dano. Em lugar disso, tornou a igreja ciente de que poderia ser vítima de agressão, mas devia resistir até à morte. Não é propósito de Cristo evitar que Seus seguidores fiquem isentos de aflições e enfrentem mesmo a morte; coisas que Ele próprio não teria experimentado, tivesse pretendido negar-Se a ela. Não Lhe faltaria poder para repelir a agressão, se quisesse. Deixou-Se, porém, ferir; e, além de com isso ter-nos trazido esperança de vida eterna, usa os transes dolorosos por que passou, como credenciais que nos animam a seguir-Lhe os passos.

Primeiro, João

Sem nenhuma dúvida, as credenciais que Jesus apresentou à igreja de Esmirna foram de grande valor para a segunda das sete igrejas. Não nos é possível relatar nenhuma ocorrência que possa ser usada co-mo exemplo de que a igreja foi beneficiada com aquela espécie de identificação de Jesus. Nosso Senhor, porém, não Se dirigira como o fez, à Sua igreja, tivesse de antemão a certeza que os Seus esforços deram resultado positivo. Os membros daquela igreja, pelo menos em grande parte, devem estar aguardando a coroa da vida, a qual lhes será posta na fronte, por ocasião da segunda vinda de Jesus.

Contudo, é quase impossível esquecer que não foi só à igreja de Esmirna que Jesus Se apresentou como o primeiro e o último, que foi morto e reviveu. Ele apresentou essas credenciais primeiramente ao apóstolo João. Não poucas vezes somos levados a pensar que, por uma igreja, na qual existem dezenas ou centenas de membros, era razoável falar de eternidade e imortalidade; o mesmo não acontecendo ao tratar-se de uma só pessoa. Caso tenha esse pensamento encontrado guarida em sua mente, lembremo-nos de que Jesus falou dessas mesmas credenciais a uma única pessoa.

João, da mesma forma que a igreja a que fora mandado escrever, estava sofrendo ameaça de morte. Encontrava-se banido da sua terra e de seu povo. A espada de tiranos governadores lhe estava suspensa sobre a cabeça. Necessitava de uma mensagem de incentivo, de encorajamento. Essa mensagem não tardou a vir. Jesus, pessoalmente, foi levá-la ao Seu servo. Ele foi dizer a João que este era muito importante. Para Ele, não é o número que conta; pois cada pessoa foi comprada por preço de sangue, o sangue do Cordeiro de Deus.

No momento em que desmaiou, após ter tido uma visão de Jesus, o exilado de Patmos sentiu no ombro um toque, acompanhado das palavras; ”Não temas” (Apoc. 1:17). Em outras ocasiões, por si só essa expressão seria já suficiente para trazer ânimo ao prisioneiro. Ela, contudo, foi seguida pelas credenciais de eternidade e imortalidade: “Eu sou o primeiro e o último; e o que vivo e fui morto”! Não eram a certeza de que João estava livre da morte, mas indicação de que aquele que morre por Cristo pode voltar a viver como Ele.

Podemos imaginar com que disposição não deve ter o exilado de Patmos iniciado a carta ao anjo da igreja de Esmirna! Que firmeza deve ter demonstrado sua mão ao segurar a pena que estava usando para escrever as palavras “Eu sou o primeiro e o último; e o que vivo e fui morto”! Era a segunda vez que Jesus estava exibindo Suas credenciais, e o fazia a pessoas que se encontravam em condições semelhantes. Era alguém eterno e imortal, alguém que, embora tenha experimentado “as ânsias da morte” (Atos 2:24), apresentava agora as Suas credenciais a quem estava na iminência de morrer. Suas palavras, exortando a permanecer “fiel até à morte”, não eram expressões vazias; mas o conselho de quem havia permanecido do lado da fidelidade.

Quem aceitar o conselho, estará seguindo-Lhe os passos.