No livro O Chamado à Mordomia, Waldo Werning a define como sendo “a resposta do crente ao amor de Deus, que o criou, preservou, redimiu e santificou. Pode ser denominada a administração por parte do cristão de sua vida redimida e suas posses, pelo poder do Espírito, dirigido pela palavra – para a glória de Deus e para o benefício do homem. A mordomia cristã é o fruto da fé salvífica. É fé em atividade, a expressão da fé cristã, a evidência de quão sinceramente um filho de Deus crê nas verdades que aceita. O mordomo cristão é uma pessoa a quem foi confiada uma vida redimida por Cristo. Ser mordomo é seguir aonde Deus o dirige pelas habilidades e forças que Ele dá”.

Embora trate de aspectos materiais, a mordomia é um estilo de vida profunda-mente cristocêntrico, exercido na dependência de Cristo e para Cristo. O esquecimento dessa realidade fez com que, durante algum tempo, a abordagem do assunto encontrasse dificuldade de aceitação e resposta por parte de membros da Igreja, e até de pastores.

Mas o quadro está mudando. Aliás, de acordo com as informações do Pastor Arnaldo Enriquez, diretor de Mordomia Cristã da Divisão Sul-Americana, a mudança já é uma realidade, embora ele planeje maiores avanços ainda. “Nossa primeira tarefa, na DSA, foi reavivar a Mordomia. Reconstruímos os fundamentos. Continuaremos avançando”, diz ele.

O Pastor Enriquez tem 40 anos de pastorado exercido como distrital, diretor de Mordomia, presidente de Campo, e está na Divisão Sul-Americana, desde julho de 1995, depois de liderar a Mordomia Cristã na União Peruana. Durante uma semana de oração, realizada na Casa Publicadora Brasileira, ele concedeu à revista Ministério a seguinte entrevista.

Ministério: Qual é a sua definição de Mordomia?

Pr. Enriquez: Mordomia Cristã é um novo estilo de vida em Cristo Jesus.

Ministério: Quando e com que objetivos esse estilo de vida foi departamentali-zado?

Pr. Enriquez: O Departamento de Mordomia foi instituído em 1967, com o objetivo de introduzir um novo sistema para desenvolver as finanças da Igreja. De-pois de aproximadamente dez anos, esse conceito foi ampliado, passando a abranger outras áreas da vida. Mas, inicialmente, o principal objetivo era o desenvolvi-mento da Igreja, numa época em que não se tinha orçamentos para aquisição de terrenos e construção de templos; havia uma necessidade muito grande. Então deveriam ser desenvolvidas atividades espirituais que, entre outros resultados na vida das pessoas, também captassem recursos para o desenvolvimento da Igreja.

Ministério: Parece ter havido, inicialmente, alguma dificuldade para a consolidação desse Departamento. Como o senhor o avalia atualmente?

Pr. Enriquez: Acho que o Departamento de Mordomia sempre esteve muito bem, desde o seu início até o ano de 1985. Na verdade, um departamento necessita de dez a vinte anos para se afirmar. Mas, depois de 1985, a Igreja mundial começou a pensar na fusão de todos os departamentos num só. Com base em pesquisas realizadas no mundo inteiro, foi então criado o Departamento de Ministérios da Igreja, DMI, que abarcou todos os demais setores, como Escola Sabatina, Ação Missionária, Mordomia, Jovens Adventistas, Lar e Família; deixando à parte Educação e Evangelismo. Esse novo enfoque foi obedecido por 90% da Igreja. Aqui no Brasil, não houve muito êxito. Mas as Uniões hispanas estavam todas envolvidas nesse sistema. Foi então que a Mordomia começou a enfraquecer, quase se extinguindo totalmente. Mas, a partir de 1995, a Associação Geral decidiu devolver à Mordomia a estrutura de um departamento, acabando com o DMI.

Ministério: Então está plenamente consolidado.

Pr. Enriquez: Não, ainda não. Porque os anos de queda estragaram mesmo, não apenas a liderança leiga, mas também dos pastores. Durante esse período, não houve formação de líderes para esta área; foi um tempo de recessão.

Ministério: O objetivo inicial, ligado a finanças e patrimônio, como o senhor mencionou, não explica também as dificuldades de avanço e até resistência por parte de algumas pessoas?

Pr. Enriquez: Acho que sim. Durante anos, estivemos colhendo os frutos dessa semeadura. Alguns irmãos começaram a reagir, os pregadores de Mordomia orientavam muito enfaticamente na direção das finanças, com uma força de cobrança. Havia uma certa desmotivação por parte dos líderes, surgiu uma espécie de preconceito contra o assunto.

Ministério: Qual o centro do novo enfoque?

Pr. Enriquez: É bom esclarecer que não queremos eliminar tudo o que foi feito no passado. A questão é colocar as coisas em seu devido lugar. Agora, o assunto é apresentado mais holisticamente, pois, de fato, ele envolve todo o ser. A principal dificuldade da Mordomia é que o egoísmo es-tá no coração humano, penetrou, afirmou-se e se espalhou nas igrejas. A razão pela qual o dízimo não é devolvido, a oferta não é trazida, os talentos não são empregados na missão, e o próprio corpo é mal-administrado, é o egoísmo. O desejo de administrar a vida segundo a própria vontade e apenas para satisfação pessoal, faz o homem retrair-se e reter; desconfiar da liderança. Se o problema do egoísmo existe, a única solução é a recepção de Cristo e do Espírito Santo na vida. Então a única coisa que podemos e devemos fazer é oferecer Cristo e o Espírito Santo para nossos ir-mãos, a fim de que operem a transformação que desejam efetuar, produzindo os frutos do altruísmo, da renúncia e abnegação de si mesmo, do desejo de participar com dízimos, ofertas, envolvimento pessoal, sábio emprego do tempo e preservação da saúde. Uma pessoa que direciona a mente para Cristo e o Espírito Santo terá o desejo de ser fiel a Deus em todas as coisas. Com a motivação correta, cristocêntrica, espiritual, sem o sentido de cobrança. Essa pessoa faz de Cristo o Senhor de sua vida. Aí não existe espaço para o egoísmo.

Ministério: Que estratégias o senhor tem para implantar esses conceitos na mentalidade humana tão secularizada dos dias atuais?

Pr. Enriquez: Vou lhe dizer uma coisa: existem duas classes de membros na igreja. A primeira é composta por membros revoltados, aqueles cuja fé foi enfraquecida e por alguma razão estão revoltados. Ainda não saíram da igreja, mas vivem amargurados, falam contra o dízimo, desconfiam de tudo e de todos. Parece que estão em rebelião contra Deus e projetam isso contra a liderança. Esses não serão dizimistas, a menos que sejam convertidos novamente. A outra classe é um grupo muito grande de ir-mãos que estão acomodados porque não receberam a instrução correta, prática, antes do batismo. Pecam por ignorância. Necessitam de educação, instrução. De forma que, ao mundo materialista como é o nosso hoje, nada é mais poderoso que a apresentação de Cristo e o Espírito Santo, para que convertam os corações. Em seguida, devemos ensinar claramente, com base espiritual, os requerimentos divinos. Esse enfoque não dispensa a ênfase nas áreas do tempo, talento, templo e tesouros. A elas acrescentamos a ênfase no senhorio de Cristo e na submissão ao Espírito Santo.

Ministério: O senhor acha que deve ser sugerido um percentual para as ofertas, ou isso deve ser deixado a critério do doador?

Pr. Enriquez: Bem, isso faz parte do antigo sistema de pacto, que não pretendemos descartar. Se falarmos contra ele, acabaremos confundindo tudo. Os irmãos que o praticam devem continuar a fazê-lo. Outros que dão suas ofertas e não sentem necessidade de se ajustarem a um percentual, também não devem se preocupar em fazer o contrário. Uma coisa, entretanto, deve estar clara: o conceito de pacto tem origem no Antigo Testamento, com as ofertas proporcionais, e também é mencionado nos escritos de Ellen White. Portanto, não estamos contra esse sistema; da-mos completa liberdade aos irmãos. Mas, acredito que chegará o tempo em que a Igreja deverá pronunciar-se quanto a um percentual unificado.

Ministério: Antigamente o processo de implantação do programa de Mordomia numa igreja, parecia muito burocrático. Há mudanças também nesse aspecto?

Pr. Enriquez: O princípio ainda existe. E esse é que cada igreja faça seu orçamento, seu planejamento de trabalho. Os membros também devem estar informados sobre o movimento de entradas e saídas, através de reuniões administrativas. Tudo isso permanece. O que nós estamos fazendo é resumir o processo e torná-lo mais prático. Há três coisas que não podem ser descartadas: o orçamento, o planejamento de trabalho e a transmissão clara de informação aos membros, através de reuniões administrativas. Senão a coisa vira anarquia. Os princípios devem ser mantidos, mas a forma pode ser ajustada às realidades de cada igreja, de maneira que tudo resulte prático.

Ministério: O que motivou a escolha de 1998 como o ano de ênfase especial aos dízimos, na Divisão Sul-Americana?

Pr. Enriquez: O problema é o seguinte: muitos Campos começaram a sentir dificuldades com entradas de dízimos. Embora batizassem muitas pessoas, os dízimos permaneciam como que estagnados. Algumas Uniões tinham acréscimo anual de quinze, vinte mil novos membros, mas os dízimos não cresciam. Isso indica que não houve suficiente ensino sobre o assunto. Um dos papéis da Mordomia é a instrução, a educação do povo. Por isso a escolha desse ano como sendo o da ênfase sobre este aspecto da vida cristã.

Ministério: Dentro da amplitude da Mordomia, enfatizar o dízimo não é cair no antigo problema de destacar o lado financeiro?

Pr. Enriquez: Estamos enfatizando neste ano o sábado também. São duas áreas da Mordomia: tesouro e tempo. Mas no ano passado focalizamos os talentos: e 1999 será o ano da ênfase na mordomia do corpo. Nosso enfoque se parece com a mensagem dos três anjos do Apocalipse. O primeiro anjo faz soar a trombeta e não pára. Enfatizar um aspecto num determinado ano não significa que não continuamos a fazê-lo. Para o próximo ano, já temos material produzido para uso dos líderes de Mordomia.

Ministério: Há indicadores de problemas também quanto à guarda do sábado, para que fosse incluída nessa ênfase especial?

Pr. Enriquez: Sim, e a questão é a mesma do dízimo. Temos batizado muita gente que não pratica a doutrina, ou não foi devidamente instruída. Aceita a veracidade dela mas não pratica. Especialmente nas grandes cidades, com a agitação da vida moderna, o problema se agrava. Há dificuldades com o início e fim do sábado, tipo de lazer, etc. Às vezes, acontece que a pessoa recebeu a doutrina, mas não teve tempo de se acostumar colocando-a em prática, antes do batismo. Numa série de conferências, por exemplo. Ninguém recebe mais instrução doutrinária como as pessoas que assistem a uma série de conferências públicas. E instrução de qualidade, com o melhor equipamento, uma equipe gabaritada, material impresso. Mas recebem a doutrina do sábado numa semana, e na outra já estão batizadas. Aí reside minha preocupação maior.

Ministério: O conceito de que dizimar está relacionado com o recebimento de bênçãos; e ofertar, com sacrifício, não inspira uma espécie de barganha e justificação por obras?

Pr. Enriquez: Quando um membro da igreja compreende o senhorio de Cristo em sua vida, deixa de fazer barganha. Devolverá dízimos e doará ofertas por princípio, o princípio do amor a Deus; não por compulsão.

Ministério: Há pessoas que aplicam o dízimo por sua própria conta, pagando, por exemplo, obreiros bíblicos voluntários.

Pr. Enriquez: Isso é uma deformação, um desvio que não pode ser aceito pela Igreja. Há, sim, quem faça isso. Alguns irmãos de uma determinada região enviam os dízimos para outras a fim de manter obreiros.

Ministério: Campos mais pobres deve-riam recusar dízimos que recebem de irmãos que moram em Campos mais abastados?

Pr. Enriquez: Eu acho que eles nunca vão fazer isso. O que a Igreja deve fazer é continuar recomendando e aconselhando a que devolvam seus dízimos em sua própria igreja. Mas ninguém pode fiscalizar.

Ministério: Há aqueles que não devolvem dízimos nem participam com ofertas, argumentando que os administradores da Igreja fazem muitos gastos supérfluos, como construção de edifícios suntuosos, ao passo que certas regiões não têm um pastor distrital.

Pr. Enriquez: Esses irmãos estão errados. Ellen White assegura que ninguém pode desviar o dízimo do princípio para o qual foi estabelecido. Nossa responsabilidade, como pastores e líderes, é não dar lugar para suspeitas, nem deixar que o desvio aconteça. O conselho é que mesmo que alguém tenha desconfiança sobre a aplicação do dízimo, deve chegar ao líder e falar de maneira clara, cristã, amadurecida, adulta, sobre o assunto. O que não deve é encontrar nisso uma justificativa para desviar o dízimo noutras direções.

Ministério: O Manual da Igreja menciona que o dízimo não é prova de discipulado. Como devemos entender isso, sendo que um dos requerimentos do novo membro adventista é que seja dizimista?

Pr. Enriquez: Em algum tempo, alguns membros da igreja começaram a deformar o conceito de fidelidade, transformando-o num negócio, sem levar em conta a conversão da pessoa. A declaração, lamentavelmente, tem sido usada para que alguns se acomodem à condição de não dizimistas, ou descuidem na instrução aos interessados que chegam para a igreja, o que é bastante perigoso. Infelizmente, tenho encontrado também muitos casos de pessoas ocupando cargos nas igrejas sem serem dizimistas. E nos seminários que dirijo tenho sido tão claro e enfático, que alguns pastores têm reconhecido humildemente a necessidade de mais firmeza nessa questão. O princípio do dízimo está bem claro na Bíblia, que é nossa principal regra de fé e prática. Eu creio que em algum momento a Igreja deverá definir mais amplamente esta expressão do nosso Manual.

Ministério: Segundo o antigo sistema de implantação da Mordomia, quando uma igreja entrava no plano, estavam eliminadas as campanhas especiais de arrecadação de fundos para qualquer coisa. Que acha disso?

Pr. Enriquez: Arrecadações especiais de fundos sempre existiram. Compra de equipamentos e instrumentos para a igreja local deve estar incluída no orçamento. Mas campanhas em favor das necessidades do Campo tendo em vista, por exemplo, construção de capelas, ou algo semelhante, são válidas. O que sugerimos é que um irmão, à parte das ofertas regulares e sistemáticas mensais ou semanais, separe algo para o projeto especial do Campo também. Veja bem, é algo especial, não comum, assim como aconteceu nos dias do Antigo Testamento. O povo de Israel já dava um segundo dízimo, mas quando foi construído o santuário, Deus pediu uma oferta especial. E o povo deu.

Ministério: Como o senhor avalia seu trabalho desevolvido até aqui, à frente do Departamento de Mordomia, em relação às metas propostas?

Pr. Enriquez: Nossa primeira meta foi reavivar a Mordomia nas igrejas. Nós a encontramos forte em algumas Uniões brasileiras, mas nas hispanas estava esquecida. Com a ajuda de Deus, depois de realizar 24 seminários, cada um assistido por aproximadamente 40 pastores, podemos dizer que a situação mudou consideravelmente. São seminários que unem teoria e prática. Reunimos os pastores de um Campo numa cidade, durante nove dias. Pela manhã, ministramos aulas para eles. À tarde, saímos para o trabalho de visitação pastoral; e, à noite, acontecem as reuniões na igreja. Se a cidade tiver mais de uma igreja, todas elas receberão um pastor que pregará à noite e fará o trabalho de visitação. Tanto o povo aprecia, como o pastor também é beneficiado, especialmente porque mui-tos, lamentavelmente, perderam o costume de visitar os membros. Então esse hábito é resgatado. Acredito que, durante esses seminários todos, chegamos a visitar entre sete e oito mil famílias.

Ministério: Como tem sido a resposta a esse processo?

Pr. Enriquez: Tanto faz se uma região é abastada ou carente, a resposta é uma só: positiva. Aceitação total. Mas algumas coisas realmente marcam. A primeira delas é a empolgação dos pastores. Para mim, isso é gratificante, porque no início a posição é de desconfiança. Depois, há o testemunho dos oficiais e membros das igrejas. Eles se revelam beneficiados, e mostram disposição e decisão para envolvimento no processo. Tornam-se fiéis na devolução do dízimo e na guarda do sábado, e participativos com seus talentos. Nenhuma igreja que foi envolvida na programação permaneceu a mesma. Em Guaiaquil, Equador, um economista não dava dízimo, havia dez anos. E tinha cargo na igreja. Depois de uma semana, resolveu dar dois dízimos; um deles para ressarcir a falha anterior. Finalmente, há conversões de não-adventistas também. Em Ribeirão Preto, SP, um médico assistiu às programações, examinou a literatura utilizada e, no último dia, deu o seguinte testemunho: “Visitei a igreja adventista pela primeira vez, nesta semana. Encontrei aqui duas coisas: uma mensagem de Cristo para o meu coração, e uma mensagem para o meu bolso. Aceito a Cristo como meu Salvador e Seu plano para minha vida material. Daqui para frente darei os dízimos nesta igreja.”

Ministério: Quais são as suas expectativas para o futuro?

Pr. Enriquez: Temos colocado o fundamento. Nosso trabalho tem sido restaurar nos pastores, administradores e departamentais, o amor e o prazer pela Mordomia. Campos que olhavam com reservas o assunto, agora já nos convidam para realizar seminários. E assim, vamos continuar.

Ministério: Que apelo o senhor gostaria de fazer aos pastores e demais leitores de Ministério?

Pr. Enriquez: Precisamos voltar a Cristo, permitindo que Ele ocupe o trono do nosso coração e da nossa mente, administre nossa vida. Ele pode e deseja tirar todo egoísmo e toda cobiça do nosso coração, operando mudanças memoráveis, tornando-nos mais semelhantes a Ele. É assim que experimentaremos em toda a sua plenitude o gozo de servi-Lo, ofertando-lhe o melhor dos nossos talentos, nosso tempo, nossos bens e nossa saúde; sem mesquinhez. Precisamos, urgentemente, experimentar um reavivamento através de Cristo e do Espírito Santo. Sendo isso realidade em nossa vida, teremos êxito na tarefa de ensinar as maravilhas divinas às nossas congregações.