Os embaixadores de Deus respondem a todas as situações causadoras de amargura com a mesma atitude dAquele a quem representam

O criticismo inflige dolorosas feridas emocionais a qualquer pessoa. Todos nós o tememos e sonhamos com o dia em que poderemos ficar livres dele. Contudo, os eventos da vida constantemente nos lembram sua esmagadora presença. “Quando somos golpeados pelos projéteis e atingidos por intensos ataques de amigos e inimigos”, escreveu Hans Finzel, “isso produz um efeito devastador em nossas emoções. Pode levar nosso trabalho a um estacionamento angustiante, e então nos encontramos tendo de tratar com o próprio criticismo.”1

Alguém pode perguntar: Quais são os agentes que disparam o vicioso ataque do criticismo, e como podemos administrar seu impacto?

Raízes

O espírito de criticismo emerge “dos prazeres que militam na vossa carne”, escreveu o apóstolo (Tiago 4:1-3). Em outras palavras, a natureza humana contribui para o surgimento de conflitos, querelas e lutas. Finzel identifica as seguintes causas do criticismo: ciúme, expectativas não satisfeitas, crises organizacionais, incompreensões, conflito de valores, falhas, desconfiança, orgulho e arrogância.

Raramente temos experimentado criticismo originado no bem que está presente nas mais puras intenções. Se esse fosse o caso, o resultado seria sempre a intensificação dos relacionamentos. Entretanto, o criticismo a que estamos nos referindo inclui o tortuoso e desumano julgamento, além do dilúvio de pontos de vista egoístas e obstinados que desvalorizam o caráter. Usualmente, as enviesadas e opiniáticas flechas do criticismo miram o nervo central da sensibilidade emocional. Como resultado, a dor por ele infligida ativa os mecanismos humanos de defesa, despertando a atitude de lutar ou fugir. Nesse sentido, o criticismo e uma correspondente resposta emocional exagerada são reacionários e igualmente nocivos. Finzel enumera as seguintes reações ao criticismo: abandono, fuga, tentativa de se esconder, ira, depressão, busca de vingança, ataques traiçoeiros, menosprezo aos críticos.’

Direitos pessoais

Agora, passaremos a discutir outra visão tão amplamente promovida em nosso ambiente contemporâneo, que não é outra senão a luta pelos direitos pessoais. Quando tais direitos são usados como uma contramedida defensiva em relação ao criticismo, essa luta também pode ser igualmente prejudicial. Respostas tanto ofensivas como defensivas reduzem a objetividade das soluções do conflito e, assim, as partes envolvidas continuam numa infindável confusão, que só faz aumentar a profundidade das feridas emocionais e destitui a pessoa da dignidade humana.

Minha análise pessoal de diferentes conflitos sugere que indivíduos reacionários em sua resposta ao criticismo acumulam maior dano emocional que seus oponentes. E por causa do alto nível de tensão emocional, torna-se mais fácil cruzar os limites dos relacionamentos morais.

O fator Deus

Como Deus entra nessa equação? Se considerarmos a responsabilidade do cuidado pastoral como sendo a de levar pessoas à presença de Deus, como pode o pastor levar avante essa tarefa em circunstâncias tão difíceis? É muito interessante notar que Finzel introduz Deus no contexto das lutas criadas pelo criticismo, sob uma nova luz. Ele afirma: “Deus usa o criticismo e o ataque pessoal para aprofundar nosso crescimento e nossa maturidade.”’

Acaso, Deus atua dessa forma? Em caso afirmativo, está Deus ocupado na execução de um jogo emocional conosco? Ainda de acordo com Finzel, “parece ser um processo que Ele utiliza para eliminar arestas ásperas e para aprofundar nossa humildade bem como nosso senso de dependência dEle”.4 E, para apoiar seu pensamento, ele cita Tiago 1:2-4: “Meus irmãos, tende por motivo de toda a alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes.”

Nestes dias em que, para muitas pessoas, Deus parece tão distante, e em ocasiões em que nós parecemos tão dependentes de nossa própria sabedoria para resolver os problemas da vida, a noção de dar uma parada na oficina do divino oleiro (Isa. 64:8) cria certo nervosismo. Todavia, muito melhor que ver essa experiência através de uma perspectiva cética, devemos considerá-la uma resposta de Deus, que cura as mazelas humanas.

Respostas reacionárias intensificam a dor das feridas emocionais. Essas respostas carecem de poder curador e abertura para tratar objetivamente com o criticismo. Ao confrontá-lo nos trajes de nossa indigência espiritual, tão somente aderimos aos mecanismos do egocentrismo, atirando-nos uns contra os outros.5

O primeiro conflito

Comentando a natureza do conflito de Adão e Eva, Elizabeth Achtemeier expõe a futilidade das tentativas que o primeiro casal fez para resolver o trauma da situação criada por eles mesmos. Diz ela: “E assim eles fizeram algo para se esconderem, buscaram uma frágil proteção mútua.”6 Eu gostaria de sugerir que, nesse caso, o ambiente estava carregado de dor emocional, frustração, vergonha e culpa. De fato, a separação de Deus possibilitou que a vida fosse invadida por novas emoções. Essa condição abriu as portas para reações inesperadas e de perplexidade.

Há uma notável semelhança entre as respostas de Adão e Eva à situação enfrentada por eles e a lista das reações humanas, elaborada por Finzel, ao criticismo (fuga, sentimento de culpa, tentativa de se esconder).

Na experiência original, está bem claro que a solução para as tensões não emerge das respostas reacionárias espontâneas. Ao contrário, ela estava embutida no poder curativo da voz que chamava: “Onde estás?” (Gên. 3:9). Posteriormente, ao explorar o enganoso egocentrismo da natureza humana, Achtemeier escreveu: “Quão freqüentemente nós nos cobrimos com mentiras, enganos e racionalizações, a fim de nos proteger em nossos relacionamentos mais profundos.”7

Nossas respostas

A profundamente arraigada insegurança de nossa alma despedaçada afeta o modo como respondemos ao criticismo. Geralmente, tendemos a administrá-lo a partir dos nossos temores, sentimento de culpa, vergonha, ira, frustrações e mágoas. Assim, como disse Finzel, é possível considerar essa experiência um instrumento nas mãos de Deus para nos ajudar em nosso amadurecimento e aprofundar nossa confiança nEle. Em II Coríntios 5:2-5, Paulo expressa o desejo de ser revestido com a habitação celestial. Eis suas palavras: “E, por isso, neste tabernáculo, gememos, aspirando por ser revestidos da nossa habitação celestial; se, todavia, formos encontrados vestidos e não nus. Pois, na verdade, os que estamos neste tabernáculo gememos angustiados, não por querermos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida. Ora, foi o próprio Deus quem nos preparou para isto, outorgando-nos o penhor do Espírito.”

Aqui, ele raciocina que a habitação celestial cobre a nudez humana. E podemos sugerir que, com o termo “nu”, ele se refere à completa exposição do “eu” com todas as suas inconsistências. Porém, Deus nos criou para a eternidade. Essa presente condição nos torna desconfortáveis e relutantes em ser transparentes (v. 4). O anelo secreto da alma envolve uma resposta humana de confiança nAquele que entra em nossas dores e mágoas emocionais, chamando de maneira apaixonada e amorosa: “Onde estás?”

Uma resposta a esse chamado significa “liberar o controle de nossos relacionamentos para Deus, a fim de que Ele venha Se encontrar com o tipo de pessoa que somos, na profundidade do nosso ser”.8 O Senhor está desejoso de cobrir nossos temores e nossa vergonha, reparando as asperezas de nossa humanidade. Sim, as circunstâncias adversas da vida e tudo o que despedaça emocionalmente o ser humano modelam o caráter para a eternidade. Essas coisas tocam as cordas de nossas emoções, produzindo uma resposta e nos habilitando para que vejamos a nós mesmos sob a verdadeira luz. O que Finzel considera a maneira de Deus eliminar as arestas de nosso egocentrismo eu considero a resposta humana ao abrandamento, ou moderação, divino.

Abrandamento divino

O que chamo de abrandamento divino é uma atitude relacionada ao processo através do qual alguém começa a manejar o criticismo a partir de uma perspectiva centralizada e orientada por Deus. Em virtude de que Deus é o restaurador e o oleiro, a prioridade na administração do criticismo não é prover uma reposta reacionária aos nossos oponentes, mas aprender, apreender e aplicar as lições que Ele tenta nos ensinar. Uma dessas lições é que o aumento da dor deve nos direcionar à fonte de cura (Mal. 4:2; Isa. 40:28-31).

Esse modelo de comportamento não sugere desconsideração nem indiferença para com o criticismo. Sugere, sim, uma abordagem assertiva, resultante da cura experimentada na presença de Deus e que implica resignação, paciência, pureza, compreensão, bondade, amor, autenticidade, alegria e falar verdadeiro. É como escreveu Paulo: “Não dando nós nenhum motivo de escândalo em coisa alguma, para que o ministério não seja censurado. Pelo contrário, em tudo recomendando-nos a nós mesmos como ministros de Deus: na muita paciência, nas aflições, nas privações, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns, na pureza, no saber, na longanimidade, na bondade, no Espírito Santo, no amor não fingido, na palavra da verdade, no poder de Deus, pelas armas da justiça, quer ofensivas, quer defensivas; por honra e por desonra, por infâmia e por boa fama, como enganadores, e sendo verdadeiros; como desconhecidos, e entretanto bem conhecidos; como se estivéssemos morrendo e contudo eis que vivemos; como castigados, porém não mortos, entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo.” II Cor. 6:3-10.

Ao abrirmos nossa vida à presença de Deus e nos colocarmos nas mãos do divino oleiro, também entregamos as perigosas armas dos nossos falhos mecanismos de defesa ao poder curativo da Sua graça. Essa reciprocidade relacionai nos induz a abrir nosso coração a Deus, à medida que confiamos nEle. Disse o salmista: “Na minha angústia invoquei o Senhor, gritei por socorro ao meu Deus. Ele do Seu templo ouviu a minha voz, e o meu clamor Lhe penetrou os ouvidos.” Sal. 18:6.

Lembre-se, tratamento defensivo do criticismo provoca reações agressivas. Por outro lado, o poder curativo de Deus cria nova autenticidade e abertura. A demonstração de confiança nas mãos do oleiro nos capacita a tratar nossos males com renovada esperança, e nos dá condições para valorizar pessoas, mesmo os nossos mais ardorosos oponentes, como possessão de Deus. Assim, guiar pessoas à presença de Deus significa expô-las à autenticidade do Seu poder curativo, confirmada pela resposta pastoral ao criticismo que já não é reacionária, mas relacionalmente capacitadora. Ela inclui completa medida de sensibilidade e tato no trato amoroso com aqueles que nos ferem.

O exemplo de Cristo

Jesus nos deixou um exemplo de absoluta confiança na infalível justiça de Deus: “Pois Ele, quando ultrajado, não revidava com ultraje, quando maltratado, não fazia ameaças, mas entregava-Se Aquele que julga retamente.” I Ped. 2:23. Então, é possível ver nossos críticos como instrumentos de Deus, utilizados para modelar nossa confiança e dependência dEle. Não é fora de lugar, a esta altura, relembrar que Jesus aconselhou Seus seguidores a amar seus inimigos (Mat. 5:44).

Repito: não estou sugerindo que devemos ser indiferentes ou ignorar o criticismo. A assertividade a que estou me referindo é simplesmente um comportamento revelador da restauradora presença divina em nós, diante dele. É importante notar que Paulo (em II Coríntios 6:3-10) aponta a realidade do desconforto emocional criado por pessoas difíceis. Ele se refere à experiência de desonra, infâmia, acusação de ser enganador, castigo, tristeza e pobreza. Porém, apresenta uma visão contrastante: “entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo” (v. 10).

Parece que o apóstolo conhecia muito bem o segredo dessa restauradora mudança de atitude. Ele ancorou sua confiança no poder da graça de Deus, manifestada em Cristo Jesus: “Pois conhecereis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, Se fez pobre por amor de vós, para que pela Sua pobreza vos tornásseis ricos.” II Cor. 8:9.

Consideremos o seguinte:

A presença de Deus cura feridas emocionais.

A presença de Deus provê capacitação, sensibilidade e tato para tratar o criticismo com abertura e responder aos críticos com firme gentileza. Os críticos também possuem emoções e sentimentos.

Deus dá a visão necessária para nosso crescimento pessoal.

Deus nos dá paciência.

Deus provê razões para oração, adoração e amor responsivo.

Deus nos dá um senso de objetividade que ajuda a distinguir a crítica positiva da difamação injusta. E dá poder para convivermos com a difamação.

A resposta de Deus ao criticismo guia pessoas à Sua presença. Em meio a infortúnios e provações, Paulo realçou o propósito da missão de Deus. Em primeiro lugar, Deus nos reconciliou com Ele através de Jesus. Em segundo lugar, deu-nos o ministério da reconciliação. Finalmente, nos fez Seus embaixadores (II Cor. 5:20). Na mente de Paulo, isso envolve cura pessoal. O que segue é a responsabilidade de enfrentar as questões da vida como embaixadores da graça divina. Embaixadores de Deus respondem às circunstâncias causadoras de sofrimento com a atitude dAquele a quem representam. “Enquanto deixarmos predominar na lembrança os atos desagradáveis e injustos de outros, parecer-nos-á impossível amá-los como Cristo nos ama; se, porém, nossos pensamentos se fixam no extraordinário amor e piedade de Cristo para conosco, esse mesmo espírito irradiará de nós para os nossos semelhantes. Cumpre-nos amar e respeitar uns aos outros, não obstante as faltas e imperfeições que não podemos, malgrado nosso, deixar de notar neles.”9

Falando sobre o perdão, J. P. Pingleton escreveu: “Tornamo-nos mais semelhantes a Deus, quando perdoamos. Nenhuma outra descrição da divindade se aproxima da qualidade do perdão. Genuíno perdão só é possível pelo amor, graça e misericórdia de Deus.”10 Receber e partilhar o perdão divino é o ápice da liderança pastoral. Revela maturidade espiritual e psicológica e, realmente, é a essência do ministério de êxito.

Referências:

  • 1 Hanz Finzel, Empowered Leaders (Nashville, TN: W. Publishing Group, 1998), pág. 76.
  • 2 Ibidem, pág. 77.
  • 3 Ibidem.
  • 4 Ibidem.
  • 5 Elizabeth Achtemeier, Preaching Biblical Texts: Exposition by Jewish and Christians Scholars (Grand Rapids, MI: errdmans, 1995), pág. 5.
  • 6 Ibidem.
  • 7 Ibidem.
  • 8 M. Robert Mulholland Jr., Invitation to a Journey: A Road Map for Sipiritual Formation (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1993), pág. 31.
  • 9 Ellen G. White, Caminho a Cristo, pág. 121.
  • IOJ. P. Pingleton, Journal of Psychology and Theology 25, n° 4 (1997), pág. 411.