No sentido filosófico, o pós-modemismo poderia ser resumidamente descrito como “negação da realidade de um mundo unificado como objeto de nossa percepção… Os pós-modemos rejeitam a possibilidade de construir uma única visão correta de mundo e se contentam apenas em falar de muitas visões, e, por extensão, muitos mundos”.1 É um leque de idéias filosóficas, sociológicas, hermenêuticas, históricas, antropológicas e éticas. dos seus postulados fundamentais é a busca de respostas em muitas fontes. Devido suas várias formas, muitos vêem o pós-modernismo como uma ameaça. Outros o vêem como a solução para todos os problemas.2 

Ainda inconscientes do fato de que uma nova era histórica teve início, nós resistimos ao deslocamento da condição humana – uma rejeição pós-modernista contemporânea das mundivisões da civilização ocidental. Ainda resistimos à descentralização do eu (ou descentralização do ego, uma expressão favorita de Foucault e outros pós-modernos) e, portanto, não queremos admitir que entramos na era pós-moderna há muito tempo. 

A ambivalência da chegada do pós-modernismo é também a ambivalência de seu conteúdo. Na verdade, ninguém sabe, finalmente, o que é pós-modernismo. É uma crítica ao modernismo? É uma extensão amadurecida do projeto modernista? E o desenvolvimento de uma nova visão mundial? É tudo isso junto? 

Mentalidade pós-moderna

O pós-modernismo rejeita as premissas do modernismo. Do ponto de vista histórico, é óbvio que uma tendência filosófica é substituída por outra. Michael Epstein afirmou: “O pós-modernismo é o estado de cultura que substitui a nova era e lança ao passado o projeto modernista, cujos fundamentos foram o valor do conhecimento realístico, a ação racional e autoconsciente do indivíduo e a força individual na organização consciente da humanidade.”3 

As características do projeto modernista, descritas por Epstein, pertencem à chamada Era do Iluminismo, na qual a razão prevaleceu através da prosperidade ativa da ciência e da tecnologia. Uma das reações práticas e intelectuais a essa forma de modernismo foi o romantismo do século 19. O século 20 foi caracterizado pelos “ismos” do agrupamento das mais recentes visões do mundo (marxismo, fascismo, positivismo, existencialismo, niilismo, etc.). 

Visto historicamente, o pós-modemismo surgiu no vácuo de todas essas tendências, amadurecendo nos anos 70, quando realmente surgiu, na França, o espaço para suspeição generalizada em relação a racionalismo, progresso e verdade objetiva. O projeto modernista dos “ismos” racionais, a crença geral no progresso da raça humana e a crença em uma verdade objetiva são coisas ultrapassadas, na visão pós-modernista. 

Talvez, a maioria dos cristãos não compreenda a essência do pós-modernismo no sentido filosófico. Aliás, muitos nem mesmo ouviram falar de Foucault, Derrida, Lyotar ou Baudrillard. Entretanto, a igreja vive em um novo ambiente cultural, formado e modelado pela filosofia pós-modernista, ou seja, a pós-modernidade. Trata-se de uma ampla matriz cultural de pensamento e comportamento; um estilo de vida, não simplesmente um conjunto de crenças. Esse estilo de vida – nosso modo de ser, conhecer e agir – é modelado pela televisão, internet e a globalização, entre outros instrumentos. 

Realidades virtuais

Neil Postman afirmou que “a televisão conquistou o status de ‘meta-mídia’ – uma instituição que dirige não apenas nossa compreensão do mundo, mas nossa compreensão da maneira de entendê-lo”.4 Inconscientes dessas pressuposições filosóficas, milhões de pessoas têm experimentado uma transformação em sua maneira de perceber e avaliar a informação. Como disse Jacque Ellul, “a realidade visionária de imagens conectadas não pode tolerar o discurso, a explicação ou reflexão críticos… [a atividade cognitiva] pressupõe uma certa distância, ou afastamento, das cenas, considerando que as imagens requerem que eu esteja continuamente envolvido nelas”.5 Em lugar da palavra, a imagem se tomou a efetuação dó modo pós-moderno de conhecimento. O pensamento reflexivo foi descartado. Aparência e superficialidade reinam sobre a essência e a profundidade do pensamento. O mundo se tornou virtual. 

A internet modificou a vida no mundo ocidental; as vias modernistas de informação e comunicação têm sido substituídas por vias pós-modernistas. Na “tela mental” do monitor do computador, está ocorrendo “a morte da metáfora”. O que uma vez foi projetado como concepção mental tem, agora, se tomado espaço anti-metafórico de simulação absoluta, através da internet. A internet está se tomando um mundo absoluto em e por si mesma. O que deveria ter sido um “mapa de realidade” tem se tomado realidade. Ligado a isso, nós nos perdemos e nos tornamos máquinas. 

A pós-modernidade tem o objetivo preciso de desvalorizar e depreciar a importância da verdade absoluta. Pensamento e reflexão são substituídos pela superficialidade artificial da realidade, simbolizada pela imagem. Indubitavelmente, a pregação do evangelho nessa nova Contextualização necessita reconsiderar a televisão, a internet e a perspectiva global como meios para conquistar o mundo para Jesus. Por outro lado, temos que confrontar a seguinte questão: Tem essas mudanças culturais realmente criado uma nova contracultura, incompatível com a fé cristã?

 

Comunidade e mistério

O pós-modernismo nega a existência de Deus, no sentido bíblico. A realidade objetiva e o critério objetivo para a verdade e a moral são rejeitados. Portanto, ninguém pode assumir que existe qualquer compatibilidade teórica entre as visões cristã e pós-moderna da realidade. Se os filósofos pós-modernos falam a respeito de Deus, dizem que Deus, à semelhança do mundo, é virtual. Segundo Baudrillard, Ele não tem direito de ter critério objetivo para nosso pensamento e nossa vida, porque também Se encontra no campo da simulação. Conseqüentemente, no mundo pós-moderno, Deus está completamente além das nossas obrigações morais e éticas. 

Entretanto, existem conceitos similares (não compatíveis); porém, eles são usados em contextos completamente diferentes. Tomemos, por exemplo, as idéias de comunidade e mistério tão freqüentemente apontadas como sendo compatíveis com o cristianismo. Quando os filósofos e teólogos pós-modernos falam sobre assentimento comum à verdade, enfatizam a influência cultural em nosso conhecimento da verdade. A verdade é conhecida exclusivamente dentro da comunidade de alguém; a perspectiva dessa comunidade é a única verdade conhecida.6 Por causa da nossa personalidade comum, cada verdade aceita é subjetiva e cultural; jamais objetiva. 

Ao contrário disso, quando, como cristãos, nos referimos à comunidade, estamos falando sobre compreensão e apropriação comum da verdade objetiva de Deus nas Escrituras. Como comunidade, não aceitamos o pluralismo da fé subjetiva ou cultural, como fazem os pós-modernos. Em lugar disso, aceitamos uma única verdade objetiva, que é revelada no Cristo das Escrituras. Filosoficamente falando, o conceito de comunidade no cristianismo não é metafísico, mas epistemológico. 

No que tange ao mistério, os pós-modernos o vêem como algo completamente irracional, ou mesmo anti-racional. Os modos de conhecimento se tomam os meios de questões misteriosas e intuitivas para a verdade. Por outro lado, os cristãos crêem nos poderes da razão e da racionalidade no conhecimento da verdade como ela é em Cristo (Rm 1:21, 22). Na verdade, Cristo é um profundo mistério, mas não ao ponto de não poder ser aceito pela razão. 

Isso pode ser visto em Colossenses 2:2, 3, onde Paulo expressa o desejo de que seus destinatários compreendam “plenamente o mistério de Deus, e Cristo, em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos”. Ao contrário dos pós-modernos, o apóstolo não dissocia conhecimento e mistério, porque Cristo, como mistério, é um mistério revelado, alguém conhecido e experimentado.

O mistério de Deus e Seu Espírito é supra-racional, jamais completamente compreendido pelos seres humanos. Portanto, a idéia de mistério na Bíblia nunca é isenta do conhecimento e racionalidade humana.

Amor como tolerância

Não possuindo a certeza dos crentes, os pós-modemos têm a seguinte máxima: “Nós não nos moveremos da falsa certeza à verdadeira incerteza”. Um conhecimento das Escrituras, com textos inspirados, para desenvolvimento das doutrinas da igreja (sobre as quais nos levantamos ou caímos, como comunidade e como discípulos de Cristo), não é algo ultrapassado. Isso significa que imagem e símbolo não são tudo o que devemos oferecer aos pós-modemos. O apóstolo Paulo disse que Cristo é a imagem do Deus invisível (Cl 1:15), mas essa é uma imagem da revelação da verdade. Assim, não se trata de imagem conforme a compreensão dos pós-mo- dernos – a superfície da realidade sem significado permanente.

Até o “amor” é compreendido de modo diferente. Na cultura pós-moderna, amor sempre é tolerância, isto é, uma teoria segundo a qual, basicamente, ninguém tem o direito de crer em verdade objetiva. Se alguém deseja ser aceito em amor, necessita aceitar a idéia da verdade subjetiva, porque, segundo a cultura pós-moderna, a verdade objetiva ameaça, julga, exclui e até persegue. Como diria Foucault, “o ato de conhecer (a verdade) é sempre um ato de violência”.7

Na Bíblia, quando Cristo falou a respeito de tolerância, jamais negou a existência da verdade objetiva – Ele mesmo e Seus ensinamentos. Se aceitamos a idéia de uma verdade objetiva que conhecemos através do verdadeiro Espírito (aceito subjetivamente), e ainda desejamos ser tolerantes e humildes para com todos os seres humanos, incluindo os pós-modernos, estamos trilhando o mesmo caminho de Cristo e Sua cruz.

Cuidado para não se comprometer

Assim, é importante não repetir o engano da igreja primitiva. Os pais da igreja não reconhecem que evangelismo para os pagãos não é evangelismo para uma cultura parcialmente compatível. Na verdade, foi evangelismo na contracultura da filosofia e mitologia grega, que eram radicalmente opostas à verdade bíblica. Agostinho cometeu esse tipo de engano e criou uma “teologia filosófica”, que não era baseada na Bíblia, porém, era mais uma forma de “liberalismo descuidado”,8 contra o que Ellen G. White adverte.

Relacionamentos, amizade, amor e cuidado pelo semelhante são muitíssimo importantes para todo discípulo de Cristo, mas não são tudo o que representa o cristianismo. É verdade que os pós-modernos querem manter relacionamentos profundos, mas não é verdade que seu senso de um sistema de crenças necessariamente deva ocorrer depois do senso de pertinência. Crença e pertinência formam um dueto. Em nossos esforços evangelísticos devemos alcançar as pessoas onde elas estão, sem assumirmos que elas pertencem a categorias definidas de indivíduos que desejamos evangelizar. É por isso que, às vezes, usamos artifícios ao falarmos de evangelismo em sentido estratégico, porque toda estratégia é parcialmente humana, portanto, falível.

Uma estratégia de evangelismo devia apontar semelhanças e compatibilidades com a cultura popular; entretanto, se o conteúdo da fé cristã for reduzido às expectativas dos pós-modernistas (ou modernistas, ou qualquer outro grupo ou sistema de crenças), colocamos em risco a mensagem de Cristo e o poder da “verdade presente”. Se utilizarmos linguagem pós-moderna ou vocabulário não ameaçador, nunca deveremos fazer isso às expensas da verdade como revelada na Palavra de Deus.

Algumas vezes, ouve-se que a criação de relacionamentos – evangelismo da amizade – tem maior valor que o evangelismo público doutrinário. Porém, o fato é que Cristo fez as duas coisas. Em nossas estratégias humanas, jamais deveríamos diminuir as estratégias de Cristo e Seus valores na missão. Os pós-modernos necessitam de evangelismo doutrinário. Sem isso, existe o perigo de as pessoas pensarem que comunidade, amor e relacionamentos são tudo no cristianismo. Afinal, assim lhes foi apresentado. Desse modo, a igreja se toma um porto seguro humanitário, provedor de conforto psicológico que outras agências comunitárias também podem oferecer. Paulo não se fez de “insensato” (1Co 12:11), viajando pelo Império romano, primariamente para “fazer amigos”. Ele o fez para pregar a verdade.

Na missão evangelizadora, que é uma guerra frontal entre verdade e erro, luz e trevas, Cristo e Satanás, estamos realmente empenhados em conquistar “territórios” para Jesus Cristo. Na contracultura, devemos utilizar as “contra-armas” e elas são o poder da verdade de Cristo, o amor e a amizade que Sua Palavra modela. Isso é possível somente através de profunda conversão e reavivamento da comunidade de fé, operados pelo Espírito, não por sabedoria estratégica. Se a missão de Cristo fosse desempenhada com a preocupação de não usar “vocabulário chocante”, por que Ele usaria tão freqüentemente expressões como “inferno” para falar do destino final dos impenitentes? É certo que a verdade tem que ser proclamada em amor e humildade, mas também com poder e convicção. Não raro, tentamos minimizar os requerimentos da fé, com o argumento de que é preciso criar um ambiente “seguro” que não escandalize os pós-modernos. Essa não foi a estratégia de Cristo.

Em suma, vivendo na contracultura da pós-modernidade, como discípulos de Cristo, primeiramente devemos exaltar e defender os ideais cristãos de crença, reavivamento e discipulado, enquanto, ao mesmo tempo, criamos um ambiente que atraia homens e mulheres necessitados de aceitação e amizade. Alicerçados na Palavra de Cristo e no poder do Seu Espírito, podemos fazer as duas coisas. 

Referências:

1 Stanley J. Grenz, A Primer on Postmodemism (Grand Rapids, Ml: Eerdmans Pub. Co., 1996), p. 40.

2 David S. Dockery, The Challenge of Postmodemism (Grand Rapids, Ml: Baker Books, 1995), p. 13.

3 Michael Epstein, The Origins and Meaning of Russian Postmodemism (National Council for Soviet and East European Research, 1993), p. 91.

4 Neil Postman, Amusing Ourselves to Death (Nova York: Penguin Books, 1985), p. 78, 79, citado em Douglas Groothuis, Truth Decay (Downers Grove, II: InterVarsity Press, 2000), p. 282.

5 Jacque Ellul, The Humiliation of the Word (Grand Rapids, Ml: Eerdmans, 1985), p. 142.

6 Richard Rorty, Contingency, Irony, and Solidarity (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1898).

7 Stanley J. Grenz, Op. Cit., p. 133.

8 Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver, p. 129.