O sentido técnico, especializado e elitista que tem a teologia atual é um fenômeno moderno. Tanto a Bíblia como os escritos de Ellen White colocam a teologia ao alcance do crente individual. Esse hábito parece favorecer não apenas o conhecimento pessoal, mas também uma melhor compreensão da natureza das dissidências que afetam a Igreja; bem como ajudam a definir cada vez melhor a sua mis-são no contexto da iminente volta de Jesus.

Necessitamos de teologia na Igreja Adventista do Sétimo Dia? Em caso afirmativo, que tipo de teologia? Quem são os teólogos? Na tentativa de responder essas e outras interrogações, neste artigo, nos propomos em primeiro lugar definir funcionalmente a palavra teologia. Em seguida, apresentaremos um re-sumo histórico da evolução da teologia na Igreja cristã, acompanhada de uma aplicação à Igreja Adventista. Depois analisaremos a importância da teologia para o crente moderno. E, finalmente, buscaremos responder de maneira prática a razão pela qual a Igreja Adventista requer teologia.

Definição

Teologia é o estudo da relação de Deus com Suas obras, de forma especial, com o homem e sua condição. Por extensão, teologia é também a disciplina que se esforça para dar uma declaração coerente das doutrinas da fé cristã. Dotada dos grandes princípios bíblicos, a teologia procura dar uma resposta aos problemas e dilemas que os homens e mulheres devem encarar na vida diária. Se bem que seus temas sejam atemporais, usa linguagem, conceitos e formas de pensamento que são compreensíveis para homens e mulheres atuais.

Entretanto, no processo de se tomar compreensível para os dias atuais, a teologia precisa evitar dois perigos: primeiro, o de apresentar Jesus como um liberal do presente século. O segundo perigo é o de tratar o crente do século 21 como se ele vivesse no primeiro século. Por isso, a teologia deve ser prática, no sentido de que se relacione com a vida, não simplesmente com as crenças.

A partir de outra perspectiva, Ellen White acrescentaria a isso o fa-to de que a Bíblia é um livro de idéias, é teologia e filosofia: “A Bíblia contém simples e completo sistema de teologia e filosofia. É o livro que nos torna sábios para a salvação. Fala-nos do amor de Deus segundo é revelado no plano redentor, comunicando o conhecimento essencial a todos os estudantes – o conhecimento de Cristo.”1

Evolução histórica

Edward Farley distinguiu três etapas na evolução da compreensão do termo “teologia”.2

A primeira abrange os primeiros onze séculos do cristianismo. Nesse período, o termo teologia raramente aparece no ambiente cristão. Contudo, o conhecimento de Deus foi parte integrante do movimento cristão e sua literatura. Poderiamos entender que, nesse período, teologia foi um conhecimento orientado para a salvação.

Na segunda etapa, da Idade Média até o lluminismo (séc. 12 – séc. 17), a teologia continua com o sentido de conhecimento de Deus, mas também se separa da compreensão do primeiro período. Esse período, que já envolvia a moderna universidade, é uma época claramente marcada na história do cristianismo, na qual se unem dois elementos: a escola e o esquema doutrinai patrístico clássico. O resultado dessa união é a apropriação de ensinamento, especialmente desde a filosofia, em um marco que explora e expressa o esquema clássico.

Em outras palavras, esse período registra uma teologia como ciência ou disciplina, no sentido distintivamente escolástico (método de demonstrar conclusões). A teologia desse período é um estado, uma disposição da alma, que tem o caráter de conhecimento, predominantemente prático, não teórico, com características de sabedoria. A iluminação divina é compreendida como hábito da alma, conectado com discernimento das Escrituras. Essa sabedoria bíblica pode ser promovida, aprofundada e estendida mediante estudo humano.

Promovida especialmente por Tomás de Aquino, a teologia, nesse sentido, chegou a ser uma disciplina. Produziu-se assim a transição entre a aprendizagem e o ensino cristão baseados nas Escrituras (santa página), para uma ciência aristotélica (santa doutrina). Nesse período, o lugar escola/escola monástica foi substituído pelas universidades. Posteriormente, com as universidades e com o renascimento de Aristóteles, estabeleceu-se um padrão ou esquema filosófico que passou a chamar o conhecimento de Deus de teologia.

Finalmente temos a etapa que vai do lluminismo até nossos dias. Algumas idéias dos períodos anteriores são mantidas, mas reinterpretadas. Mesmo que a teologia continue como qualidade pessoal, não o faz como sabedoria a serviço da salvação, mas como o necessário know-how para o trabalho ministerial. A teologia como disciplina também continua, não como uma empresa unitária de estudo teológico, mas como erudição técnica e especializada, como qualquer outra. Em outras palavras, como teologia sistemática.

Que lições podem ser aprendidas dessa evolução histórica da teologia? Primeira, a advertência de que a dedicação dos crentes individuais à teologia bíblica vai diminuindo no tempo e, paralelamente, seu cultivo passa gradualmente a mãos de religiosos especializados. Através de suas interpretações, esses religiosos determinam o que os crentes podem crer. A segunda lição é a observação de que a Bíblia perde gradualmente sua centralização como objeto de estudo, sendo substituída por uma doutrina elaborada pelo agente erudito teológico. Terceira lição: a teologia que inicialmente iluminou a condição pecaminosa do homem e sua conseqüente necessidade de salvação, sofreu uma redução e passou a ser uma série de estudos independentes, técnicos e geralmente sem unidade, tendo como único elemento centralizador as funções ministeriais.

A influência

O impacto causado por essa evolução do termo teologia no movi-mento adventista, pode ser melhor observado em certas atitudes assumidas pelos obreiros evangélicos e as reações de Ellen White a essas atitudes.

Talvez o impacto mais importante esteja relacionado com um tipo de conformismo teológico observa-do entre muitos pastores. Diante disso, Ellen White destacou a responsabilidade pessoal de estudar a Bíblia e chegar a conclusões teológicas nela fundamentadas. Isso foi claro durante a assembléia geral da Igreja, realizada em Mineápolis, em 1888. Naquela ocasião, a agenda teológica girou em torno da lei em Gálatas e distintos aspectos do livro de Daniel. O Pastor Butler defendia o uso da autoridade administrativa para chegar a uma conclusão final. Ele pensava que os administradores tinham “opiniões mais claras”. Ellen White não demorou na reação a essa tendência, dizendo achar que Butler imaginava ser infalível em virtude da posição que ocupava.3

O enfoque de Butler animou muitos adventistas ao conformismo, no sentido de considerar um homem que pense por eles como consciência de todos. Ellen White susteve que isso debilita pastores e membros, e que os torna incapazes de permanecer fielmente em seu dever. Ela não concordava em que não fossem estudadas as questões de Gálatas em Mineápolis, porque um homem não estava presente ali.4

Outro intento de Butler e Smith foi a elaboração de algo como um credo para fixar posições teológicas sobre Gálatas e os dez reinos de Daniel. A tentativa foi feita em 1886, antes de Mineápolis. Submetido à análise de uma comissão composta por nove pessoas, o assunto ficou dividido (cinco a quatro). Diante disso, evitou-se levá-lo à assembléia. No entanto, ficou decidido que não fosse ensinado nada nos colégios até que uma vasta maioria de irmãos o aprovasse, mediante o estudo a apreciação de líderes experientes.5 Considerando que os dois eram os “líderes experientes”, isso lhes daria poder de veto. Mas apesar disso, não obtiveram a votação formal para executar o plano.

Um dos problemas com os credos é que eles tendem a situar assuntos marginais de interesse presente (ou contingente), ligados firmemente aos assuntos centrais da Bíblia, co-mo marcos fundamentais. Tais no-vos marcos, uma vez estabelecidos, dificilmente são removidos, pois qualquer tentativa é vista como um ataque direto à fé dos pais. Esse tipo de perpetuidade agrada aos tradicionalistas.

Em Mineápolis, noutro momento, diante do desejo de resolver o assunto dos dez reinos e outros, o plenário pronunciou sonoros améns ao procedimento de petrificar a doutrina, que Ellen White não aceitou. Ao contrário, advertiu que antes devia-se estudar conscienciosamente a Bíblia. O método poderia ter impedido a discórdia, porém não representava um acordo harmonioso nem perfeito. A harmonia não podia ser superficial, muito menos repousar sobre pro-fundas diferenças. Era necessária uma teologia baseada na autoridade bíblica para chegar a um acordo. Ellen White argumentou em favor de um estudo aberto dos assuntos envolvidos. Declarou que “a verdade nada tem a perder por causa da investigação. Deixemos que a Bíblia fale por si mesma, que seja seu próprio intérprete… que havia descuido e negligência em pastores que permitiam que outros a investigassem por eles”.6

Segundo ela, o conformismo era uma atitude generalizada, fora e dentro da Igreja, que não podia ser aprovada. “A presente geração tem confiado seu corpo aos médicos e sua alma aos ministros. Não pagam eles bem aos seus ministros para estudar a Bíblia em seu lugar, a fim de que não precisem ser molestados? E não é sua obrigação dizer-lhes aquilo em que eles devem crer, e solucionar todas as questões duvidosas de teologia sem investigação especial de sua parte?”7

Advertiu ainda que Satanás “induz o povo a olhar para os bispos, pastores, professores de teologia, como seus guias, em vez de examinarem as Escrituras a fim de, por si mesmos, aprenderem seu dever. En-tão, dominando o espírito desses dirigentes, pode influenciar as multidões a seu bel-prazer”.8

Tema importante

Poderiamos citar pelo menos quatro razões, entre outras, que ressaltam a importância da teologia na Igreja.

  • 1. Favorece o desenvolvimento pessoal e do caráter. Numa época que dá especial importância à cultura quantitativa, é importante recordar que a verdadeira cultura significa conhecer bem poucas coisas, ao invés de conhecer pouco muitas coisas. Mas o conhecimento deve implicar melhor compreensão de si mesmo. Trabalhar apenas para conquistar um grau acadêmico com seu inerente prestígio social, “significa ignorar voluntariamente um dos maiores paradoxos do crescimento espiritual, de que quanto maior o crescimento espiritual, mais claramente vemos quão longe estamos da perfeição espiritual… Os primeiros doze discípulos eram os mais comuns dos homens… contudo, não levou muito tempo para que começassem a argumentar sobre quem era o maior”.9

A teologia é importante porque pode favorecer o desenvolvimento do caráter. Uma das melhores opiniões de um não adventista com respeito à pessoa de Tiago White declarou que “esse homem é um cristão, mesmo sendo um adventista”.10 Os aspectos positivos do caráter cristão são mais úteis que a erudição teológica. “Não são os mais eloqüentes em discursos, não são os mais versados na assim chamada teologia os de maior sucesso; mas aqueles que trabalham diligente e humildemente para o Mestre”.11

  • 2. Diferencia o primordial do secundário. De acordo com II Timó-teo 2:14, deve-se evitar na igreja “contendas de palavras que para nada aproveitam, exceto para a subversão dos ouvintes”. E de suma importância que em cada escola e igreja seja “ensinada a mais simples teoria teológica. Nessa teoria, a expiação de Cristo deve ser a grande essência, a verdade central”.12
  • 3. Considera que a existência humana implica interpretação. Todo conhecimento é uma interpretação. Mesmo quando a fonte é a Palavra de Deus, os homens e mulheres que a estudam são dinâmicos e mutantes. Lucas afirma: “muitos houve que empreenderam uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram” (Luc. 1:1). E ele mesmo se propõe, “depois de acurada investigação”, escrevê-los “em ordem” (v. 3). Nosso trabalho, sem ter sido testemunhas oculares do ministério de Cristo, é preservar com exatidão o relato das testemunhas oculares e transmitir fielmente os fundamentos da fé cristã às futuras gerações.

A teologia deve interpretar Deus. Isso é impossível sem a Bíblia. A interpretação que a Bíblia faz de Deus é simples e profunda: Deus é amor. A teologia e os teólogos devem lembrar que “a teologia carece de valor a menos que esteja saturada com o amor de Cristo. Essa teologia é a que desenvolverá uma genuína vitalidade nas igrejas.13 “O ardente, consumidor amor de Cristo pelas almas que perecem é a vida de todo o sistema do cristianismo”, diz Ellen White.14 Mas, em agudo contraste, hoje multidões são levadas a sustentar errôneas concepções de Deus.15

Considerando que a teologia implica interpretação da parte dos leitores, Ellen White exerceu seu direito e responsabilidade de escrever com precisão em palavras e frases, para evitar repetições de um mesmo assunto e para ter certeza de comunicar a mensagem original, evitando distorções e interpretações posteriores.16 Os que nos beneficiamos dos seus escritos sabemos que a existência humana, em assuntos de fé, é sempre lingüística e interpretativa. Portanto, é evidente que “recusar avaliar uma herança absolutiza essa herança como algo não histórico e além de corrupção. Falha-se então em interpretar situações como se fossem normas ou poderes intocáveis”.17

4. Provê ferramentas para evangelização de classes especiais. Homens e mulheres de provada qualidade moral beneficiarão a si e à causa, ou freqüentarão instituições educativas onde puderem ter “um mais amplo campo de estudo e observação, relacionando-se com diferentes classes de mentes familiarizadas com a obra e resultados dos métodos populares de educação, e um conhecimento de teologia tal como é ensinada nas principais instituições de aprendizado”. Essa experiência “os ajudará para trabalhar com as classes educadas e encarar os erros prevalecentes em nosso tempo. Esse foi o método seguido pelos valdenses”.18

Existem pelo menos três áreas que requerem uma constante reflexão teológica dentro da igreja. Enumeramos a seguir essas áreas:

Formação ministerial

A ênfase dada nos dias atuais a este assunto se enquadra não apenas na evolução do termo teologia, conforme o exposto até aqui. Também há, na história recente, quase paralela ao surgimento da Igreja Adventista, certa ênfase que explica a natureza da educação teológica ministrada nos seminários através do mundo e que de alguma maneira influi na Igreja.

A natureza da educação teológica nos Estados Unidos pode ser dividida em três períodos: divindades, erudição e profissionalização. O primeiro período vai desde começos do século 17 até aproximadamente 1800. Esse foi um período de aprendizado pio. Coincidiu com a época da educação teológica pré-seminário, onde hoje é de seminário. O segundo período implicou um aprendizado erudito especializado. O terceiro corresponde a uma educação profissional.19

A percepção que muitos pastores têm de si mesmos ao começar o século 21 é a de um administrador eclesiástico. Nesse contexto, “a autoridade humana chega a ser um assunto de habilidade demonstrada em alcançar alvos e na aplicação dos meios. Isso está em perfeita harmonia com a idéia do moderno profissional. Em nossa sociedade pós-iluminista, a autoridade está baseada na habilidade de fazer coisas. Isso é o que o profissional diz fazer”.20

A ação de unificar o currículo em tomo da instituição do ministério serviu temporariamente para aproximar a universidade da igreja, com respeito à educação teológica; porém, com o passar do tempo, o ministério chegou a ser compreendido como um conjunto de atividades profissionais. Chegou a ser substituído por “este ministério”, ou por “meu ministério”, expressão que significa as atividades de um indivíduo. O ministério chegou a ser definido pelo que este realiza.21

A ênfase funcional tanto na formação ministerial como em sua prática já estava presente nos dias de Ellen White. Em 1899, William Harper, fundador da Associação de Educação Religiosa dos Estados Unidos, publicou seu chamado a uma exaustiva reforma na educação teológica.22 Para ele, a educação teológica devia preparar o ministério para realizar um efetivo trabalho pastoral local. Em contraste a essa proposta, Ellen White concebia a formação ministerial como parte de um processo mais extenso de educação cristã, compreendido como equivalente ao processo de salvação.23 Para ela, os dois principais objetivos na formação ministerial deviam ser a formação do caráter e o cumprimento da comissão evangélica.24

Aparentemente, os teólogos são mais eficientes na igreja quando, além do conhecimento teológico, manifestam uma mente penetrante, pureza de vida, valentia e coragem, habilidade e sinceridade na pregação e ao ensino, junto com uma vida diária, demonstrativa do que se prega.

Como pode o professor favorecer a formação de seu próprio caráter, o de seus alunos, e potencializar a comissão evangélica? Primeiro, ele reconhecerá que suas credenciais espirituais estão sobre as acadêmicas. Na avaliação final divina, viver os princípios da teologia é mais importante que a quantidade dela conhecida. Segundo, é importante que cresça no conhecimento do Senhor, que aprofunde sua compreensão através do estudo cuidadoso. Não importa quanto tenha aprendido, jamais deve abandonar as verdades básicas acerca de Jesus.

Em terceiro lugar, trabalha em equipe com seus pares, para o bem dos estudantes.25 Os futuros pastores deverão “confrontar existencialmente a necessidade de fundir seus estudos teológicos, bíblicos e históricos em uma unidade Vivente com as áreas práticas. Se o diálogo entre as áreas não ocorre na mente dos professores, dificilmente ocorrerá na mente dos estudantes”.26 Em quarto lugar, seu labor está centralizado nas necessidades das igrejas locais. Para os professores adventistas de teologia, seu ensino não está construído sobre um conjunto de problemas no ensinamento dos especialistas, mas no conjunto de desafios do ministério e missão da Igreja.

Ellen White não hesitou em recomendar a J. N. Andrews estudar menos e dar mais atenção à liderança da Igreja. Insistiu em que gastasse menos tempo na investigação, e publicasse seus materiais mais rapidamente. Em sua opinião, a Igreja necessitava de material simples, leitura leve, e não os frutos de exaustiva investigação erudita.27 Já que a teologia trata da vida de pessoas, os professores sempre devem ter em mente as necessidades pessoais ao realizar seu trabalho acadêmico. “A prova real da teologia é o grau em que pode ajudar as pessoas a encarar os problemas diários e da vida da igreja.”28

Que considerações deverá ter em mente o estudante de teologia em sua formação ministerial? Primeiramente, precisa aprender que “teologia sem ministério chega a ser algo amargo” e que “ministério sem teologia é apenas um pouco mais que ar perfumado”.29 Ao lado disso, Ellen White assinalou que “o preparo teológico não deve ser descuidado, mas deve ser acompanhado da religião experimental”.30 Esse equilíbrio é para prevenir a situação em que jovens recém-formados em teologia são às vezes os menos preparados para apresentar as palavras de vida a outros, devido a que a leitura de livros especulativos foi feita em detrimento da devoção pessoal.31

Proliferação de dissidências

A proliferação de dissidentes e dissidências, iniciada em 1853 no seio da Igreja, será mais intensa à medida que nos aproximamos da volta de Cristo.32 Aqui se incluem os principais motivos para a dissidência, como a insatisfação com a liderança, o entusiasmo por uma “nova luz”, problemas de egoísmo, equilíbrio mental e busca de posições.33

De outro ponto de vista, na origem dessa efervescência estão o fanatismo,34 a ignorância da verdade e espírito auto-suficiente.35 Há também o desejo de se fazer notado. Em alguns indivíduos, o anonimato gera instabilidade.

De acordo com o ensinamento bíblico e os escritos de Ellen White, a atitude mais positiva a ser seguida diante de tais situações envolve o reconhecimento da existência e natureza dessas dissidências. Em II Timóteo 2:15-17, Paulo nos adverte contra o “câncer” espiritual (v. 17). Isso significa que o perigo não reside somente nas dissidências teológicas, mas no espírito “missionário” do erro que procura espalhar-se e afetar outras pessoas, tal como a metástase cancerígena.

É necessário assumir uma ação firme e prudente a favor da verdade bíblica da Igreja e contra os erros manifestos. Um claro exemplo disso é o da própria Sra. White, ao denunciar a tentativa de contaminação da teologia básica da Igreja, urdida pela filosofia panteísta.36 Não é recomendável um espírito beligerante e apologético. Por outro lado, deve-se aceitar o fato de que “Deus tem permitido ocorrerem apostasias a fim de mostrar quão pouco se pode confiar no homem”.37 Em todos os casos, não é aconselhável nem uma atitude complacente nem de autoflagelação da parte da Igreja.

A Igreja é única no sentido de que é uma organização divino-humana. Por si mesmo, tal fato gera uma tensão em sua vida e teologia. Uma organização que não tem nenhum problema está encarando um grande problema. Com freqüência significa retrocesso, ou que o progresso não acontece com suficiente rapidez ou não existe visão ampla da missão.

Na igreja local

Tem-se observado que o conceito de teologia sofreu uma redução em seu significado e alcance. Também observa-se que um espírito de conformismo teológico poderia es-tar presente hoje na Igreja. Tais fatos parecem indicar a necessidade que os crentes e a igreja local se perguntem acerca de seu conceito de Deus e como Ele Se relaciona com Suas criaturas.

Um estudo de II Crônicas 17:7-9 oferece-nos algumas lições. Josafá convidou os príncipes, levitas e sacerdotes para que “ensinassem nas cidades”, porque o povo de Judá era ignorante na Palavra. Não tomava tempo para escutar, discutir a lei de Deus e como ela podia transformar sua vida. Ele percebeu que o conhecimento das instruções dos mandamentos divinos era o primeiro passo para as pessoas viverem como deveriam. Foi assim que iniciou um programa de educação religiosa em todo o país. Reverteu o declínio espiritual, ao dar prioridade a Deus na mente do povo e desenvolvendo um sentido de dedicação individual e de missão.

A tarefa requerida de todos nós é expor o ensinamento da Bíblia em escolas, igrejas, estudos bíblicos, devoção pessoal e familiar. O objetivo é que todos possam ser teólogos. Isso é o que parece afirmar Ellen White ao escrever que “a Bíblia abre nossa compreensão a um simples e mais sublime sistema de teologia, apresentando verdades que podem ser captadas por uma criança, porém que têm um alcance que desafia as mentes mais amadurecidas”.38 Esse conceito é totalmente oposto à prática da teologia por uma elite e percebida como algo exótico, confinado a um colégio ou universidade.

Como pode a fé cristã, dedicada a relacionar a fé com a realidade, o mundo e o conhecimento, continuar restrita em seus esforços a um grupo de líderes e fora do alcance dos leigos? Por que a educação na congregação e, para o crente em geral, é concebida de maneira que tem pouco a ver com as disciplinas e exigências da educação teológica formal? Como pode a educação teológica, que compreende estudos permanentes nas disciplinas e habilidades necessárias para compreender as Escrituras, doutrinas, os princípios morais e sua prática, ser vista como necessária para o clérigo, porém, nunca para o leigo?

A história da Igreja cristã revela, mediante seus movimentos subterrâneos que esse padrão não pode ser mantido.39 Ironicamente, a pessoa assim preparada para o ministério pode ter conhecimento e habilidades e não estar preparada para o tipo de teologia encontrado na Igreja. Enquanto que a teologia no contexto universitário é conhecimento adquirido de acordo com os cânones da erudição e habilidades desenvolvidas de acordo com a experiência profissional, na Igreja, a teologia é pregação, oração, vida devocional e sua prática.

Na igreja local, onde interagem pais, pastores, professores e estudantes, “precisamos ser guiados pela genuína teologia e o bom senso”.40 Isso significa que as decisões são tomadas com base na teologia e no senso comum ou o sentido do que é apropriado. O senso comum depende da Palavra revelada de Deus; o sentido do que é apropria-do, da interação da cultura e maturidade espiritual dos crentes.

Se for desenvolvido um ministério pastoral de maneira que o púlpito seja um real poder dentro da Igreja, e os pastores sejam os líderes mais importantes na prática de sua teologia, teremos uma postura teológica mais equilibrada e menos compromisso com a tendência liberal que hoje é observada.

Precisamos voltar a ser o povo da Bíblia.

Referências:

  • 1. Ellen White, Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes, pág. 422.
  • 2. Edward Farley, Theologia, Philadelphia: Fortress Press, 1983, págs. 29-39.
  • 3. Carta a Mary White, 04/11/1888.
  • 4. Manuscrito 9, 24/10/1888.
  • 5. Review and Herald, 14/12/1886, pág. 779.
  • 6. Ellen White, Review and Herald, 05/08/1888.
  • 7. ___________, Conselhos Sobre Saúde, pág. 37.
  • 8. ___________, O Grande Conflito, pág. 595.
  • 9. James R. Newhy, Ministry, janeiro/1990, págs. 15 e 16.
  • 10. Robinson, James White, pág. 183.
  • 11. Ellen White, Review and Herald, 29/11/1906, “The work in Oakland and San Francisco”.E O L O G í A
  • 12. ___________, Evangelismo, pág. 223.
  • 13. ___________, Lift Him Up, pág. 134.
  • 14. ___________, The Signs of the Times, “Principies of Service”, 10/05/1910.
  • 15. ___________, 5T, pág. 710.
  • 16. Arthur White, 1BIO, pág. 270.
  • 17. Edward Farley, The Fragility of Knowledge. Theological Education in the Church and the University, Philadelphia: Fortress Press, 1988, pág. 90.
  • 18. Ellen White, 5T, pág. 583.
  • 19. Edward Farley, Theology, pág. 16.
  • 20. Joseph C. Hough, Theological Education 20, Spring 1984, pág. 77.
  • 21. Merle D. Strege, Theological Education and Moral Formation, Grand Rapids: Eerdmans, 1992, pág. 114.
  • 22. William R. Harper, American Journal of Theology, 1899, págs. 45-46.
  • 23. Juan Millanao, An Evaluation of the Concept of Semi-nary in Mission with Reference to the Latin American Adventist Theological Seminary, Andrews University, 1992, págs. 55-59.
  • 24. Ibidem, pág. 60.
  • 25. Ellen White, Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes, pág. 432.
  • 26. Richard Niebuhr e James M. Gustafson, Tha Advan-cement of Theological Education, Nova York: Harper and bro., 1957, pág. 164.
  • 27. Joseph G. Smoot, Adventist Heritage 9, Spring, 1984, págs. 3-8.
  • 28. Daniel Augsburger, Ministry, outubro/1990, pág. 6.
  • 29. Ibidem.
  • 30. Ellen White, Signs of the Times, 17/01/1885, pág. 180.
  • 31. __________, Review and Herald, 20/04/1887, pág. 457.
  • 32. Estes fenômenos devem ser entendidos em seu significado dentro do conflito entre o bem e o mal. Ellen White baseia na experiência de Coré, Datã e Abirão (Núm. 16) sua advertência: “duvido que uma rebelião declarada possa remediar-se.” – 2MS, 456.
  • 33. R. W. Schwarz, Light Bearers to the Remnant, pág. 455.
  • 34. Ellen White, Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 17.
  • 35. __13MS, 167.
  • 36. Arthur White, 4BIO, pág. 394.
  • 37. Ellen White, Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 395.
  • 38. __________, Review and Herald, 25/09/1883.
  • 39. Edward Farley, The Fragility, pág. 85.
  • 40. Ellen White, Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes, pág. 257.