A Igreja Adventista do Sétimo Dia possui um conjunto de doutrinas características, solidamente alicerçado na Bíblia, a Palavra de Deus. Essa marca foi evidenciada desde os seus primórdios, quando os pioneiros se reuniam desprovidos de preconceitos, em humildade e oração, para o estudo das Escrituras. Guilherme Miller foi um exemplo notável desse modo de agir, ao descobrir as verdades do santuário, munido apenas de uma Bíblia e uma concordância. Apesar das dificuldades iniciais, a luz do conheci-mento foi brilhando pouco a pouco, até se fazer dia perfeito.

Mais tarde, a manifestação do dom de profecia através de Ellen White representou mais uma prova da direção divina em relação ao movimento, e um precioso auxílio do Céu na consolidação de suas crenças. Em meio às idas e vindas que a passagem do tempo possibilitou, necessitamos da segurança provida pelo fundamento inicial do adventismo. Especialmente agora, quando estamos às portas da concretização da esperança que motivou seu nascimento: a volta de Jesus.

Para falar sobre inspiração bíblica e lide-rança profética, Ministério entrevistou o Dr. Teófilo Ferreira, durante o Concilio Ministerial, realizado em julho, no IAE. O Dr. Teófilo é um dos líderes do Patrimônio Literário Ellen G. White (White Estate), localizado na sede mundial da Igreja Adventista em Silver Spring, Maryland, EUA. Ele realizou seus estudos nas Universidades de Jerusalém, Lis-boa e Estrasburgo, e, atualmente, prepara sua tese doutorai na área de manuscritos do Mar Morto. “Eu creio que a lição principal dos manuscritos do Mar Morto é a antiguidade dos documentos dos manuscritos do

Dr. Teófilo Ferreira

Antigo Testamento, documentos que são anteriores àqueles que Jesus usou em Seu tempo e que nos dão a garantia da transmissão do texto bíblico de maneira fidedigna até os nossos dias.” Para ele, “nenhum aspecto menor, quer de ortografia, pequenas lacunas ou contradições de texto, afeta a mensagem de salvação abordada pelas Escrituras. Em nenhum caso, esses detalhes põem em xeque a mensagem de salvação.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

MINISTÉRIO: Quais são as suas atividades no White Estate?

DR. TEÓFILO: O White Estate é o local onde guardamos todos os manuscritos e cartas da Sra. Ellen White. Aí esta-mos organizados em vários departamentos, um dos quais é o Instituto de Estudos Proféticos. Esse instituto tem como objetivo levar a todo o mundo um es-tudo sistemático, metódico, das grandes verdades e dos ensinos dos profetas, apóstolos e da irmã Ellen White. O alvo é mostrar que, ao chamar profetas e apóstolos. Deus lhes deu determinadas mensagens para serem transmitidas. E, mais tar-de, o mesmo aconteceu em relação ao chamado a Ellen White. Quer dizer, a preocupação de todas essas pessoas foi a mesma em qualquer época que tenham atuado. Esse é o ensino que nos propomos a transmitir aos pastores, estudantes de Teologia e às igrejas. É um estudo mais coerente do que pode-mos chamar profecia teológica.

MINISTÉRIO: Sabe-se que, atualmente, há questionamentos sobre a inspiração da Bíblia. Alguns críticos falam de “graus de inspiração”. Fale algo sobre isso.

DR. TEÓFILO: Talvez o problema deva ser considerado de maneira diferente. A Bíblia não nos fala propriamente de inspiração. Ela diz que Deus falou, Deus comunicou, Deus revelou aos profetas a Sua vontade. Se nós aceitamos uma determinada pessoa como profeta, porta-voz de Deus, por razões que são bem claras, então, vamos aceitar o que Deus disse através desse profeta. A mensagem é importante. O mensageiro vê, ouve e transmite segundo sua própria concepção, cultura e mentalidade. E, depois, nós vamos receber tal mensagem através do profeta que é um vaso de barro. Daí, se nós entendermos que os profetas são escolhidos por Deus e não pelos homens, não falamos mais em inspiração; falamos naquilo que Deus quis dar como mensagem a esses porta-vozes, e que valor tem a mensagem para nós. Isso é mais importante do que falar de inspiração, porque quando entramos em inspiração, vamos entrar precisamente no problema dos chamados “graus de inspiração”. Não há graus de inspiração. Devemos querer saber apenas o que Deus disse através de uma pessoa a quem Ele escolheu e a quem chamou profeta.

MINISTÉRIO: Em seus escritos, o apóstolo Paulo afirma: “Isso digo eu, não o Senhor.” Seria uma indicação de que, naquele determinado assunto, ele não recebeu a inspiração divina?

DR. TEÓFILO: Por isso mesmo é que temos de evitar o termo inspiração; para compreender que o importante é o que o próprio Paulo diz de sua experiência como um servo de Deus, chamado por Ele e não pelos homens. O fato de ter sido chamado por Deus para Sua missão é que é importante. Depois, ele é suficientemente honesto para dizer: “o que eu estou ensinando me foi dado diretamente por Deus” ou “o que eu estou ensinando é de minha própria experiência”. Não é uma questão de “graus de inspiração”. No caso específico, Paulo simples-mente dá um conselho pastoral que não é necessariamente produto de alguma visão que ele tenha recebido de Deus, mas isso não coloca em dúvida a inspiração. Nós aceitamos que Paulo foi escolhido por Deus para uma sagrada função. Esse é o ponto fundamental. Agora, vamos ver se o que ele diz corresponde às minhas necessidades, ou não. Ninguém está obrigado a aceitar, embora saibamos que há vantagens em fazê-lo.

MINISTÉRIO: O senhor falou em evitar o termo inspiração. Qual seria a expressão mais apropriada então?

DR. TEÓFILO: Na língua hebraica não há praticamente uma palavra que se ajuste bem a isso. Em grego, na realidade, o termo refere-se mais a “expiração”; ou seja, é mais uma mensagem que sai de Deus, do que uma mensagem que entra no homem.

MINISTÉRIO: Revelação não seria um termo apropriado?

DR. TEÓFILO: É uma expressão análoga, mas não idêntica. Isso porque revelação trata da explicação de uma verdade. Mas, nem toda verdade que Deus dá a um profeta é, necessariamente, uma revelação. Há muitas verdades que são uma revelação, há outras que são cotidianas. Quando Deus diz, por exemplo, “vai à casa de fulano e prega-lhe o evangelho”, como fez muitas vezes nos dias apostólicos, isso não é necessariamente uma revelação. É uma ordem que poderiamos chamar de inspirada porque saiu de Deus. Logo é “expirada” de Deus.

MINISTÉRIO: Como se dá então esse processo de escolha, comunicação da mensagem ao profeta e sua transmissão ao mundo?

DR. TEÓFILO: Deus tem a liberdade de escolher. Não sabemos por que Ele escolheu Abraão, Moisés e outros que não eram santos. Tinham pecado, mas Deus os escolheu. A responsabilidade é de Deus. Agora, nós vamos ver se essas pessoas tinham uma vida coerente em relação com Deus. E se tinham, precisamos ver se isso corresponde àquilo que entendemos como a vida de um profeta de Deus. O que nos interessa é compreender a importância da mensagem que receberam e transmitiram para nós. É assim que eu analiso o trabalho dos profetas e de Ellen White.

MINISTÉRIO: O que realmente significa dizer que toda a Bíblia é inspirada, considerando-se a existência de alguns problemas em certos textos?

DR. TEÓFILO: Há um texto, e efetivamente é o único que diz isso. Mas se verificarmos bem, o termo traduzido como “inspirada” significa mais expirada do que inspirada. Quer dizer, a mensagem é expirada de Deus e entra depois no profeta ou apóstolo, que a recebe como ser humano. Inspiração não é toda mensagem que entra, toda pronta, na pessoa. Ela sai de Deus; e o homem a recebe como ser humano. É possível que o homem a altere ou não saiba explicar bem. Se lermos Ezequiel 1 e 10, veremos duas descrições da mesma visão. Numa há um certo vocabulário; e na outra, um vocabulário diferente. Porque Ezequiel não soube encontrar as palavras exatas. Porque o que ele viu não corres-ponde a nada do que ele descreveu na Terra. A expressão querubim, por exemplo, é usada num capítulo, e no outro ela é substituída pelo termo animais.

MINISTÉRIO: O que envolve, em toda a sua abrangência, a expressão Espírito de Profecia?

DR. TEÓFILO: O conceito de Espírito de Profecia tem sido usado e abusado pela nossa Igreja. Eu penso que nós deveriamos exprimir mais a idéia de Dom de Profecia. A diferença é que o dom de profecia é um dom outorgado por Deus, através dos séculos à Sua Igreja. Não começou com a Sra. White, nem terminou com ela. Enquanto que a maneira como temos usado a expressão Espírito de Profecia, quase isola a irmã White como sendo o Espírito de Profecia. Ora, isso está errado. O dom de profecia não terminou e, por-tanto, não pode ser catalogado apenas com a irmã White.

MINISTÉRIO: Então o senhor acha que o significado da expressão deve ser ampliado para a capacidade de a Igreja entender, interpretar e explanar profecias?

DR. TEÓFILO: Interpretação é outra dimensão. O que significa Dom de Profecia é um dom que Deus pode dar a pessoas de Sua escolha, precisamente para que se tornem seus porta-vozes especiais e diretos. Inclusive a Sra. White. Aliás, sabemos que, mesmo no tempo da Sra. White, Deus escolheu outras pessoas que não aceitaram a responsabilidade. A irmã White foi a terceira escolha.

MINISTÉRIO: Como a Igreja realmente vê o ministério de Ellen White, atualmente? Parece que nos últimos 20 anos essa discussão foi ampliada..

DR. TEÓFILO: Eu não poria 20 anos como referencial. A resposta para essa pergunta depende do que acontece em vários países no mundo. É um fato que em alguns países tem havido uma ponderação diferente em relação aos escritos da Sra. White. O problema funda-mental é sabermos e aceitarmos se Ellen White foi ou não escolhida como profetisa de Deus. Se cremos que foi escolhida por Deus, então vamos aceitar e estudar o que ela diz. Seus escritos e sua mensagem nos ajudam a compreender melhor a Palavra de Deus. Não substituir, não equiparar, mas compreender melhor. Se não foi escolhida por Deus, vamos rejeitar o que ela diz e escreve. Esse é o problema fundamental.

MINISTÉRIO: Seria Ellen White a última palavra para a interpretação de assuntos teológicos, ou seu trabalho é mais de aconselhamento?

DR. TEÓFILO: A irmã White foi chamada num período decisivo e importante da história de nossa Igreja. Ela teve visões que ajudaram a firmar e estabelecer de maneira sólida os princípios doutrinários, e outros, da nossa Igreja. A irmã White nunca introduziu por si mesma nenhuma doutrina que não esteja fundamentada na Bíblia; nem mesmo foi ela a única pessoa que teve a última palavra na aceitação de determinadas doutrinas da nossa Igreja. Ela foi importante na implantação do chamado de Deus para o povo a que chamamos adventista. Ela não foi teóloga, afirma não ser teóloga. Ela sempre foi uma mensageira do Senhor que ajudou o povo a encontrar um caminho certo de interpretação bíblica. Mas nunca impôs coisa alguma, nenhuma doutrina.

MINISTÉRIO: Quando os pioneiros estavam estudando certas doutrinas, lê-se que, em momentos decisivos, uma mensagem da Sra. White definia os rumos. Isso não é ter a última palavra teológica?

DR. TEÓFILO: Eu não sei se podemos dizer que a irmã White tinha a última palavra, em muitos casos. Você sabe que na crise de 1888, e em outras ocasiões, os irmãos nem sempre acataram o que ela disse. Às vezes até rejeitaram. Quando ela foi para a Austrália, por exemplo, isso não significou apenas a necessidade de sua missão naquele lugar, mas uma rejeição de sua presença em determinada época do seu ministério na América.

MINISTÉRIO: Em que sentido Ellen White é uma luz menor?

DR. TEÓFILO: A Sra. White usa as expressões “luz menor” e “luz maior”, como que posicionando-se em relação à Bíblia. A expressão que nos vem das Escrituras é que o Dom de Profecia é uma luz que alumia em lugar escuro. Assim, diriamos que a Bíblia é um livro que tem suas complexidades, lugares escuros, difíceis de ser entendidos. Pedro falou disso. O Dom de Profecia é uma luz que nos ajuda a compreender a grande luz que é a Bíblia, mesmo com suas dificuldades de entendimento. As duas luzes têm a mesma origem. Uma delas nos foi dada para ajudar a ver as grandes verdades contidas naquela que é a luz maior. Se estudássemos a Bíblia justamente como Ellen White aconselha, com profundidade, certa-mente descobririamos luz nos lugares escuros. Mas como o fazemos superficial-mente, mesmo assim Deus em Seu amor e bondade tomou providências para não andarmos no escuro.

MINISTÉRIO: Dizem os críticos que as seitas geralmente centralizam sua atenção e crença numa determinada pessoa. Por isso, em virtude da presença de Ellen White, ainda acusam a Igreja Adventista de ser uma seita.

DR. TEÓFILO: Temos que considerar qual é o objetivo fundamental do cristianismo. O cristianismo não é uma religião baseada em leis e regulamentos. Ela está baseada numa pessoa – Jesus Cristo. Todo cristianismo que saia desse princípio fundamental está em crise. Se há pessoas que influenciam esse cristianismo, como por exemplo, foram os pais apostólicos, no começo da Igreja Cristã primitiva; co-mo foi Lutero, na Reforma; ou a Sra. White, na Igreja Adventista, elas tão-somente ajudam a cimentar os princípios da Igreja, mas de maneira nenhuma pessoas nas quais se centralizam a crença do cristianismo ou de qualquer igreja cristã. Não é por causa de sua presença, mesmo marcante, que a igreja da qual participam deve ser tida como uma seita. A Igreja Adventista está centrada em Jesus, e ninguém mais. Nem mesmo está centrada em princípios doutrinários.

MINISTÉRIO: A Igreja Adventista está inserida numa sociedade complexa, que se defronta com questões difíceis como aborto, eutanásia, e outros problemas de bioética. Existe algum escrito que ajude a encarar tais dificuldades?

DR. TEÓFILO: Se pensamos em ter-mos concretos de aborto, não. Ela não fez nenhuma citação sobre esse assunto. Particularmente creio que tais questões de-vem ser estudadas a partir do princípio bíblico de vida e morte. Mas a aplicação das leis referentes ao aborto dizem respeito mais à problemática médica do que à teológica; embora haja reflexos teológicos do aborto, especialmente o aborto avançado. Com base nos princípios bíblicos e também levando em conta a ética, a Associação Geral preparou um documento sobre a questão, que contém orientações úteis.

MINISTÉRIO: Embora a Sra. White fale sempre contra adornos, freqüência a teatros, ficção, etc., suas orientações nesse sentido são às vezes preteridas em nome da cultura. O que o senhor acha disso?

DR. TEÓFILO: O problema é sabermos se o fato de a Igreja se abster de certas práticas e certos usos é uma questão legalista, baseada na Bíblia, ou na razão pela qual ela foi chamada. Estamos convencidos de que, vivendo nos últimos tempos, e tendo uma missão de preparar o caminho para a segunda vinda de Cristo, missão igual à de João Batista, deve-mos nos abster de certas coisas precisa-mente para que a mensagem possa ser transmitida da melhor maneira possível, e não como um meio de salvação. Pois assim cairiamos no legalismo. Nada disso contribui ou não para a nossa salvação. Mas pode contribuir ou não para a utilização que Deus quer fazer de nós, na tarefa de preparar um povo para a vinda de Jesus Cristo.

MINISTÉRIO: O que o senhor diria a algumas pessoas que ainda mantêm re-servas quanto ao Dom de Profecia no ministério de Ellen White?

DR. TEÓFILO: Esse é um dom outorgado por Deus. Recusá-lo, é recusar a vontade de Deus. Ele é quem decide dar ou não o Dom de Profecia. Cabe-nos estudar se ele vem de Deus ou de outra fonte. Se chegamos à conclusão que ele vem de Deus, temos que aceitá-lo. A Sra. White diz que nada temos a temer quanto ao futuro, a menos que nos esqueçamos a maneira como Deus conduziu Seu povo no passado. Se estudarmos bem a forma co-mo Deus tem dirigido Sua igreja através dos séculos, se tivermos confiança em Sua direção, tal confiança incidirá também no Dom de Profecia. Afinal, essa é uma maneira pela qual Ele nos dirige.

MINISTÉRIO: Sendo privilegiada com esse Dom, como o senhor imagina que a Igreja Adventista deveria se posicionar diante do mundo e de outros evangélicos, atualmente?

DR. TEÓFILO: Eu creio que a Sra. White compreendeu, assim como os pioneiros compreenderam, que esta Igreja foi chamada, não por ser melhor que as outras, não porque seja a única que deve ser salva, mas porque a mensagem que deve transmitir é a última mensagem de advertência e preparação para a volta de Cristo. Se nós não perdermos de vista a razão para a qual fomos chamados, não precisamos temer o futuro. Se olhamos para outras maneiras de proceder e esquecemos a razão do nosso chamado, vamos nos permitir práticas que não representam razão da nossa salvação, mas se constituem obstáculos ao desempenho da nossa missão. Precisamos ser fiéis, pela graça de Jesus.