Faz algum tempo, deparei-me com uma declaração de Ellen G. White, a qual me impressionou de maneira muito forte. Descrevendo uma classe de reunião social que se realizava em Battle Creek, envolvendo pessoas crentes, ela registra o seguinte comentário: “Um estava assentado a um instrumento musical, e tocava músicas que fizeram os anjos observadores chorarem.” (Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélicos, pág. 83).

É certo que a situação descrita no texto é apenas um ajuntamento social e não uma reunião de caráter espiritual; mas é verdade também que as pessoas que ali estavam reunidas não eram outras que não “os que professam crer na verdade”, para usar suas próprias palavras.

Todos sabemos que existem músicas boas e más; sacras e profanas, espirituais e sensuais, divinas e satânicas. No entanto, imaginar alguém que professa crer na verdade executando música que motiva o pranto nos anjos, leva-nos a concluir que a linha divisória entre o divino e o maligno, nesse assunto, pode não ser tão clara e evidente como às vezes imaginamos. É demasiado sutil para ser subestimada. Às vezes, quase impossível de ser discernida.

Ao ler o comentário citado, de repente, minha mente começou a divagar. Observei-me a mim mesmo assentado a um piano, num culto sabático, acompanhando os serviços de adoração. Contemplei-me imaginariamente participando do louvor que solistas e grupos vocais apresentavam, e pelos quais eu era em grande parte responsável; por tê-los ensinado e por haver escolhido o repertório a ser executado. Seriam aquelas músicas, realmente, um louvor a Deus? Estariam os anjos observadores agradando-se da melodia, da harmonia, do estilo e do ritmo apresentados? Ou meu modo de tocar, minha maneira de conduzir o que eu sempre considerei “louvor”, faziam “os anjos chorarem”?

Como pastores precisamos buscar tornar o culto uma experiência espiritual real. Para os adoradores, um encontro com Deus. Mas será que tal experiência não estaria sendo grandemente prejudicada em nossas congregações, talvez até anulada, pela maneira como o povo é orientado a cantar, ou o modo como os tecladistas tocam seus instrumentos, pelo espírito com que o louvor é executado, pela maneira com que os músicos se relacionam entre si e pelo motivo pelo qual cantam?

“O cântico faz parte do culto a Deus, mas a maneira descuidada em que freqüentemente é dirigido, nem é uma recomendação para a verdade, nem uma honra para Deus”, diz Ellen White (Review and Herald, 24/07/1883). E mais: “A música pode ser um grande poder para o bem; contudo não tiramos o máximo proveito dessa parte do culto.” (Evangelismo, pág. 505).

Tenho a impressão de que esses dois pensamentos são suficientes para abrir-nos os olhos para a realidade de que as coisas podem não estar tão bem, como às vezes imaginamos, no aspecto musical da liturgia em nossas igrejas.

Adoração

A agitação e a superficialidade que caracterizam o homem moderno, acrescidas da tecnologia que materializou muitos sonhos que antes não passavam de fantasia, fizeram da existência humana uma experiência extremamente sensual e materialista, que obliterou na mente de muitos a percepção do verdadeiro objetivo e da razão primordial do culto.

É possível que ao ser feita a pergunta: “Por que razão uma pessoa deve ir à igreja?”, sejam ouvidas respostas como: “porque é agradável”, “porque fomos ensinados e nos acostumamos a fazer assim”, “para ouvir um sermão”, ou “para apreciar belos cânticos, artisticamente apresentados”. Essas respostas, na verdade, não são inverídicas em si mesmas. Porém, seriam esses os únicos motivos que deveriam nos conduzir à reunião de culto?

“Para a alma crente e humilde, a casa de Deus na Terra é como que a porta do Céu. Os cânticos de louvor, a oração, a palavra ministrada pelos embaixadores do Senhor, são os meios que Deus proveu para preparar um povo para a assembléia lá do alto, para aquela reunião sublime à qual coisa nenhuma que contamine poderá ser admitida”, (Testemunhos Seletos, vol II, pág. 193).

Sendo assim, o culto legítimo deve atingir toda a personalidade, como diz o salmista: “Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e tudo o que há em mim bendiga ao Seu Santo nome” (Sal. 103:1). Quer dizer, todo o ser – intelecto, emoções, vontade.

Ao analisarmos as referências bíblicas sobre adoração, encontramos os pontos básicos da experiência autêntica de culto. Para esses pontos deve apontar cada uma das partes componentes do serviço de adoração.

O profeta Isaías (6:1-8) apresenta cinco itens do culto que jamais podem ser desconsiderados. São eles:

A revelação de Deus, Sua grandiosidade, Seu poder, e o louvor como resposta humana (Isa. 6:1-3).

Reconhecimento e confissão da pequenez e pecaminosidade humanas (Isa. 6:5).

O perdão divino e a purificação da culpa (Isa. 6:7).

A exortação de Deus e o chamado para o serviço (Isa. 6:8).

Consagração ou dedicação, como resultado (Isa. 6:8, últ. parte).

Resumidamente, poderíamos definir os objetivos do culto como sendo o ato de tornar a Deus uma realidade para os adoradores, ajudá-los a crescer nas virtudes cristãs, motivando neles uma resposta de sacrifício e consagração. Tudo isso resulta em um novo estilo de vida. No processo de buscar atingir esses objetivos, cada um dos elementos do culto exerce um dentre dois papéis: o papel de impressão (sensibilizando a alma com a revelação de Deus), ou o de expressão (a resposta humana ao chamado divino). A música desempenha os dois papéis, o que destaca a sua importância no conjunto da adoração.

Muitas vezes, atribui-se ao sermão o principal lugar no culto. Embora seja de fato importantíssimo, deveríamos observar que ele é apenas parte de um conjunto que abrange leitura das Escrituras, cânticos, orações, ofertas, etc. Logo, tanto o conteúdo como as pessoas, seu estilo de vida, seu comportamento, a maneira como desenvolvem a parte que lhes cabe, têm importância tão grande como aquilo que se refere ao sermão e ao pregador.

Expressão

Eis a função principal da música no culto: expressar a Deus os nossos sentimentos, anseios, nossas súplicas e confissões. Nesse sentido, a participação da congregação jamais deveria ser olvidada ou subestimada. É certo que corais, conjuntos ou solistas podem apresentar um louvor mais artístico. No entanto, o canto congregacional deveria ter sempre a primazia nos serviços de adoração.

Ainda dentro dessa moldura, é bom lembrar que se o louvor é uma resposta de gratidão ao Criador, nunca deveria ser sombrio, melancólico, humanístico. Deveria, antes, irradiar o amor e a alegria celestiais. Como lembra Ellen White, “Não firais uma nota dolorosa; não canteis hinos fúnebres” (Carta 311, 1905). É lamentável que em muitas igrejas o cântico congregacional mais pareça um fardo que tem de ser duramente arrastado.

A maneira em que o louvor é realizado e os motivos que nos movem a fazê-lo são duas coisas igualmente importantes. As palavras podem ser piedosas e alegremente cantadas; se, porém, os motivos impelentes não o forem, o cântico será a expressão de hipocrisia e fanatismo. Embora somente Deus conheça os verdadeiros motivos da alma, cabe a pergunta: Quais são os motivos que nos levam a cantar, como igreja ou grupos vocais? Gratidão? Desejo de louvar a Deus? Ou vaidade pessoal? Cantamos para revelar Cristo ou exibir a afinação e a harmonia de nossas vozes? Qual a lembrança que perdura quando cessam os acordes? A profundidade, a urgente importância da mensagem, ou a beleza do vestuário, a arte das vozes e arranjos, a potência e modernidade dos equipamentos de som?

Se o cântico não for motivado por ardente amor e desejo de exaltar a Cristo e expressar-Lhe gratidão, mesmo que seja incrivelmente belo e artístico, não é louvor. É show, concerto secular, ou qualquer identificação que se lhe queira dar. É próprio para qualquer lugar, menos para a igreja.

Impressão

Como meio de impressão, a música cria a atmosfera própria para a adoração. Atuando sobre o sistema nervoso, “ela pode criar climas diversos e estabelecer as atmosferas mais diferentes, quer seja de alegria, júbilo, tristeza, paz, majestade, etc., e muitas vezes apenas ambiente devocional, se for própria para isto”, de acordo com João Faustini (Música e Adoração, pág. 20).

Caso não haja discernimento na seleção das músicas que servirão como prelúdios, cantos congregacionais ou apresentações especiais, o efeito do culto sobre os adoradores poderá desvirtuar-se completamente. Mesmo desacompanhada da letra, a música exerce impressão sobre o indivíduo. Se for realmente sacra e devidamente executada, despertará devoção, ainda que as palavras não existam ou não sejam totalmente compreendidas.

Há três elementos básicos na música: melodia, harmonia e ritmo. A melodia apela às emoções; a harmonia, ao intelecto; e o ritmo, aos músculos. Qual desses três elementos deveria predominar na música do culto? Caso predomine apenas a melodia, nossos cânticos serão puramente emocionais. E religião não é apenas sentimento. Se for salientada a harmonia, em detrimento da melodia e do ritmo, teremos uma música racional, porém demasiado fria, que não toca o coração nem a alma. Se destacarmos o ritmo, a música será sensual, carnal; portanto, imprópria.

A música somente é espiritual e apropriada como meio de impressão no culto, quando nela existe equilíbrio entre melodia, harmonia e ritmo. Nenhum aspecto deve sobressair aos demais, pois assim acontecendo, ela deixa de transmitir uma mensagem ao homem todo, privando-o de sua influência transformadora. Diz a Escritura: “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma, e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (I Tess. 5:23).

Johann Sebastian Bach costumava colocar na parte superior de suas partituras as iniciais S. D. G. – Soli Deo Gloria, isto é “somente para a glória de Deus”. No culto esse deve ser o objetivo primordial da música: impressionar a alma com a glória de Deus, preparar o coração para que responda com o seu louvor e sua adoração às amoráveis e majestosas demonstrações da divindade. A música somente poderá cumprir tais propósitos se for como o próprio Deus, apresentando vislumbres e características do Seu caráter.

Deus é Santo (Lev. 19:2). A música deve inspirar santidade. Santo é aquilo que é separado para um propósito sagrado. Por isso, a música do culto não deveria lembrar em nada as canções seculares, quer seja no ritmo, na melodia, na harmonia, ou no estilo.

Deus é amor (I João 4:8). A música deve despertar nos adoradores reações de amor a Deus e ao próximo.

Deus nem sempre Se identifica com manifestações explosivas. Também revela-Se com uma voz mansa e delicada (I Reis 19:12). A música que revela Deus aos adoradores é sóbria, mansa e delicada como Ele.

Deus é poderoso (Sal. 50:1). A música do culto deve ser poderosa sobre a razão e os sentimentos dos adoradores.

Deus é piedoso (II Crôn. 30:9). Igualmente deve a música do culto tornar os ouvintes mais piedosos.

Deus é Espírito (João 4:24). Assim, a música de culto deve apelar antes ao espírito que à carne.

Deus é puro (I João 3:3). Semelhantemente, a música do culto deve ser pura como ele é puro. Em suas raízes, harmonia, idéias, execução, identidade e seu estilo.

A música que não é como Deus não serve para aproximar-nos de Deus, não devendo, portanto, ter lugar no culto a Deus. Esse assunto não é uma questão apenas de preferência, mas de princípios.

Carlos Roberto Alvarenga, Pastor distrital em Bauru, SP