Nestas terras latino-americanas, de herança eminentemente católica, o povo tem um respeito quase natural pela religião. Nem ó secularismo em voga é capaz de impedir, por exemplo, que milhões de pessoas corram de todas as partes do Brasil para ver e ouvir o papa, no Rio de Janeiro. O sacerdote é visto quase como um deus.
Nós os pastores não somos deuses, nem semideuses; mas podemos ter a certeza de que cada vez que nos levantamos para pregar, as pessoas esperam ouvir a Palavra de Deus. Há muitas pessoas que só aparecem na hora da pregação e, às vezes, esse é o único contato que elas têm com a igreja, sendo também a única oportunidade que o pregador tem para alcançá-las com o evangelho.
No entanto, alguma coisa não está dando certo, porque muitas pessoas acabam voltando para casa frustradas e vazias. A pregação está perdendo poder e autoridade. A mídia de nossos dias ridiculariza o pregador e, em conseqüência, a incredulidade parece tomar conta do povo e a timidez se apodera do prega-dor. Qual é o motivo para a perda de autoridade do púlpito moderno? A revista Christianity Today apresentou, alguns anos atrás, o resultado de uma pesquisa da agência Gallup, segundo a qual os ministros reconheciam a pregação como a primeira entre as suas prioridades, mas, ao mesmo tempo, consideravam que era uma das atividades que temiam não estar sendo bem desempenhada.
Um pregador que não tem certeza da santidade e solenidade de seu ministério dificilmente pregará com autoridade; e, se como diz Philip Brooks, “pregar é comunicar a verdade divina através da personalidade humana”, então o pregador, apesar de humano, deve estar consciente de que ele não é um simples orador e de que sua mensagem não é um simples discurso.
E mais: personalidade é o que o pregador é. Nenhuma personalidade no mundo é igual à outra. Portanto, o pregador precisa ser consciente de que Deus pode usá-lo com autoridade, apesar das limitações que ele possa ter. Com suas características, com seu modo de ser, com sua voz e com sua aparência física.
O ministro será um pregador consciente de sua autoridade, na medida que olhe para Jesus e deixe de olhar para outros pregadores, sendo tentado a sentir-se inferior ou superior a eles.
Preparação
O pregador precisa conhecer-se e aceitar-se como é. Seja você mesmo e peça a Deus que o ajude a desenvolver-se. Nada de procurar imitar outros pregadores, mas aprender deles tudo o que puder. Não fique insatisfeito e reclamando porque não recebeu dons que outros pregadores receberam. Houve um tempo em que eu pensava com meus botões: “Se Deus sabia que eu ia ser um pregador, por que não me deu uma voz mais grave e forte?” Até que um dia um colega se aproximou de mim e disse: “Sabe, Bullón, quando você começa a pregar com essa voz fraca e quebrada, já de início começa a tocar o coração das pessoas.” Nunca eu tinha percebido esse detalhe, mas aí está um exemplo de como são as coisas quando Deus quer usar um instrumento humano para levar Seu evangelho adiante.
A consciência de nossa autoridade no púlpito talvez seja mais clara se observarmos as três palavras mais importantes para definir a pregação, segundo o idioma grego: Evangelizomai, que significa “anunciar as boas novas”; Kerusso, que quer dizer, “proclamar como um arauto”, e Martureo, que significa “ser testemunha”.
Noutras palavras, pregar nada mais é do que anunciar as boas novas, com a autoridade de um arauto que viveu essas boas novas. Diferentemente do arauto que anuncia a mensagem que recebeu, o pregador deve anunciar a mensagem que viveu. Em matéria de pregação, o mensageiro é parte da mensagem. Isso significa que, para existir um pregador com autoridade, Deus tem que inicialmente preparar um mensageiro que, através do estudo pessoal e da experiência, prepare por sua vez a mensagem. Afinal, pregar não é somente o que fazemos; é o que somos. Para preparar um pregador, Deus necessita primeiramente preparar um ser humano.
Martinho Lutero costumava dizer que o que faz um pregador são a oração, a meditação e a tentação. Através da oração, ele procura o poder que vem do alto. Confessa sua insignificância, pequenez e suas limitações, colocando tudo isso a serviço do Mestre. Através da meditação, o pregador recebe de Deus a mensagem de Sua Palavra e as maravilhas do evangelho que a humanidade precisa. Mas é através da tentação, isto é, através da vida diária e da experiência, que a mensagem se faz simples e compreensível para os ouvintes.
Tudo o que acontece na vida do pregador, seja bom ou ruim, é parte de sua preparação para apresentar a mensagem de forma humana.
Pouco tempo atrás, preparava-me para a Rede 97. uma semana evangelística transmitida via satélite para vários continentes. Faltando exatamente dez dias para começar o trabalho, comecei a sentir uma dor terrível no estômago. Resisti até onde pude e, finalmente, fui ao hospital para ser submetido a uma cirurgia. Em minha humanidade, pensei que isso atrapalharia a cruzada evangelística, mas estava enganado. Deitado no leito do hospital, li uma frase maravilhosa de Warem Wierske: “As experiências pelas quais nós, os pregadores, passamos, não são acidentes: são compromissos marcados. Elas não interrompem nosso preparo, pelo contrário, são parte essencial dele.”
Ali mesmo e, mais tarde, nas mãos do médico, entendi minha dependência de Deus. Alguns dias depois, saí do hospital. Fraco ainda no corpo, mas poderoso em minha insignificância e dependência de Deus. Agora, sim, estava pronto para iniciar a cruzada evangelística.
Tipos de sermão
Mas a autoridade na pregação não depende apenas da consciência que o pregador tem de sua missão e de seu preparo para desempenhá-la. Também depende da origem de sua mensagem. O que fazer então para que as pessoas se sintam alimentadas com a pregação? Como elaborar um sermão de modo que as pessoas encontrem nele soluções divinas para suas inquietudes humanas?
Os estudiosos de pregação classificam os sermões em vários tipos, dependendo da forma, do estilo, da construção do texto, ou da orientação do conteúdo. Eu quero mencionar apenas os dois tipos mais comuns, e dizer porque um deles é a única resposta para a falta de autoridade que ameaça o púlpito em nossos dias.
O primeiro tipo de sermão é o temático. Como o seu nome diz, ele nasce a partir do tema. O pregador escolhe primeiro o tema, depois busca em sua própria experiência os pensamentos básicos do assunto. Pergunta-se para si: “O que quero dizer para a minha igreja?” Depois, vai à Bíblia em busca de apoio divino para seus pensamentos humanos. O melhor instrumento para conseguir versos bíblicos que dêem sustentação às suas idéias é, geralmente, uma concordância bíblica.
Mas o sermão temático leva muitas vezes o pregador a desrespeitar o contexto. O sermão deixa de ser um sermão e corre o perigo de tornar-se um estudo bíblico preconcebido.
Conta-se a anedota de um pregador que queria levar sua igreja a vender livros e revistas missionárias e precisava de um texto bíblico para reforçar seus argumentos. De posse de uma concordância bíblica, procurou a palavra “vender”. Não foi muito difícil achar as palavras de Jesus dirigidas ao jovem rico: “Só uma coisa te falta: Vai, vende…” (Mar. 10:21). Aí estava o verso que ele precisava. Não se importou com o contexto, nem perguntou o que Jesus estava pedindo que o jovem vendesse. Ele simples-mente acomodou o texto à sua intenção de levar a igreja a vender livros missionários, e ainda enfatizou: “Devemos vender tudo, inclusive livros e revistas missionárias.”
Na pregação temática, o pregador nem sempre parece preocupado com o texto, com a mesma intensidade com que se preocupa com o tema. É o tema o que interessa. A Bíblia somente é usada para reforçá-lo. Esse tipo de pregação não tem muito poder, porque as idéias básicas do sermão não nascem na mente divina, nem são tira-das do texto bíblico. Podem ser idéias muito boas, bem-intencionadas e espirituais, mas nascem na mente do pregador e, por-tanto, carecem da autoridade divina.
O sermão poderoso e que dá autoridade ao pregador é o sermão que sai da Palavra de Deus. Os estudiosos o chamam de sermão textual, bíblico ou expositivo. Andrew Blackwood, famoso professor de homilética, define inúmeras variações do mesmo. Ninguém precisa conhecer tudo isso para ser um pregador poderoso. Basta saber que esse é o tipo de pregação que Deus quer que seja utilizado. Quando Pau-lo aconselhou o jovem Timóteo, foi categórico: “Prega a palavra…”
Para preparar um sermão bíblico, o pregador precisa ir à Bíblia, com humildade e despojado de suas idéias preconcebidas. Deve, em espírito de oração, abrir o texto bíblico e analisá-lo inicialmente no seu contexto histórico. Quem escreveu isto? Para quem o escreveu? E, finalmente, a grande pergunta: O que Deus está querendo dizer para mim, hoje, nesse texto? Como pode ele ajudar-me a solucionar meus problemas cotidianos, no trabalho, na família e na minha vida pessoal? Se o texto tiver uma resposta para o pregador, certamente terá também para os seus ouvintes. Se ele não diz nada, esteja certo, também não dirá coisa alguma para a congregação. Não se atreva a pregar sobre um texto que não respondeu aos seus anseios pessoais, por mais que o tema lhe pareça extraordinário.
Trabalhando com o texto
Existem muitos pregadores que consideram difícil elaborar e pregar um sermão bíblico, e acho, particularmente, que o problema está nos muitos tratados de pregação expositiva que foram escritos. A ver-dade é que a técnica é boa, mas o tecnicismo destrói a beleza e estraga a naturalidade das coisas. Não se desanime ao ler um livro técnico sobre pregação expositiva. Tome o que é básico e o adapte à sua personalidade. Coloque seu estilo. Aplique sua própria experiência e crie seu modo pessoal de pregar. Se sua personalidade não brilhar através de sua pregação, você não passa de um robô. Poderia ser substituído por uma fita cassete e talvez ninguém o percebería.
Levei muitos anos para entender isso. No início do meu ministério, tentava seguir passo a passo todas as técnicas aprendidas nos livros. Levantava-me no púlpito, lia o texto e quando começava a fazer o que os mestres chamam “análise do texto”, as pessoas dormiam, bocejavam, olhavam para o relógio, e as crianças se mostravam impacientes. Aquilo me desanimava. Algo devia estar errado, mas eu estava seguindo o que aprendera nos tratados de pregação expositiva.
Certo dia, depois da pregação, um homem me abraçou chorando e disse: “Pastor, por favor me ajude. Ore por meu filho. Já não sei mais o que fazer com ele. Há muitos anos, quando ele nasceu, minha esposa e eu o apresentamos ao Senhor, nesta mesma igreja; sonhávamos vê-lo crescido e útil a Deus. Mas hoje ele está no leito de um hospital porque foi atingido numa troca de tiros com a polícia.” Acho que foi aí que Deus me despertou. Eu tinha diante de mim um pai desesperado, que não sabia mais o que fazer para resgatar o filho que afundava no pecado. Aquele homem tinha ido à igreja esperando alguma solução divina para sua desesperada situação, e eu, o pregador, tinha gasto os 15 minutos iniciais do meu sermão descrevendo como era a geografia do Mar Morto, a densidade de suas águas e a história das guerras de Israel.
Hoje, não gasto mais tempo fazendo uma análise fria do texto. Entro na aplicação desde o início. A análise vai entretecida na aplicação, ou a aplicação na análise, tanto faz. Mas as pessoas permanecem atentas o tempo todo. Ao longo do ser-mão, vou apresentando dados da análise relacionadas diretamente com aplicações para a vida diária dos ouvintes, e isso tem dado muito resultado. Diria mais, creio firmemente que um sermão expositivo, puro no aspecto técnico, tem lugar quando pre-gado para um grupo de pastores, professores e alunos de teologia, mas não para a grande multidão que é formada pelas pessoas que nos ouvem pregar semanalmente.
Não se atreva a pregar sobre um texto que não respondeu aos seus anseios pessoais, por mais que o tema lhe pareça extraordinário.
Na vida diária de um pregador, isso pode funcionar como a receita de um prato e o prato em si. A receita pode dizer uma coisa, mas a experiência diária ensina ao chefe a criar suas próprias variantes, e aí está a grande diferença. Tenha sempre presente que, na elaboração do sermão, a vida e a experiência diária o levarão a criar seu próprio estilo e técnica.
Muitos jovens pastores me perguntam como preparo meus sermões. Em minha vida, tenho dois momentos de estudo da Bíblia: o devocional e o profissional. Nos momentos de devoção pessoal, abro o livro sagrado para alimentar-me. O Senhor é o meu pastor e eu sou a ovelha. Peço-Lhe que me leve aos verdes pastos de Sua Palavra, tento achar respostas para a minha própria vida como ser humano, co-mo esposo e pai; tento buscar jóias pre-ciosas no garimpo da Palavra divina, jóias que tragam ânimo e coragem para a minha vida diária.
Às vezes, nesse estudo, encontro uma passagem da qual imagino que poderia sair um sermão. Então, anoto-a num papel, à parte, e continuo com minha devoção pessoal.
Meu estudo profissional da Bíblia é outra coisa. Nele, tomo a passagem que anotei antes e começo a trabalhar com ela. O primeiro passo que dou é ler o capítulo inteiro e, às vezes, os capítulos anteriores e posteriores. Isso me dá uma visão do contexto. Pode haver ocasiões em que é necessário ler o livro todo, como no caso de Jonas.
Depois, tomo um papel e anoto as idéias homiléticas que o texto forneceu. Esse é um processo que pode levar dias, semanas, meses e até anos. É o caso da passagem de Gênesis 1:1 a 3, por exemplo, sobre a qual ainda não preguei, mas estou trabalhando há muito tempo. Nesse segundo passo, vou acrescentando em cada período de estudo uma ou duas idéias homiléticas, até chegar o momento em que tenho a impressão de que a mina se esgotou. É aí que, num terceiro passo, busco os escritos de Ellen White. Leio todos os comentários que ela fez sobre o texto em consideração, o que me ajuda a acrescentar algumas idéias mais.
O quarto passo é investigar os comentários bíblicos. Às vezes, esse é um momento doloroso, porque, à luz dos comentários, percebo que muitas idéias homiléticas que eu havia encontrado não têm sustentação teológica. Então, por mais extraordinárias que me pareçam, deixo-as de lado.
Depois de todo esse processo, fico com as idéias que formarão a estrutura de meu sermão. Escolho apenas quatro delas, dependendo da orientação que o Espírito de Deus me inspira para o tema. O estudo do texto me proporciona, às vezes, até 20 idéias homiléticas, mas sempre escolho apenas quatro. As outras me ajudarão a pregar sermões com outras orientações, partindo do mesmo texto.
Hoje, quando volto os olhos para trás, tenho de agradecer a Deus pela maneira maravilhosa como tem me guiado no ministério de Sua Palavra. Recebo centenas de cartas que expressam gratidão a Deus em virtude da mudança operada na vida de muitas pessoas. Sei que a transformação experimentada é fruto da pregação com autoridade, utilizada como um poderoso instrumento nas mãos de Deus para alcançar esses indivíduos.
Como pastores, necessitamos continuar permanentemente crescendo no bendito ministério da pregação.