Como administrar as tensões da vida cristã e dos embates pastorais

As características do século 21 configuram um conjunto de sinais indicadores da proximidade da segunda vinda de Jesus Cristo. Depois do violento ataque terrorista aos Estados Unidos, no dia 11 de setembro de 2001, e das tsunamis no sudeste asiático, em dezembro de 2004, que resultaram em mais de trezentos mil mortos e desaparecidos, nos despertamos para o fato de que ainda terão lugar acontecimentos inéditos que exigirão preparo especial para enfrentá-los.

Esses sinais produzirão “sobre a Terra, angústia entre as nações” (Luc. 21:25). Angústias, não apenas por causa das grandes catástrofes, mas também por falta ou excesso de trabalho, insegurança, assaltos, problemas familiares, doenças, e incapacidade para administrar as cargas da vida. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o maior problema do século 21 será a depressão, resultante do estresse que as pessoas sofrerão por não saberem administrar seus fardos.1

A Bíblia contém exemplos de indivíduos que se esquivaram de receber cargas e de outros que as receberam em demasia. Moisés se queixou a Deus, dizendo: “por que … puseste sobre mim a carga de todo este povo?” (Núm. 11:11). Porém, Deus não lhe havia imposto tal carga; ao contrário, o instruiu a nomear setenta anciãos para que o ajudassem a levar “a carga do povo” (vs. 16 e 17). Aliás, quando Jetro, sogro de Moisés, percebeu sua angústia e o árduo trabalho realizado, o aconselhou a dividir a carga entre líderes de dez, de cinqüenta, de cem e de mil. E disse: “…será assim mais fácil para ti, e eles levarão a carga contigo” (Êxo. 18:13-22).

O exercício do pastorado implica a existência de pesadas cargas, assim como a vida cristã individual. Como podemos administrá-las? Há pelo menos três princípios bíblicos, com ênfase imperativa, que podem nos ajudar a fazê-lo.

Responsabilidade individual

Escrevendo aos cristãos gálatas, Paulo diz que “cada um levará o seu próprio fardo” (Gál. 6:5). A palavra grega fortión, traduzida como fardo ou carga, contém a idéia de responsabilidade intransferível; algo que temos de levar, sem opção de recusar. Se não a assumirmos, seremos infiéis, irresponsáveis, diante de Deus. Envolve mordomia, e a todos os seres humanos é dito: “Presta contas da tua administração” (Luc. 16:2). Essa é a responsabilidade conferida a cada ser humano.

A expressão “cada um” indica responsabilidade individual. O líder, o liderado, o esposo e pai, a esposa e mãe, o filho, o patrão, o empregado, todos têm responsabi-lidades e dons, designados por Deus, que são intransferíveis e devem ser cumpridos. Na parábola dos talentos (Mat. 25:1-31), alguns servos receberam cinco talentos; ou-tros, dois; e outro recebeu um. Porém, todos foram igualmente responsáveis diante de Deus pelas cargas e tarefas recebidas. Elas podem ser grandes, médias ou pequenas, mas todos devem responder diante de Deus. “Se sua igreja for ‘normal, 20% dos membros estarão realizando 80% do trabalho. Isso é conhecido como o ‘princípio de Paretto’. Paretto foi um matemático italiano que viveu no século 19. Segundo ele, 80% dos resultados provêm de 20% dos eventos ou pessoas.”2

Bem, se numa igreja 20% estão levando 80% de toda a carga, a verdade é que ela está contaminada por “ociosite”, doença que a põe numa condição deplorável. Paulo escolheu as palavras certas. Quando disse que “cada um levará o seu próprio fardo”, empregou o termo idios (próprio), que tem muita força. É “a carga de sua propriedade”, “que lhe pertence”, que é intransferível, simplesmente “porque é sua”. Quando alguém não a assume, outra pessoa o faz. Por isso, temos filhos que prejudicam pais, professores que prejudicam alunos, líderes que prejudicam liderados e vice-versa.

Pais que assumem as cargas dos filhos, com o argumento de não desejarem que estes sofram, estão lhes fazendo grande mal, e transgridem o primeiro princípio imperativo, segundo o qual “cada um levará o seu próprio fardo”. Notemos os diferentes aspectos dos princípios bíblicos para levar nossas cargas: l)Todos, idosos, adultos, jovens e crianças, têm cargas. 2)As cargas são diferentes para cada pessoa. 3)Há diferentes formas pelas quais as cargas são conduzidas. 4)Todos ajudam outros a levarem suas cargas.

W. A. Visser’t Hooft, secretário geral do Concilio Mundial de Igrejas, em 1966, discursando em Nova York, disse que, para o cristão, não é suficiente praticar a “coexistência”, ou seja, “viver e deixar viver”. O cristão autêntico deve chegar à “preexistência”, que é “viver e ajudar viver”.3

Responsabilidade do grupo

“Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo” (Gál. 6:2). As igrejas da Galácia enfrentavam problemas. Seus membros manifestavam frutos da carne, como o egoísmo, e falhavam em frutificar obras do Espírito. Tal situação aumentava as cargas da vida. Então, Paulo os aconselhou a restaurar o sentido corporativo, usando uma expressão comum no cristianismo primitivo: “uns dos outros” (do grego allelon). Essa expressão aparece mais de 100 vezes no Novo Testamento.4

Diz o apóstolo: “… sede, antes, servos uns dos outros … Se vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos outros, vede que não sejais mutuamente destruídos” (Gál. 5:14 e 15). Em seguida, desafia os espirituais a corrigir, ou restaurar o que for surpreendido em alguma falta. Nesse texto, corrigir (do grego katartizo) é uma expressão médica equivalente a engessar. Era usada, quando havia alguém com ossos quebrados. Na mente de Paulo, o pecador é alguém que se encontra “quebrado” e necessita de ajuda para ser “restaurado”. Nesse sentido, a igreja deve ser realmente o que Jesus planejou que fosse: um lugar de restauração do pecador. Aqui aparece o segundo princípio imperativo.

“Levai as cargas [báros] uns dos outros.” O termo báros tem o sentido de “peso”. As cargas do verso 2 podem ser postas de lado, se necessário, ao passo que o fardo (fortión) do verso 5 é de tal natureza que, independentemente das circunstâncias, deve ser levado,5 porque é intransferível. A Nova Versão Internacional da Bíblia diz: “Ajudem-se uns aos outros a levar suas cargas.” Não podemos tomar a responsabilidade (fortión) de outra pessoa, porque é intransferível; mas, podemos aliviar o peso {báros) decorrente de várias causas.

Muitas vezes, diferentes problemas com os quais nos deparamos tornam a vida um fardo insuportável, que pode ser aliviado pela ajuda do grupo eclesiástico. E, como disse Paulo, “assim cumprireis a lei de Cristo”. Essa lei, “que vos ameis uns aos outros” (João 13:34), segundo Paulo, é cumprida, na prática, quando nos ajudamos mutuamente a suportar os fardos da vida. “A lei de amor enunciada por Cristo pede que se alivie o povo de suas cargas e não que se lhe imponha novas cargas.”6

Cristo esperava e cria que cada um, com atitudes simples, poderia fazer isso porque “palavras bondosas, olhares de simpatia, expressões de apreciação, seriam para muitas almas lutadoras e solitárias como um copo de água fria a uma alma sedenta. Uma palavra compassiva, um ato de bondade, ergueriam fardos que pesam duramente sobre fatigados ombros.”7

Mas, um terceiro conselho bíblico pode nos ajudar a manejar nossas cargas, e está relacionado com a lei de Cristo.

Promessa divina

“Lançando sobre Ele toda a vossa ansiedade, porque Ele tem cuidado de vós” (I Ped. 5:7); “confia os teus cuidados ao Senhor, e Ele te susterá” (Sal. 55:22). A palavra traduzida como “ansiedade”, no texto de Pedro é marimna. No Salmo 55, sua correspondente hebraica foi traduzida como “cuidados”. O sentido é o mesmo nos dois casos: carga, fardo. Davi partilhou seu conselho em meio a uma desesperada conspiração. Ele já experimentara o alívio do peso das angústias, ao deixá-las sobre Aquele que “jamais permitirá que o justo seja abalado”.

Quando as responsabilidades (fortión) são pesadas {báros) podem causar ansiedade (marimna) quase insuportável, que pode ser aliviada somente com a ajuda de Deus. Por isso, o salmista já indicava o lugar certo em que podemos descansar de nossos cuidados ou ansiedades.

Se for prontamente obedecido, o sábio conselho de Davi e Pedro ainda pode aliviar as cargas, em pleno século 21, quando vivemos o cumprimento de um dos sinais da segunda vinda de Cristo, segundo o qual haveria “sobre a Terra, angústia entre as nações em perplexidade… homens que desmaiarão de terror e pela expectativa das coisas que sobrevirão ao mundo” (Luc. 21:25 e 26). Hoje, com a ajuda de cada um, de modo individual, da igreja como grupo e, especialmente, com a ajuda de Deus, podemos aliviar nossas cargas. Porque a verdadeira igreja de Cristo alivia cargas.

A religião dos escribas e fariseus do tempo de Jesus aumentava os fardos. A respeito deles, Cristo disse: “Atam fardos [fortión] pesados [báros] [e difíceis de carregar], e os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los” (Mat. 23:4). Alguns se queixavam e continuavam indo à sinagoga e ao templo. Porém, os publicanos e pecadores abandonaram toda esperança.

Ser religioso em Jerusalém era uma carga insuportável; era a religião da aparência. Praticavam boas obras “com o fim de serem vistos dos homens” (v. 5) e colocavam “responsabilidades pesadas” (fortiones bareas) sobre os pecadores. No entanto, Cristo veio para eliminar a falsificação religiosa, aliviar as cargas. Nele, todos encontramos descanso. Eis Seu convite: “Vinde Mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o Meu jugo e aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma; porque o Meu jugo é suave, e Meu fardo é leve” (Mat. 11:28-30).

No século 21, assim como no primeiro século, todos carregam fardos pesados e opressores. Cada um tem o seu. Pastores, com seu trabalho desafiador; membros e famílias das igrejas, em sua vida particular, conduzem suas cargas específicas. Felizmente, todos podem encontrar alívio em Cristo Jesus. A expressão “Meu fardo é leve” contrasta com as “pesadas cargas” que os líderes religiosos legalistas impunham ao povo, nos dias de Jesus.

Aparentemente, Cristo estaria aumentando a carga, ao nos propor tomar Seu jugo sobre nós. Porém, quem está familiarizado com a utilização do jugo em animais percebe que o convite do Mestre representa alívio da carga. Ao sermos levados a conduzi-la com o jugo de Cristo, Ele está no outro

lado, sustentando o peso maior. Quando, mediante a fé e a oração, aprendo a deixar minhas cargas sobre Cristo, elas são aliviadas. Porque, como Joe Engelkemier repete várias vezes em seu livro sobre a oração, “Deus pode fazer mais em um momento, por meio de Seu Espírito, do que podemos fazer com nosso esforço durante toda a vida”.8

Refletir para mudar

A esta altura, convém enumerar alguns itens conclusivos, dignos de reflexão e que devem nos conduzir a mudanças em nosso modo de agir, tendo em vista nosso benefício pessoal, familiar, como líderes, e para o bem de nossas igrejas:

Muitos membros de igrejas, afetados por um individualismo exagerado, carregam apenas seus fardos, sem ajudar outros irmãos a levarem os seus. Tal atitude não caracteriza uma comunidade que se diz igreja.

O fato mais comumente observado em nossas igrejas é a doença da “ociosite”, manifestada na prática de uma pessoa levar a carga de cinco. Desse modo, cumpre-se o desastroso “princípio de Paretto”, segundo o qual 20% da irmandade realiza 80% das tarefas da igreja.

Há grupos religiosos que, afligidos pela existência de inúmeros problemas, cruzam os braços e ninguém se dispõe a levar carga nenhuma.

Também existem igrejas que parecem ter sido contagiadas pela doença farisaica de aumentar as cargas na vida dos seus fiéis.

Todos os comportamentos enumerados até aqui refletem aberrações na igreja de Cristo. A igreja só existe, realmente, quando cada um leva suas próprias cargas com responsabilidade e, com amor cristão, ajuda os semelhantes na condução de seus fardos.

Acima de tudo, a plenitude do bem-estar espiritual será experimentada, individual e coletivamente, quando aprendermos a colocar nossas angústias, ansiedades, preocupações e responsabilidades pesadas, sobre Aquele que Se oferece para levá-las por nós.

Daniel J. Rode, secretário da Faculdade de Teologia da Universidade Adventista Del Plata, Argentina

Referências:

1 América Notícias, 19/05/2005.

2 Fred Smith, La Dinâmica del Iglecrecimiento (Miami, Flórida: Caribe, 1993), pág. 69.

Daniel J. Rode, secretário da Faculdade de Teologia da Universidade Adventista del Plata, Argentina

3 Tomás A. Davis, Prelúdios Para a Oração (Buenos Aires, Argentina: Aces, 1967), pág. 287.

4 Betty de Carroll, Norma C. de Armengol e José Tomás Poe, editores, A Nova Concordância Greco-Española del Nuevo Testamento con índices (El Paso, Texas: Casa Bautista de Publicaciones, 1980), pág. 30.

5 Francis D. Nichol, El Comentario Bíblico Adventista del Séptimo Dia, vol. 6, pág. 984.

6 Normal F. Pease, En Esto Pensad (Buenos Aires, Argentina: Aces, 1969), pág. 304.

7 Ellen G. White, Serviço Cristão, pág. 190.

8 Joe Engelkemier, Grandes Oraciones de la Bíblia y Quienes las Elevaron (Buenos Aires, Argentina: Aces, 2000), págs. 9, 35, 52, 61, 66 e 88

Todos carregamos fardos pesados e opressores. Felizmente, podemos encontrar alívio em Cristo Jesus