A vida oferece aflições. Mas Cristo faz promessas singularmente confortadoras

Tenho um problema sério. Como cristão, sou chamado a ser uma pessoa calma, a falar de tranqüilidade e a viver em paz. Porém, meu dia-a-dia é qualquer coisa menos sossegado. A razão disso pode ser resumida em duas palavras bem simples. A primeira é pressa. Todos nós estamos apressados todo o tempo. Em casa, no trânsito, no trabalho, na igreja, tudo é correria. E sei que não sou a única pessoa com esse problema. Mas não é apenas a pressa que ameaça, definha, ou rouba a calma de nossa vida. Também existe a palavra preocupação. Há tanto a fazer, parece que o trabalho nunca tem fim; o telefone não pára de tocar, sempre há pessoas para atender. Quase não há tempo para repouso. Contudo, por favor, não me entenda mal. Não é que eu não queira tranqüilidade. Desejo-a muitíssimo. Minha vida pode estar cheia de movimento, correria, pressa e preocupação, mas eu quero sossego. A questão é: como obtê-lo?

Uma forma de enfrentar a correria é fugir. Fugir para uma ilha, para um filme, um bom livro. Pode ser uma opção, mas, francamente, não é a melhor. Tão logo o processo de fuga termine, todos os problemas estarão no mesmo lugar em que foram deixados. Outra saída é depender das circunstâncias que nos rodeiam. Se elas forem favoráveis, estaremos em paz, certo? Houve um tempo em que essa opção funcionaria razoavelmente bem. Mas, com as mudanças que nos trouxeram ao século 21, esse tempo desapareceu na visão do retrovisor.

A perspectiva bíblica

Consideremos dois versos dos capítulos 14 e 16 do evangelho de João. Neles, Jesus falava na noite anterior à da crucifixão. A cruz brilhava muito perto; a vida corria perigo. De fato, era difícil imaginar ocasião mais turbulenta. A tempestade estava pronta para lançar sua fúria sobre Ele. Os trovões já ribombavam. O clima emocional ficou pesado; a turbulência estava a caminho. Contudo, nesse tempo turbulento, Jesus falou a respeito de paz. Poderia haver ocasião pior para falar de paz? Mas veja o que Ele disse à véspera da tormenta:

“Deixo-vos a paz, a Minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração nem se atemorize” (João 14:27). “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em Mim. No mundo passais por aflições; mas tende bom ânimo; Eu venci o mundo” (João 16:33).

João 14:27 é a primeira vez em que aparece a palavra eirene (paz) nesse evangelho. Faria mais sentido falar de paz nos primeiros dias de pregação, antes que a multidão crescesse, os conflitos surgissem e chegassem os dias ameaçadores. As circunstâncias eram muito melhores. Não agora, quando sopravam os furiosos ventos da tempestade.

Não sei o que você pensa disto, mas, para mim, uma coisa está clara: a paz da qual Jesus falou não significa ausência de conflito. Afinal, Ele Se encontrava apenas a algumas horas da crucifixão. Pouco tempo antes, mostrara-Se angustiado (João 12:27). Porém, aqui, falou de paz. Sim, a paz que Jesus oferece não é proveniente da inexistência de lutas, dificuldades ou problemas. Um erudito do Novo Testamento diz que “a paz que Jesus nos dá está fundamentada em Deus, não nas circunstâncias”.1

No mundo, aflições

O que podemos esperar da vida é aflição. E a segura promessa que recebemos de Jesus é singularmente confortadora. Ela nos garante que, ao enfrentarmos lutas e aflições, não quer dizer que exista algo errado conosco, ou no que fazemos; na verdade, pode ser que alguma coisa esteja muito certa.

No início dos anos 90, nos Estados Unidos, muitos profissionais liberais começaram a se mudar das cidades para o campo. E você pode imaginar o que acontece quando pessoas acostumadas às conveniências da vida citadina chegam à zona rural: elas encontram algumas surpresas. O jornalista Patrick O’Driscoll escreveu no USA Today de 08/08/1997: “O rebanho do vizinho po-de feder, você pode ter de cuidar do seu próprio lixo. O carteiro pode não vir diariamente, ou nem vir. Fios de energia elétrica ou telefone podem não alcançar sua propriedade. Bombeiros ou ambulância podem não ser tão rápidos em uma emergência e, sim, a estrada pode não ser asfaltada.”

Aparentemente, muitos não estavam prontos para tais realidades, de modo que começaram a se queixar. Estavam frustrados por não poderem contar com todas as facilidades com que estavam acostumados. A queixa não funcionou muito. Aborrecido, um delegado do município de Larimer, Colorado, escreveu uma cartilha de 13 páginas, intitulada “O código do oeste: as realidades da vida rural”. Veja algumas dessas realidades:

“Animais e seu esterco podem mesmo causar cheiro desagradável. Que podemos fazer?

“Se sua estrada for de cascalho, é altamente improvável que o município vá pavimentá-la num futuro previsível.

“A topografia do terreno indica por onde a água escorrerá em caso de forte chuva. Se as propriedades ocuparem os desfiladeiros, seus proprietários devem saber que a água que escoava através deles, passará a escoar por suas casas.”

O delegado esclareceu que não estava expulsando os novos moradores, mas informando-os do que os esperava. Assim é Jesus. Ele disse aos discípulos, a você e a mim: “No mundo, passais por aflições”. Entretanto, esse fato e as ansiedades e preocupações decorrentes dele não devem nos esconder a realidade de Sua segunda afirmação.

Em Jesus, paz

A segunda afirmação que podemos fazer a respeito do que Cristo diz nesses versos é: Em Jesus, paz. Noutras palavras, embora você possa estar certo de que o mundo está cheio de problemas, aqueles que estão em Jesus desfrutam plena paz. Recebem a graça de erguer-se acima do combate, para um lugar de serenidade.

Eugene Peterson escreve acerca de uma cena do clássico Moby Dick, de Herman Melville. Nessa cena, há um barco singrando o espumoso e turbulento oceano em perseguição a uma grande baleia branca, Moby Dick. Os marinheiros trabalham intensamente, com músculos tensos, bem atentos à sua tarefa. É o conflito cósmico que nós vemos, a batalha entre o bem e o mal. Há o caótico mar e o demoníaco monstro marinho contra o Capitão Acabe, um homem moralmente ultrajado.

Mas o que chama nossa atenção é que, nesse barco, há um homem que nada faz. Não rema, não trabalha duro, nem grita. Está circunspecto e inerte no meio de toda agitação. Quem é ele? É o arpoador, que tem a responsabilidade de lançar o arpão contra a baleia. Ele espera quieto e sério. Então, lemos esta sentença: “Para assegurar maior eficácia no dardo, os arpoadores deste mundo devem começar na quietude, não na fadiga.” Captou a lição? Esse ensinamento de Melville, segundo Eugene Peterson, “pode ser posto lado a lado com o do salmista: ‘Aquietai-vos e sabei que Eu sou Deus’ (Sal. 46:10), e com o de Isaías: ‘Em vos converterdes e em sossegardes está a vossa salvação; na tranqüilidade e na confiança, a vossa força’ (Isa. 30:15).”

Peterson continua: “Os pastores sabem que há alguma coisa radicalmente errada com o mundo…. A baleia branca, símbolo do mal, e o capitão ofendido, personificação da justiça violada, estão em batalha. Em tal mundo, o barulho é inevitável, e imensa energia é gasta. Mas, se não houver arpoador no barco, não haverá peixe para caçar. Ou, se o arpoador estiver cansado, deixar sua tarefa e se tomar remador, não estará pronto quanto for tempo de lançar o dardo.

“Parece mais fácil assumir o trabalho do remador, trabalhando vigorosamente em uma causa moral, empregando nossa energia em um combate que sabemos ter conseqüências imortais. Também parece mais dramático absorver a injúria do capitão Acabe, obcecado pela visão de vingança e retaliação, ruminando a ofensa feita pelo inimigo. Alguém deve lançar o dardo. Alguns devem ser arpoadores.”2

É muito fácil permitir que a correria e as preocupações da vida impeçam cada cristão e, mais especificamente, cada pastor de desfrutar o privilégio de estar com Jesus. Quando a tormenta das exigências do trabalho soca o barco da vida, somos tentados a deixar o posto de arpoadores e a empregar nossa força no remo. É então que devemos nos lembrar de que todo pastor foi chamado, antes de tudo, para estar com Jesus. Ele diz: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em Mim.” Isso significa que devemos estar com Ele; nEle descansar.

Quando foi a última vez em que você esteve com Jesus, permanecendo demoradamente em Sua presença? Quando foi a última vez em que você, atormentado pela fúria dos problemas, dificuldades, ameaças e perspectivas nada otimistas, esteve a sós com Ele?

Você já ouviu a história daquela velhinha de Londres, na Segunda Guerra Mundial? A cidade estava sendo bombardeada e os escombros se amontoavam nas ruas. Estranhamente, ela parecia estar em paz. “Como pode a senhora ficar tão tranqüila? Como consegue descansar no meio deste caos?”, os vizinhos lhe perguntavam. “Bem”, ela respondeu, “todas as noites, antes de dormir, peço que Deus cuide de mim. Imagino que assim não há razão para nós dois ficarmos acordados; então, vou dormir.”

Você percebe? O problema real não se resume à correria nem às preocupações, mas se repousamos ou não em Cristo. No mundo, teremos aflições. Em Jesus, teremos paz.

Randall Roberts, pastor da igreja da Universidade Loma Linda, Estados Unidos

Referências:

1 Rodney A. Whitacre, The IVP NT Commentary Series: John (Downers Grove, III: University Press, 1999), pág. 365.

2 Eugene H. Peterson, The Contemplativo Pastor (Grand Rapids, Ml: Eerdmans, 1993), págs. 33 e 34.