“Portanto, eu vos protesto, no dia de hoje, que estou limpo do sangue de todos”

Na opinião do escritor Myer Pearlman, “um ministro fiel, ao deixar o rebanho, pode despertar mais a consciência da igreja do que durante todo o tempo em que passou ao lado das ovelhas”.1 E o discurso de Paulo, em tom de despedida, dirigido aos anciãos da igreja de Éfeso (Atos 20:25-35) comprova a veracidade dessa afirmação. Sentindo que não teria outra oportunidade de estar com aqueles colaboradores, Paulo lembrou que sua missão entre eles já estava cumprida. Agora, ia para Jerusalém, onde, impressionado pelo Espírito Santo, sabia que o esperavam “cadeias e tributações”.

Contudo, antes de partir, assegurou: “estou limpo do sangue de todos” (v. 26). Em outras palavras, tinha a consciência limpa em relação ao cumprimento de seus deveres pastorais naquela comunidade.

É muito importante que, como ministros do evangelho, mantenhamos a consciência limpa. De que maneira isso pode acontecer? Nesse relato, encontramos cinco atitudes praticadas pelo apóstolo Paulo e que, reproduzidas em nossas atividades, nos possibilitarão ecoar a mesma certeza que ele demonstrou, diante de Deus e dos homens.

Anunciar todo conselho de Deus

Disse Paulo: “Agora, eu sei que todos vós, em cujo meio passei pregando o reino, não vereis mais o meu rosto. Portanto, eu vos protesto, no dia de hoje, que estou limpo do sangue de todos; porque jamais deixei de anunciar todo o desígnio de Deus.” Atos 20:25-27.

O pastor fiel não se limita a pregar apenas seus temas favoritos. Paulo jamais escondeu algo de sua mensagem, agindo por covardia, ociosidade ou desejo de louvores. Ele não seguia preferências pessoais na escolha do que falaria às suas congregações. Sua preocupação era o que o povo necessitava. Referindo-se à necessidade de pregação sobre a mordomia cristã, mas trazendo embutido em suas palavras um princípio aplicável a qualquer doutrina ou tema de sermões, Ellen White adverte: “Alguns deixam de educar o povo a cumprir com todo o seu dever. Pregam a parte de nossa fé que não cria oposição ou desagrada aos ouvintes, mas não declaram toda a verdade. O povo aprecia-lhes a pregação, mas há falta de espiritualidade porque as exigências do Senhor não são atendidas.”2

No livro Obreiros Evangélicos, ela chama a atenção para a necessidade de o pastor realizar uma obra completa, sem restrições, supressões ou desvios: “O obreiro nunca deve deixar parte do trabalho por fazer, porque esta lhe não agrade, pensando que o pastor que vier depois a fará por ele. Quando assim acontece, se vem um segundo pastor, e apresenta as exigências de Deus quanto a Seu povo, alguns voltam atrás, dizendo: ‘O pastor que nos trouxe a verdade, não mencionou essas coisas.’ E se escandalizam com a palavra. Alguns recusam aceitar o sistema do dízimo; afastam-se, e não se unem mais com os que crêem na verdade e a amam. Quando outros pontos lhes são expostos, dizem: ‘Não nos foi ensinado assim’, e hesitam em avançar.”3

O pastor que prega todo o desígnio de Deus, certamente desfrutará de uma consciência limpa, ao despedir-se de uma igreja.

Pastoreando o rebanho

A negligência em relação ao cuidado pelo povo de Deus é simplesmente pecaminosa. “O protetor cuidado que o subpastor há de ter para com os cordeiros do rebanho é bem ilustrado por uma gravura que eu vi”, escreveu Ellen White, “representando o Bom Pastor. Este está guiando, à frente, enquanto o rebanho O segue imediatamente atrás. Em Seus braços Ele conduz um impotente cordeirinho, ao passo que a mãe deste caminha ao Seu lado, confiantemente. Da obra de Cristo, disse Isaías: ‘Entre os braços, recolherá os cordeirinhos e os levará no Seu regaço.’ Os cordeirinhos necessitam mais do que alimento diário. Precisam de proteção, e de ser continuamente guardados com terno cuidado. Se um se desgarra, deve ser procurado. A imagem é bela, representa bem o amorável serviço que o subpastor do rebanho de Cristo deve fazer por aqueles que se acham sob sua proteção e cuidado.”4

O trabalho pastoral implica cuidadosa atenção aos membros do corpo de Cristo. Crianças, jovens, adultos e idosos, todos devem ser alvo do amor e cuidado pastorais. Nesse sentido, também são oportunas as seguintes palavras: “Necessitam-se em nossos dias, homens capazes de compreender as necessidades do povo, e a elas ministrar. O fiel ministro de Cristo vigia em todos os postos avançados, para advertir, reprovar, aconselhar, suplicar e animar seus semelhantes, cooperando com o Espírito de Deus, que nele atua poderosamente, a fim de que possa apresentar todo homem perfeito em Cristo. Um homem assim é reconhecido no Céu como pastor, trilhando as pegadas de seu grande Exemplo.”5

Advertência contra os perigos

“Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes que não pouparão o rebanho. E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles. Portanto, vigiai, lembrando-vos de que, por três anos, noite e dia, não cessei de admoestar, com lágrimas, a cada um.” Atos 20:29-31.

Os perigos podem vir de fora da igreja, na forma de falsos mestres (v. 29), bem como de dentro da própria comunidade, como heresias (v. 30). Paulo diz que esses perigos devem ser enfrentados com vigilância e admoestação. Muitos opositores se apresentam sob o manto de santidade. Porém, o fiel ministro do evangelho deve estar atento e cheio do Espírito Santo, a fim de perceber a aproximação do perigo e proteger a congregação.

“O que a igreja necessita nestes dias de perigo é de um exército de obreiros que, como Paulo, se tenham educado para utilidade, que tenham uma profunda experiência nas coisas de Deus, e que sejam cheios de fervor e zelo. Necessita-se de homens santificados e abnegados; homens que não se esquivem a provas e responsabilidades; homens que sejam corajosos e verdadeiros; homens em cujo coração Cristo está formado ‘a esperança da glória’ (Col. 1:27), e que com lábios tocados com santo fogo ‘preguem a Palavra’. Por falta de tais obreiros a causa de Deus definha, e erros fatais, como mortal veneno, pervertem a moral e destroem as esperanças de grande parte da raça humana.”6

Encomendando a igreja ao Senhor

“Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à palavra da Sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados.” Atos 20:32.

Depois de advertir e exortar os anciãos, Paulo os entrega aos cuidados de Deus. Ao encomendá-los ao Senhor, o apóstolo também expressava sua certeza de que Ele os ajudaria no cumprimento dos deveres missionários, e que a palavra da graça divina os protegeria contra as falsas doutrinas.

De acordo com Champlin, “Paulo havia feito tudo quanto estivera ao seu alcance, no que concerne a testemunho pessoal e a ensino doutrinário. Mas, agora, só lhe restava deixar aqueles discípulos e o destino deles nas mãos graciosas de Deus”7

É dessa maneira que age o ministro fiel e comprometido com sua vocação, e que deseja manter a consciência limpa em todas as circunstâncias.

Modelo de vida

“De ninguém cobicei prata, nem ouro, nem vestes; vós mesmos sabeis que estas mãos serviram para o que me era necessário a mim e aos que estavam comigo. Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é mister socorrer os necessitados e recordar as palavras do próprio Senhor Jesus: Mais bem-aventurado é dar que receber.” Atos 20:33-35.

Aqui, Paulo contrasta seu exemplo com o dos falsos obreiros, que atraíam discípulos tendo em vista o ganho material (I Tim. 6:5-10; Rom. 16:17 e 18; II Ped. 2:14 e 15). Ele não permitiu que a mínima demonstração de cobiça obscurecesse sua visão das pessoas necessitadas. Não permitiu que nenhum interesse material – prata, ouro ou vestes – diminuísse sua verdadeira paixão pela salvação dos perdidos. Suas ações confirmavam seu testemunho: “Vós mesmos sabeis que estas mãos serviram para o que me era necessário a mim e aos que estavam comigo.” O apóstolo não se limita a chamar a atenção para sua própria experiência cristã. Como João Batista, faz de sua pessoa apenas um ponto de contato que indica o modelo perfeito: o Senhor Jesus Cristo (v. 35).

Portanto, a felicidade do pastor reside, entre outras coisas, no fato de ter consciência limpa diante de Deus e dos homens. Ao executar a tarefa para a qual foi chamado, ele deve ser diligente em anunciar toda a verdade de Deus, pastorear o rebanho com amor e cuidado, estar desperto à proximidade de qualquer perigo, interno e externo, e empenhar-se na proteção do rebanho. Também deve entregar seus fiéis sob os cuidados de Deus e viver de tal maneira que as pessoas vejam nele o reflexo do Modelo supremo, digno de imitação.

Érico Tadeu Xavier, pastor na Associação Catarinense

Referências:

1 Myer Pearlman, Atos: e a Igreja se Fez Missões, pág. 207.

2 Ellen G. White, Conselhos Sobre Mordomia, pág. 87.

3 _____________, Obreiros Evangélicos págs. 369 e

370.

4 Ibidem, pág. 211.

5 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, vol. 4, pág. 416.

6 ______________, Atos dos Apóstolos, pág. 507.

7 R. N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado Verso por Verso, vol. 3, pág. 449.