Evangelizar não se limita afazer discípulos e batizar. A conversão segue-se uma vida de aprendizagem e obediência, até que os discípulos sejam feitos conforme a imagem do Senhor

Durante as últimas décadas foram cunhadas diversas definições para o termo evangelizar. A declaração de evangelização, formulada na Inglaterra, no ano de 1918, pela Comissão de Arcebispos Anglicanos de Investigação da Tarefa Evangelizadora da Igreja, possivelmente seja a definição mais conhecida.1 Ela diz: “Evangelizar é apresentar a Jesus Cristo no poder do Espírito Santo, para que os homens depositem sua confiança em Deus mediante Jesus Cristo, aceitando-O como Salvador e servindo-Lhe como Rei na comunhão de Sua Igreja.”2

Uma análise desse conceito permite detectar quatro passos no processo da evangelização. O primeiro é apresentar a Jesus Cristo. O segundo, conseguir que o homem confie em Deus. Terceiro, que aceite Cristo como Salvador; e quarto, que o crente Lhe preste um serviço fiel.

Nesta altura, pode ser útil formularmos uma interrogação: Qual foi a missão que o senhor confiou à Igreja? Essa pergunta nos leva a considerar a grande comissão evangélica. Segundo o registro dos quatro evangelhos e do livro de Atos, essa comissão poderia ser sintetizada com as palavras de John Stott: “A ênfase é colocada na pregação, o testemunho e a tarefa de fazer discípulos… muitas pessoas deduzem disso que a missão da Igreja, segundo a especificação do Senhor ressuscitado, constitui uma missão que é exclusivamente pregar, converter e ensinar.”3

As palavras de Stott podem gerar outras perguntas, tais como: Quais são as implicações concretas da missão? Discipular? Batizar? Ensinar? É provável que a resposta espontânea a essas perguntas seja: fazer discípulos. Mas isso gera outra indagação: É o discipular o fim da evangelização, ou é somente uma tarefa no processo da evangelização?

Com freqüência tem se afirmado que a missão da Igreja está incluída no aforismo “fazer discípulos”. Para muitos cristãos, parece que a evangelização culmina no momento em que o novo converso ingressa na igreja por meio do batismo. Porém, é realmente assim? Qual é o objetivo último da evangelização? Para obter uma resposta clara e conclusiva é importante compreender-mos a missão empreendida por Cristo ao vir ao mundo.

A missão de Cristo

O apóstolo João descreve a missão de Cristo assinalando que “Deus enviou o Seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por Ele” (João 3:17). A missão concreta de Cristo foi a de salvar o mundo (João 4:42). Não obstante, “a proclamação de Jesus como ‘o Salvador do mundo’ não é uma afirmação de que todos os homens serão salvos automaticamente, mas um convite dirigido a todos os homens a colocarem sua confiança nAquele que deu Sua vida pelos pecados do mundo”.4

Desde que o pecado afetou a paz do Eden, quebrando a harmonia reinante, o diabo constituiu-se príncipe deste mundo (João 14:30; I João 5:19). Mas na cruz foi derrotado por Jesus. Paulo declara enfaticamente a vitória de Cristo, na seguinte sentença: “Despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz” (Col. 2:15).

Quando a missão de Cristo é observada dessa ótica, podemos afirmar que o anúncio básico das boas-novas é proclamar Cristo como o Senhor do mundo (I Cor. 8:5 e 6; Fil. 2:9-11; Efés. 1:10, 13 e 14; 2:22; 4:7-16). Nesse sentido, Oscar Cullmann destaca que a confissão de Je-sus Cristo como o Senhor (Kurios) resume a fé da Igreja primitiva. Isso aponta para o fato de que Aquele que foi crucificado no passado e que de há vir no futuro exerce hoje o governo de todo o Universo, assentado à destra de Deus.5

Segundo D. Burt, a tarefa da evangelização deve coincidir com o objetivo que Deus teve ao enviar Seu Filho ao mundo. O propósito da vinda do Filho de Deus foi caracterizado por um duplo objetivo: um imediato e outro final.6 O imediato consistiu em fazer discípulos, “integrando-os à comunidade do povo de Deus para que O adorem e testifiquem de Seu nome, contribuindo assim para o objetivo final de Deus”.7 Por outro lado, Burt sustenta que o objetivo final da evangelização consiste em conseguir que os reinos do mundo possam chegar a ser o reino de nosso Senhor e de Seu Cristo (Apoc. 11:15), no qual um povo escolhido ame, adore e proclame as maravilhas de Deus pela eternidade.8

A missão dos discípulos

J. L. Dybdahl, em seu livro Adventist Mission in the 21st Century (Missão Adventista no Século 21), destaca que “Jesus enviou Seus discípulos ao mundo da mesma forma que o Pai O enviou ao mundo”.9

Na versão joanina da grande comissão, Jesus havia antecipado a missão da Igreja ao pronunciar a oração sacerdotal no cenáculo: “Assim como Tu Me enviaste ao mundo, também Eu os enviei ao mundo” (João 17:18). Dias depois, possivelmente no mesmo lugar onde orou por Seus discípulos, logo depois da Sua morte e ressurreição, o Senhor transformou aquela súplica em um mandamento, quando declarou a Seus seguidores: “Assim como o Pai Me enviou, Eu também vos envio” (João 20:21).

A grande comissão de Mateus 28 tem como base a autoridade de Cristo. Ademais, no evangelho de Mateus, observa-se que Jesus chama, instrui e envia Seus seguidores.10 A ordem missionária dada na Galiléia é expressa no original grego com quatro verbos: ir, fazer discípulos, ensinar e batizar. A ação “fazei discípulos” é expressa num imperativo11 e as três restantes, com particípio.12

Discipulado

Na grande comissão registrada por Mateus, Cristo ordenou aos apóstolos: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado…” (Mat. 28:19 e 20).

John Sttot diz que “o propósito de Cristo na grande comissão não se consegue quando apenas temos feito discípulos e os temos batizado. Os conversos devem ser ensinados. Segue-se à conversão toda uma vida de aprendizagem e obediência, até que os discípulos sejam feitos conforme a imagem do Senhor”.13

Mais adiante, Sttot acrescenta: “Jesus não lançou os Seus somente à tare-fa de fazer discípulos. Isso é apenas a primeira etapa da grande comissão. Há mais duas coisas a fazer: batizar e ensinar. O evangelista que deseja ser fiel à sua vocação deve pensar, portanto, em três coisas fundamentais: primeira, conversões a Cristo; segunda, integração dos conversos em uma igreja local e, terceira, sua instrução em toda ordenança de Cristo.”14

Poderiamos afirmar que a obra de discipular não é um evento, mas um processo que requer tempo e dedicação. Por outro lado, se discipular é o alvo imediato da grande comissão e de nenhum modo o processo final da evangelização, sobressai então que o propósito final da evangelização é colaborar com Cristo na missão de preparar cidadãos do reino.

A esta altura de nossa análise, pode ser positivo formular algumas perguntas que focalizem a missão de fazer discípulos. Que implicações envolvem o termo discipular? Que é um discípulo? Como se forma um discípulo? A palavra discípulo é definida como uma pessoa que segue os ensinamentos de outra, como aluno ou assistente especial do mestre público.15 O Novo Testa-mento não faz distinção entre ser crente e ser discípulo.16 É oportuno desta-car que o nome mais repetido e utilizado para fazer referência aos cristãos é discípulo. Esse vocábulo aparece 261 vezes no Novo Testamento.

O discipulado é um conceito dinâmico que abarca todas as áreas e as idades da vida de uma pessoa.17 Portanto, alguém que se diz crente sem viver a vida de um discípulo somente serve para entorpecer o testemunho cristão e a vida da Igreja.18

Batismo

Todos aqueles aos quais o evangelho é proclamado e crêem em Jesus, seguindo-O, se convertem em discípulos. O mandato de Cristo indica que tais pessoas devem ser batizadas em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Segundo Mateus, o batismo é administrado aos discípulos (Mat. 28:19). De acordo com Marcos, aos crentes (Mar. 16:15 e 16). Na comissão evangélica de Lucas, o batismo não é mencionado; porém, em Atos, quando o escritor registra as palavras de Pedro, vincula o batismo ao arrependimento e ao perdão dos pecados (Atos 2:38; 3:19), elementos que aparecem em Lucas 24:47.

Os escritores bíblicos também vinculam o ato do batismo com a pregação e o ensino do evangelho. Desse modo, os discípulos se transformavam em arautos de Cristo.19 John Sttot assinala que a proclamação do arauto deve destacar cinco aspectos importantes:20

  • O perdão dos pecados
  • O nome de Cristo
  • O arrependimento
  • A todas as nações
  • O poder do Espírito

Somente quem aceite e viva o evangelho poderá desfrutar a experiência de ser batizado em nome da Trindade, para constituir-se um cidadão do reino.

Ensin

D. Burt esclarece que “nossa tarefa evangelística não termina até que tenhamos comunicado… todo ensina-mento de Jesus Cristo (Mat. 28:20) e todo o conselho de Deus (Atos 20:27); enquanto o indivíduo não esteja firmemente integrado na comunidade dos crentes, e enquanto não esteja vivendo ativa e poderosamente como discípulo de Jesus Cristo e filho de Deus”.21

Com o novo nascimento, a evangelização não termina; apenas começa. É preciso cuidar do novo membro. Esse cuidado inclui, entre outros aspectos, amor e paciência. Porém, também requer velar por alimentação e instrução adequadas. O crente que ingressou na igreja através do batismo é uma crian-ça espiritual que requer atenção individual e nutrição adequada.

W. Moore expressa que “as igrejas que põem ênfase excessiva nos batismos e nos programas, ou indevido interesse pela qualidade dos membros, devem considerar o mandamento de Cristo de fazer discípulos. A salvação das almas e a formação de discípulos estão inseparavelmente unidas nas Escrituras”.22

Instrução pós-batismal

Uma pesquisa envolvendo Argentina, Paraguai e Uruguai, com uma amostra de 840 membros e ex-membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia,23 revelou que os ex-membros não abandonaram a Igreja por falta de instrução bíblica doutrinária pré-batismal. Em contrapartida, ao avaliar a instrução pós-batismal, o estudo indicou que a deficiência nesse tipo de instrução é um fator importante de perda de membros. Isso sublinha a necessidade imperiosa de estabelecer uma estratégia baseada no conceito paulino de Efésios 4:11-16.

Comentário Bíblico Adventista del Séptimo Dia destaca com acerto uma fase nevrálgica da grande comissão: o ensino. “É tão importante ensinar as pessoas que observem o que Cristo ordenou, como o é batizar…. Por isso, a instrução é de vital importância, tanto antes como depois do batismo.”24

Nas Escrituras, encontramos declarações apoiando que o anúncio do evangelho está direcionado não só a quem se encontra fora, mas também a quem faz parte dele. Na introdução da carta aos romanos, o apóstolo Paulo afirma: “Por isso, quanto está em mim, estou pronto a anunciar o evangelho também a vós outros, em Roma” (Rom. 1:15). Quem são essas pessoas de Roma as quais Pau-lo deseja evangelizar? Em sua saudação, ele se refere a elas como sendo “chamados para serdes santos”. Isso indica que a evangelização não é uma tarefa que termina no batismo, mas um processo amplo, pré e pós-batismal.

Em algumas campanhas, Paulo e Barnabé investiram vários meses no processo da evangelização pós-batismal. Por exemplo, a experiência de Atos 11, quando se congregaram na cidade de Antioquia durante um ano “e ensinaram numerosa multidão” (Atos 11:26).

A evangelização em sua fase pós-batismal é basicamente circunscrita à tarefa de capacitar os santos para a obra do ministério (Efés. 4:11-16). O após-tolo Paulo expõe com nitidez esse pro-cesso. Indica que o Espírito Santo concedeu dons aos homens e desse modo constituiu líderes para o trabalho de capacitar os membros “com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro. Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo nAquele que é a cabeça, Cristo” (Efés. 4:12-15).

Discípulo eficiente

Nesse enunciado, Paulo alude a conceitos básicos do discipulado que permitem enumerar as seguintes conclusões:

  • 1. O discipulado velará por uma sã instrução doutrinária. Nenhum planejamento eclesiástico para discipular será completo se não contar com um saudável programa de instrução doutrinária.25
  • 2. O discipulado velará pela disciplina eclesiástica. Outra faceta do processo da evangelização relacionada com o discipulado é a disciplina. Hemphill afirma: “Se você segue as normas bíblicas, responde imediato às medidas de disciplina apropriadas, provê instrução corretiva, demonstra a genuína compaixão e observará bom desenvolvimento também entre os crentes. O não disciplinar leva somente ao enfraquecimento da Igreja. Se permitir que o comportamento doentio e antibíblico continue dentro da igreja, sem fazer algo a respeito, destruirá a sua unidade e pureza, e assim tornará ineficaz o seu testemunho na comunidade.”26
  • 3. O discipulado velará pela atenção pessoal. “O cuidado pastoral dos crentes que estão se desenvolvendo continua edificando as convicções de ‘eu pertenço’ e ‘sou amado’.”27
  • 4. O discipulado velará pela motivação para o serviço. “Temos que desafiar os cristãos que estão em processo de amadurecimento a passar à maturidade doutrinária à medida que encontram seus postos de serviço.”28
  • 5. O discipulado capacitará os membros. “A meta de cada crente deve ser não apenas estar envolvido no ministério, mas também estar envolvido no treinamento de outros para ser ministros.”29
  • 6. O discipulado velará pela reprodução mediante o discipular. “Quando a Igreja leva a sério o compromisso do discipulado reprodutivo, o potencial para o crescimento chega a ser explosivo no sentido matemático.”30 Desse modo, a Igreja assegurará seu crescimento não apenas na geração presente, mas também nas vindouras.

Estabelecimento do reino

Jesus relacionou a evangelização do mundo com o estabelecimento do reino de Deus. “E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então, virá o fim” (Mat 24:14). Quando for concluída a proclamação do primeiro anjo de Apocalipse 14 e o trabalho do sétimo anjo de Apocalipse 11, multidões de todas as nações adorarão o Criador dos Céus e da Terra. Então prorromperão em cânticos porque os reinos do mundo finalmente terão vindo a ser de nosso Senhor e de Seu Cristo; e Ele reinará pelos séculos dos séculos (Apoc. 1:15).

Conclui-se que a evangelização é um processo, desde a perspectiva do significado etimológico do termo, como também do ponto de vista histórico do fato que se anuncia. A evangelização é um processo me-diante o qual se proclama Jesus Cristo como Salvador do mundo com o propósito de que os homens confiem nEle, O aceitem e O sirvam. Os discípulos, orientados por Jesus e capacitados pelo Espírito Santo, serão protagonistas na missão de estabelecer o reino de Deus na Terra.

Referências:

  • 1 John Sttot, La Misión Cristiana Hoy (Bue-nos Aires: Ediciones Certeza, 1977), pág. 51
  •  2 D. Watson, Creo en la Evangelización (Miami: Editorial Caribe, 1976), pág. 29.
  • 3 John Sttot, Op. Cit., pág. 27.
  • 4 R. Padilla, Misión Integral: Ensayos Sobre el Reino y la Iglesia (Grand Rapid: Eerdmans, 1986), pág. 5.
  • 5 Oscar Cullmann, Cristologia del Nuevo Testamento (Buenos Aires: Methopress, 1965), pág. 237.
  • 6 D. Burt, Manual de Evangelización Para el Siglo XXI (Barcelona: CLIE, 1999), pág. 27.
  • 7 Ibidem.
  • 8 Ibidem.
  • 9 J. L. Dybdahl, Adventist Mission in the 21st Century (Review and Herald: Hagerstown, 1999), pág. 80.
  • 10 M. J. Wilkins, The Concept of Disciple in Matthew’s Gos-pel as Reflected in the Use of the Term Mathetes (Tese de Doutorado: Seminário Teológico Fuller, 1990), pág. 8.
  • 11 H. E. Dana e J. R. Mantey, Gramática Griega del Nue-vo Testamento (El Paso: Casa Bautista de Publicaciones, 1977), pág. 294.
  • 12 Idem, pág. 50.
  • 13 John Sttot, La Evangelización y la Biblia (Barcelona: Ediciones Evangélicas Europeas, 1969), pág. 34.
  • 14 Idem, pág. 36.
  • 15 S. H. Horn, Dicionário Bíblico Adventista del Séptimo Dia (Buenos Aires: ACES, 1995), pág. 334.
  • 16 D. Burt, Op. Cit., pág. 27.
  • 17 Idem, pág. 23
  • 18 Idem, pág. 27.
  • 19 John Sttot, La Evangelización, pág. 41.
  • 20 Idem, págs. 41-43.
  • 21 D. Burt, Op Cit., pág. 27.
  • 22 W. Moore, Multiplicación de Discípulos: Um MétodoPara o Crescimento de la Iglesia (El Paso: Casa Bautista de Publicaciones, 1988), pág. 27.
    • 23 Rubén Otto, Uma aproximación al Estudio de Factores Percibidos Como Asociados al Abandono de la Iglesia Adventista del Séptimo Dia, Por Parte de Algunos de Seus Miembros em Argentina, Paraguay e Uruguay, (Tese de doutorado: Seminário Adventista Latino-americano de Teologia, 2000), págs. 261-264.
    • 24 Comentário Bíblico Adventista del Séptimo Dia, vol. 5, pág. 545.
    • 25 K. Hemphill, El Modo de Antioquía: Características de una Iglesia Efetiva (El Paso: Casa Bautista de Publicaciones, 1996), pág. 197.
    • 26 Idem, pág. 198.
    • 27 Ibidem.
    • 28 Idem, pág. 199.
    • 29 Idem, pág. 202.
    • 30 Idem, pág. 203.