Escrevo este artigo anônimo porque sinto vergonha, não só por minha esposa e por meus filhos mas também por mim mesmo. Relatarei minha luta contra a cobiça sexual. Creio que minha experiência não é fora do comum e talvez seja típica de outros pastores.

Lembro-me da noite em que experimentei pela primeira vez o apetite carnal desmedido. Durante a adolescência, havia me deleitado com literatura erótica, porém o despertar da minha cobiça sexual aconteceu anos mais tardes, já casado, durante uma viagem. Longe de casa, num quarto de hotel, enquanto folheava um guia turístico da cidade, volta e meia olhava a foto insinuante de uma bailarina exótica, atraente, quase desnuda. A primeira vez que vi o anúncio, instintivamente desqualifiquei seu show porque ia além dos meus limites cristãos. Entretanto, enquanto olhava um programa de TV sem graça, o corpo da garota novamente apareceu como que dizendo: “por que não?”

Eu poderia ir como um observador; no mundo porém não do mundo. As racionalizações se amontoavam para fundamentar meus desejos, e em dez minutos estava em um táxi rumo à zona promíscua da cidade. Talvez Deus Se apresentaria, apagaria meus desejos e me convencería de que eu estava enganado.

Terreno perigoso

Entrei no bar e ali me sentei com os olhos fixos no palco. A garota era o que o anúncio dizia. Começou sua apresentação, vestida, e nos fazia desejá-la tirando lentamente cada peça de roupa, com um sorriso provocador. Eu a olhava sem poder acreditar. Para terminar, em meio a efeitos de luzes cintilantes, cruzou o palco despida.

Duas horas depois, saí do bar com uma sensação estranha, e surpreso de que em realidade não tivesse acontecido nada comigo. Continuava sendo a mesma pessoa. Cometi pecado naquela noite? A princípio disse a mim mesmo que não. Dizia-me que teria pecado se tivesse olhado a mulher desejando ter relações com ela, como ensinara Jesus. Na realidade, não me lembrava de ter desejado ter relações com aquela garota. Foi algo mais privado. O que aconteceu foi algo rápido que logo passou sem deixar rastros.

A culpa me alcançou nessa mes-ma noite. Quando voltei ao hotel, já estava fazendo orações chorosas, pedindo perdão. Durante mais de dez anos estive em uma guerra sem trégua.

Acho que a cobiça sexual não se parece com nada que tenho experimentado. A maioria das coisas que mais nos divertem e nos causam emoção perdem certo entusiasmo e atração uma vez que as experimentamos. O sexo é diferente. O maior conhecimento não reduz sua atração. Não há outra experiência que tenha essa força selvagem.

Impulso hormonal

Tenho analisado a cobiça sexual, dissecado-a até chegar a seus componentes. Não poderiam nossos hormônios e cromossomos ter sidos dispostos de maneira que as pessoas pudessem mais facilmente achar satisfação numa só pessoa? Por que não fomos criados como os animais, que, salvo em certos períodos, vivem sua rotina diária quase sem querer sexo? Poderia manejar melhor a cobiça se soubesse que ela só me atacaria em maio ou outubro. O que me enlouquece é não saber e ser continuamente vulnerável.

Você dirá que não é Deus que nos faz cobiçar, mas que escolhemos fazê-lo e, provavelmente, Deus o permite como uma oportunidade para exercitar a virtude. Eu entendo, mas você sabe por experiência própria que esses conceitos piedosos, embora sejam corretos, perdem importância diante do que sucede em meu organismo quando vou à praia ou tomo uma revista erótica.

Muitos de vocês sabem o que é revolver-se na culpa dessa obsessão e orar chorando com toda a fé que alguém pode reunir, para que Deus nos liberte.

Também sabem o que se sente quando se prega sobre a graça, a obediência ou a vontade de Deus, com as lembranças da noite de cobiça sexual ainda frescas na mente. Às vezes até concluímos o sermão prometendo que não vamos permitir que elas nos afetem da próxima vez, até que, ao final do culto, uma mulher atraente se aproxima sorrindo para saudar-nos e felicitar-nos pela mensagem. A resolução desaparece. E enquanto ela fala de como foi abençoada pelo sermão, a desnudamos mentalmente.

Obsessão ou possessão

Aprendi cedo que a cobiça sexual vai em uma única direção. Ninguém pode ir a um nível tão baixo e ficar satisfeito. Uma revista estremece, um filme excita, um show ao vivo inflama o sangue. Nunca cheguei à prostituição, porém experimentei a natureza insaciável do sexo o suficiente para sentir-me aterrado. A cobiça sexual não satisfaz; somente incita.

Por alguns momentos, essa obsessão chegou a parecer-me uma possessão. Lembro-me de uma vez em que senti medo. Estava de viagem e passei por um bar que anunciava bailarinas desnudas. Esse show não era como os striptease que tinha visto. A garota aparecia desnuda desde o começo, e contorcia a poucos centímetros da minha cabeça. Tinha o olhar cravado em mim. Era tão próximo, tão íntimo que me pareceu, por um momento aterrador, que se assemelhava mais a uma relação do que a uma atuação. O que senti só pode ser chamado de possessão.           

Saí dali cambaleante. Senti que havia cruzado a linha divisória e que não poderia recuperar a inocência. Naquele fim de semana tinha compromissos importantes; porém, em cada um deles, as imagens da garota enchiam a minha mente. Prometi-me, uma vez mais, que só compraria revistas respeitáveis. Minha habilidade para manter-me puro só necessitava de alguns limites, pensei. Estas são algumas das justificativas nas que baseava minha conclusão de conter a cobiça sexual em vez de cortá-la de uma vez:

O nu é uma arte.

Mesmo revistas eróticas têm artigos excelentes.

Um pouco de estímulo beneficiará a vida sexual do casamento.

Outros fazem coisas piores.

Que é a cobiça sexual, no final das contas? O desejo de ter relações sexuais com alguém específico. Eu experimentava uma excitação geral, não um desejo específico.

Alguns desses conceitos têm algo de verdade. Eu os usava como um manto para poder atenuar a guerra interior que me atormentava. Para meu total desmantelo, várias vezes havia sentido como a luxúria eclodia e ganhava um poder sinistro.

Pouco prazer e muita culpa

Cabe lembrar que minha vida não girava em torno da cobiça sexual. Passava dias, meses, sem bus-car uma revista ou um filme. E mui-tas vezes chorava diante de Deus implorando que me tirasse esse desejo. Por que não recebia resposta? Por que Deus não tirava minha liberdade de decisão quando isso me afastava dEle?

Li muitos livros e artigos sobre a tentação porém não foram de muita ajuda. Os conselhos dos diferentes escritos poderiam ser resumidos da seguinte maneira: “simplesmente não faça.” Ainda que intelectualmente pudesse estar de acordo com sua teologia e seus conselhos, não havia mudança em mim.

A maior parte desse tempo odiava o sexo. Conhecia o seu prazer, porém eram apenas poucos momentos que se contrapunham a dias e dias de angústia e culpa. Não podia conciliar minhas fantasias com a experiência rotineira do sexo no casamento. Comecei a ver o sexo como um erro de Deus. Ao final só causa tristeza, pensava. Com o sexo, qualquer crescimento espiritual parecia impossível.

Casamento afetado

No que respeita ao meu casamento, minha cobiça sexual não o destruiu, não me empurrou para alguma relação adúltera ou prostituição. Foi mais sutil. Principalmente levou-me a diminuir o valor de minha esposa como ser sexual. O sexo em meu casamento se converteu numa válvula de escape para a paixão que crescia dentro de mim. Nunca falei do assunto com minha esposa, porém estou certo de que ela o percebia. Creio que começou a ver-se como um objeto sexual no sentido de que não era o objeto de paixão ou romantismo, mas de minha necessidade física.

Contudo, a dualidade sexual empalidecia diante da dualidade espiritual. Imaginem a brecha que havia em mim quando me dirigia a um retiro espiritual, num fim de semana, onde via a admiração e as lágrimas de compromisso de meus ouvintes, e terminava em meu quarto folheando a mais recente publicação erótica. Não podia conciliar isso; tampouco podia evitá-lo.

Havia em mim dois sentimentos contraditórios: por um lado, o desejo intenso de ser limpo; por outro lado, o desejo de aferrar-me aos prazeres eróticos. Isso deve ser o que Paulo quis dizer em algumas passagens como Romanos 7. Mas onde estava Romanos 8 em minha vida?

A restauração

Assim como recordo o momento em que despertei para a cobiça sexual, posso lembrar o começo da cura e restauração. Também sucedeu numa viagem, quando falei em uma conferência sobre vida espiritual.

Nessa ocasião estava praticando um regime bastante estrito de “luxúria controlada”. De repente encontrei-me recorrendo às ruas da zona promíscua da cidade. Encontrei um show ao vivo de garotas desnudas sobre uma plataforma giratória que se podia ver durante três minutos, por cinqüenta centavos. Nada de arte, beleza, nem baile. Os homens ilhados em cabines como animais enjaulados. Nenhum vínculo. As mulheres se encontravam tão cansadas que era possível ouvir sua conversa sobre o preço da comida. E ali estava eu, a três dias de falar num retiro sobre vida espiritual. Nessa noite, a culpa e a vergonha me abateram como ondas furiosas. Novamente, vi a imagem desoladora do poço em que havia caído.

Havia sentido o mesmo antes. Sem embargo, o que mais me chamou a atenção foi que minha viagem a esse retiro, antes sempre prazenteira, não me produziu nada alegre. Sentia-me como se estivesse em casa lendo o jornal e bocejando. Esse pensamento me perturbou. Minha mente volvia uma e outra vez àquela cabine imunda. Estava ficando louco? Estava minha alma se esvaziando?

A duras penas terminei a conferência e fui muito aplaudido. Todos foram abençoados. Naquela noite, só em meu quarto, não me dediquei à literatura erótica, mas fiquei pensando no que estava me acontecendo todos estes dez anos, e não gostei.

Amigo no mesmo barco

Três dias depois, passei uma noite em casa de um grande amigo, pastor de uma das maiores igrejas da região. Nunca havia partilhado com alguém detalhes de minha vida de lascívia, porém minha dualidade estava chegando a tal ponto que senti que era hora de fazê-lo. Meu amigo me escutou em silêncio, compaixão e sensibilidade. Depois que terminei meu relato, permaneceu sentado muito tempo com um olhar triste. Eu esperava suas palavras de conselho e cura. Necessitava de alguém que me dissesse: “Teus pecados estão perdoados.” Primeiro, vi seus lábios trêmulos. Os músculos de sua face se crisparam, e ele começou a chorar; eram gemidos profundos.

Meu amigo não chorava por mim apenas, mas por ele também. Começou a contar-me de sua própria viagem pelo caminho da cobiça sexual. Havia chegado a suas últimas conseqüências: prostituição e orgias. Seu casamento, inclusive, estava ruindo em meio a um processo de divórcio.

Durante duas semanas, vivi sob uma nuvem de terror e fatalidade. Havia cruzado uma linha invisível, que deixaria minha alma manchada para sempre? Marcharia também eu, como meu amigo, para a destruição espiritual? Não havia saída para nós?

Ajuda oportuna

Um mês depois daquela conversa, li um livro de memórias, O Que Creio, de Francis Mauriac. Em um capítulo sobre a pureza, Mauriac chega à conclusão de que só há uma razão para seguir a pureza. “Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus” (Mat. 5:8). A pureza, assinala Mauriac, é a condição necessária para um amor sublime, para obter a possessão superior a qualquer outra: o próprio Deus.

As bem-aventuranças indicam que os pecados são empecilhos para o crescimento espiritual. Se pecamos, quem sofre somos nós; pois não haverá desenvolvimento em nosso caráter nem gozaremos a imagem de Cristo que teríamos se não houvéssemos pecado. Esse pensamento foi como um alarme em meus ouvidos. Compreendia o que estava perdendo por alimentar minha cobiça sexual: estava limitando minha intimidade com Deus. O amor que Ele oferece é tão transcendente e pleno que requer a purificação de nossas faculdades para que possam contê-lo. Poderia Deus dar-me outra sede e outra fome distintas do que eu nunca havia podido satisfazer? Poderia a Água Viva apagar a sede da cobiça sexual?

Conhecia a vida de Mauriac o suficiente para saber que sua observação era o clímax de uma vida de lu-ta. Ele havia chegado a essa conclusão como a única justificativa para a abstinência. Talvez, a disciplina e o compromisso que implicam permitir a Deus purgar as impurezas conformavam o primeiro passo essencial para uma relação com Deus que eu nunca havia conhecido.

O amor da esposa

A combinação de dois fatores me preparou para tentar novamente uma aproximação de Deus em confissão e fé: por um lado, o pavor que me produziu a dolorosa história do meu amigo pastor. Por outro lado, o raio de esperança de que a busca da pureza poderia transformar a fome insaciável que havia sentido por dez longos anos. Orei sem esconder nada. E Deus me ouviu.

Devia dar um passo de arrependimento; doloroso, mas necessário. O arrependimento, diz Carl S. Lewis, “não é algo que Deus requer de ti para receber-te e que te poderia evitar se o desejasse; é simples-mente a descrição do regresso”. Para mim, o regresso devia incluir uma conversa com minha esposa, que havia sofrido em silêncio todos esses anos. Eu havia pecado contra ela e lhe ofendera tanto quanto a Deus. Talvez minha impureza impedira que nosso amor crescesse, da mesma forma que havia bloqueado o amor que podia experimentar de Deus.

Contei-lhe quase tudo, sabendo que estava pondo sobre os seus ombros uma carga que talvez não pudesse suportar. Durante dez anos, ela percebera como uma neblina invisível me havia cativado, fazendo-me agir de maneira estranha, separando-me dela. Agora, confirmava suas suspeitas. Deve ter-lhe parecido uma reprovação da minha parte: “não eras suficiente para mim no aspecto sexual e tive que buscar isso em outro lugar.”

Ainda assim, apesar da dor, me deu seu perdão e garantiu seu amor. Considerou meu inimigo seu inimigo. Abraçou minha sede de pureza como sua própria. Amou-me com um amor surpreendente, incompreensível e totalmente imerecido.

Faz um ano essa conversa com minha esposa. Nesse tempo ocorreu um milagre. A guerra interior terminou. Em uma ocasião, falhei novamente, um mês depois. Fui a outro show barato. Não havia transcorrido nem dez segundos, quando comecei a sentir um medo apavorante. O sangue golpeava em minha fronte. O mal estava se apoderando de mim. Tive que sair dali imediatamente. Corri, o mais rápido que pude, e percebi que havia mudado muito; antes me sentia seguro ao ceder à luxúria, mas agora me sentia seguro fugindo da tentação (II Tim. 2:22). Pedi forças ao Senhor e fui embora.

Compensação divina

A parte dessa vez, não voltei a sentir tal compulsão. Garotas com blusas e saias curtas ainda me chamam a atenção, mas a ânsia já não existe. As bancas de revistas eróticas perderam sua atração. Nunca mais assisti a um filme proibido. Não posso negar que era prazeroso. Mas finalmente ganhei uma espécie de alarme que soa quando o perigo está perto. Depois de dez anos, tenho uma consciência e uma reserva de forças à minha disposição. Tem sido necessário para mim manter comunicação aberta com Deus e com minha esposa.