“O pregador não foi chamado por Deus para entreter as pessoas nem para ser humorista ”
por Derek J. Morris e Zinaldo A. Santos
Em seu livro Pregação no Espírito, Dennis F. Kinlaw conta que, em uma das igrejas que pastoreou, certa senhora mantinha o hábito de vigiá-lo quase ininterruptamente. Às vezes, ela chegava em sua casa antes das sete da manhã, simplesmente para ver se o pastor estava começando o dia como devia. Contudo, precavida contra alguma reação desfavorável, tinha o cuidado de levar uma cesta de frutas para o anfitrião. Como se isso não bastasse, após a apresentação dos seus sermões, Kinlaw ainda precisava reunir grande dose de paciência para ouvir observações sobre emprego da gramática, gesticu-lação e outros detalhes.
Certo dia, enquanto conversavam sobre outro pregador, aquela senhora fez o seguinte comentário: “A pregação dele parece ervilhas secas caindo sobre um telhado de zinco.” Embora estivesse certo de que não lhe era endereçada, Kinlaw diz ter ouvido a crítica como incentivo à busca pela excelência na pregação. Na realidade, todo pregador deve ter em mente o fato de que, “no púlpito, ele deverá fazer muito do seu melhor trabalho Para o tempo e para a eternidade”, segundo as palavras de Andrew Blackwood. Infeliz é o pregador cuja mensagem soa tão desprovida de sentido como o barulho de “ervilhas secas caindo sobre um telhado de zinco”.
Sendo porta-voz de Deus, o pregador é um mensageiro de esperança, arauto de salvação; não propagandista de condenação. É seu divino encargo levar a alegria do Senhor aos abatidos e desenganados; guiar homens e mulheres cansados ou rebeldes, exultantes ou deprimidos, ardorosos ou indiferentes para o “esconderijo do Altíssimo”. “Quando um homem toma a espada da Palavra de Deus em sua mão e, empunhando-a, limpa o caminho para Seu povo, então esta Palavra deve brilhar com um novo brilho. Somente um sermão baseado na Palavra de Deus pode ser poderoso a ponto de derrubar fortalezas”, diz Roy Allan Anderson. Noutras palavras, se o pregador espera que sua mensagem tire pecadores da lama do pecado e os conduza à presença de Deus, fortaleça a fé e a segurança da salvação entre seus ouvintes, precisa fundamentá-la na Palavra.
Entre os muitos pregadores empenhados em manter esse elevado padrão, está o Pastor Charles D. Brooks, diretor e orador emérito do programa de televisão Breath of Life [Fôlego de vida], e secretário de campo, jubilado, da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia. Ao longo de mais de meio século de atividades, o Pastor Brooks levou milhares de pessoas à aceitação de Cristo como Salvador. Nesta entrevista, concedida a Derek J. Morris, pastor da igreja do Colégio Forest Lake, na Flórida, Estados Unidos, ele partilha valiosos conceitos sobre pregação evangelística.
Ministério: Durante mais de cinqüen-ta anos, o senhor tem pregado a Palavra de Deus com santa ousadia. Não há dúvida de que o senhor cumpre o mandato de Paulo a Timóteo, no sentido de fazer o trabalho de um evangelista. Através do seu ministério, Deus tem tocado milhares de vidas. Quando foi que sentiu, pela primeira vez, o chamado para se tomar pregador?
Charles Brooks: Na verdade, inicialmente, eu não tinha intenção de me tomar um pregador. Inclusive, até já estava matriculado em uma faculdade de Odontologia, quando o Senhor falou comigo, duas semanas antes do início das aulas. Eu estava assistindo a uma palestra do Pastor Earl Cleveland, no auditório móvel, quando o Senhor impressionou minha mente de modo realmente forte, marcante, inesquecível. Senti como se Ele estivesse me dizendo: “Isto é o que desejo que você faça, e Eu o ajudarei a tomar clara a verdade.” Voltei para casa e conversei com minha mãe a respeito dessa experiência. Então, ela me disse: “Filho, quando você nasceu, eu o entreguei a Deus. Creio que agora Ele está chamando você.” Eu atendi o chamado e nunca pensei em retroceder.
Ministério: A grande maioria das pessoas que ouvem seus sermões tem a impressão de que jamais ouviu alguém pregar com tanta ousadia e coragem. É como se elas estivessem ouvindo alguém com fogo nos ossos. Para o senhor, o evangelismo é um dom especialmente concedido a alguns pregadores, ou todo pregador pode ser evangelista?
Charles Brooks: Acredito que existe o dom especial de evangelista. A Bíblia fala disso. Contudo, também creio que todo indivíduo que é chamado para pregar recebe esse chamado para pregar exclusivamente a Palavra de Deus, ou seja, o evangelho. Isso é evangelizar.
Ministério: Em muitos círculos ministeriais, especialmente entre pastores jovens, parece haver a tendência de ali-mentar certo ceticismo em relação à pre-gação evangelística. A alguns deles têm sido sugerido que já se foi o tempo do evangelismo público. E, infelizmente, esses acabam sendo convencidos de que as pessoas não irão a uma reunião de evangelismo público para ouvir algum pregador. Como o senhor respondería a esse questionamento?
Charles Brooks: Não tenho a menor hesitação em dizer que tal idéia não procede de Deus. Os melhores dias para o evangelismo ainda estão à nossa frente. Ainda estamos para ver o milagre de milhares de pessoas sendo batizadas em um dia. E isso não está muito distante. Na verdade, podemos observar esse acontecimento agora. Eu estava conduzindo uma campanha curta de evan-gelismo em Chicago e aproximadamente quinze jovens pastores foram designados para trabalhar comigo. No início, alguns desses obreiros eram um pouco descrentes quanto ao evangelis-mo público. Porém, dedicaram-se ao trabalho, zelosamente, e, no fim das reuniões, mais de 200 pessoas tomaram pública sua aceitação de Cristo através do batismo. Aqueles jovens pregadores se tomaram verdadeiramente apaixonados pela pregação evangelística.
Ministério: Uma característica de suas mensagens é que o senhor desafia seus ouvintes a pensar. Por exemplo, reveja esta declaração sua, feita em um sermão sobre salvação: “Nosso assunto esta noite trata de uma questão que é tão vital, que eu não sei, de fato, como impressionar vocês sobre a importância dela. Diante disso, amigos, vou pedir-lhes um favor. Quando entraram aqui, todos receberam um pedaço de papel em branco, no qual devem escrever as passagens bíblicas mencionadas na palestra e fazer todas as anotações que desejarem. Certamente, vocês ouvirão coisas que nunca ouviram antes. Eu acho que vocês devem checá-las depois, para ver se estou dizendo a verdade. Vocês sabem, uma das razões pelas quais há tanta confusão, hoje, no cristianismo, é que as pessoas entram num templo, acomodar-se, ouvem e absorvem tudo o que o pregador diz, sem examinar por si mesmas depois. Como vocês não me conhecem, examinem para ver se as coisas são de fato como eu digo. Se não forem, não acreditem em mim.” Essa é uma abordagem curiosa. O senhor a herdou de outros pregadores ou desenvolveu pessoal’ mente esse estilo?
Charles Brooks: Para ser honesto, acho que não tenho empregado nem cinco minutos preocupando-me com estilo. Essa é simplesmente a maneira como minha mente é influenciada a trabalhar. Depois de pensar um pouco, cheguei à seguinte conclusão: Considerando que, às vezes, a verdade é chocante para muitos descrentes, temos de ser sábios e prudentes ao apresentá-la. Freqüentemente apresento uma proposição que demanda prova escriturística. Então, incentivo os ouvintes a examinar essa prova. O exame pessoal da Palavra é benéfico para eles. Eu creio firmemente que há poder na Palavra. Certa vez, uma senhora, em Columbus, Ohio, recebeu o convite para uma de nossas conferências e começou a lê-lo. Depois, chamou uma das filhas e disse: “Vamos ver o que este bobo está dizendo.” Elas foram às reuniões e, em determinado dia, enquanto eu pregava, percebi um grupo de pessoas se levantando. Apreensivo, pensei: “Meu Deus, será que eu disse alguma coisa que ofendeu esta gente?” Porém, ao contrário de saírem, aquelas pessoas deixaram seus assentos e se dirigiram à frente, manifestando a disposição de seguir os ensinamentos da Bíblia, conforme apresentados naquela noite. Nesse grupo estavam aquela senhora e seus filhos. Eu não tinha feito nenhum apelo. O poder da Palavra de Deus operou.
Ministério: A pregação evangelística envolve chamar pessoas para que tomem decisões transformadoras de vida. Isso parece intimidar muitos pregadores, que se tomam retraídos no momento de fazer apelos, temendo uma provável resposta negativa dos ouvintes. Que conselho o Senhor daria a esses pregadores?
Charles Brooks: Na realidade, alguns pregadores têm vindo falar comigo a esse respeito. Dizem que ficam tão nervosos no momento de apelar ao povo para tomar uma decisão que envolva mudança de vida, que se desmontam inteiramente. Eu aconselho o seguinte: Quando você se sente responsável pelo modo como as pessoas responderão, realmente você está assumindo uma responsabilidade que não é sua. Nossa responsabilidade, como pregadores, é dar aos ouvintes oportunidade para responderem ao chamado divino. O que acontece no coração deles é entre eles e Deus. Se você apela às pessoas para que elas aceitem a Cristo, e ninguém responde, não se sinta culpado de coisa alguma. Possivelmente, já estejam salvas. Se não estiverem, não estão rejeitando você, mas Cristo. Não tenha medo de fazer apelos.
Ministério: Poderia dar exemplos de como o senhor faz apelos?
Charles Brooks: Sim. O apelo é sempre destinado a levar o ouvinte a tomar uma decisão com respeito à mensagem apresentada. Não deve ser repetitivo nem monótono; deve ser variável, tocante, emocionante, convidativo a uma mudança de rumo na vida. Durante o apelo, costumo dizer algo como: “Jesus foi preparar lugar para você, na cidade celestial. E algum dia, muito em breve, Ele virá para levá-lo a esse lar. Os portais da cidade já estão se abrindo para você. E os santos já estão se preparando para marchar na direção dela. Amigo, sabe você quem são esses santos? São pecadores indignos que foram resgatados e purificados pelo sangue do Cordeiro. Essa experiência está franqueada a todas as pessoas, porque Cristo abriu o caminho. Eu desejo ser salvo. Quero ir para aquele lugar onde a árvore da vida floresce, onde há descanso para nossa fadiga. Em algum lugar, nos campos do Eden, o povo de Deus estará reunido. Eu quero encontrar você ali. Desejo cumprimentá-lo no reino de Deus. Mas, acima de tudo, Jesus deseja rece-bê-lo nesse lugar. Ele morreu para que você possa estar ali. Derramou Seu precioso sangue para que você possa ser salvo, lavado de seus pecados, e possa ter poder para viver inteiramente para Ele. Minha pergunta hoje é: Quantos de vocês desejam aceitar o que Jesus fez em seu favor? Quantos desejam estar salvos em Seu reino? Convido os que desejam isso a se porem de pé, a fim de que eu ore em seu favor.” Às vezes, também digo o seguinte: “É tempo de decisão. Este é o momento para uma entrega completa. É tempo de deixar Cristo tomar nossos maus desejos, nosso caráter manchado, nossa má conduta, e fazer algo novo em nós. Se você deseja entregar a velha vida a Cristo, para que Ele a converta inteiramente; se deseja colocar-se ao pé da cruz neste momento, entregando-se completamente a Jesus, levante-se, em nome dEle. Quero orar por você.” Devo acrescentar que a música tem um poder fantástico durante o apelo. Escolher um cântico apropriado, solene, apelativo, que fale ao coração, é indispensável.
Ministério: Esses exemplos lembram um apelo feito por Billy Graham, depois de ter pregado sobre conversão. Ele concluiu o sermão com estas palavras: Quero lhe dizer que, quando você for a Cristo, e eu não sei quando, onde, nem como isso acontecerá, você deve ir por arrependimento, e pela fé, confiando somente nEle, em Sua morte e ressurreição, para sua salvação. Se você ainda não foi a Cristo, ainda não O encontrou, convido-o para fazê-lo agora. Você pode até ser membro da igreja, cantar no coral, ou exercer alguma outra função. Pode até ser um instrutor da Bíblia, mas não está seguro de que realmente teve uma experiência pessoal com Jesus e ser convertido. Você precisa estar seguro disso. Convido-o a deixar seu lugar, vir aqui à frente e, com esse gesto, dizer: ‘Recebo Jesus como meu real Salvador. Entrego minha vida a Ele.’”
Charles Brooks: Esse é um bom exemplo de apelo simples e objetivo. A medida que você ouve e prega sermões evangelísticos, aprende que existem muitas maneiras de fazer apelos. O objetivo é mais que simplesmente obter uma resposta emocional. Costumo dizer às pessoas: “Quero que vocês pensem. E melhor refletir que agir por impulso.”
Ministério: Ao fazer o apelo, o pregador deveria ir além de apenas recitar um palavreado “enlatado”, escrito em um pedaço de papel. Suas palavras, entonação da voz e linguagem corporal devem comunicar um interesse, que saia do coração, pelos ouvintes. Certo?
Charles Brooks: Isso é muito importante. As pessoas percebem quando você está representando um papel. Lembro-me de uma ocasião em que realizei uma grande campanha evangelística e, pela primeira vez, necessitei de um intérprete. Foi no Egito. Certa noite, recebi um bilhete escrito em árabe e pedi que o intérprete o traduzisse para mim. O bilhete dizia o seguinte: “Caro pastor, nós o ouvimos, e também o vemos. E podemos ver em seus olhos que o senhor crê e vive o que diz.” Nunca me esqueci disso. Eu não prego qualquer coisa na qual não creia. Não prego a respeito de nada sobre que não possa falar com convicção. As pessoas percebem. Elas sentem; sabem se você está ali apenas realizando uma atividade profissional. Porém, eu desejo que elas sintam que eu estou ali sob o controle do Espírito Santo; e que elas mesmas estejam sendo impressionadas por esse Espírito. Não é a mim que elas respondem. É a Ele.
Ministério: Que outro conselho, ou palavra de encorajamento, o senhor gostaria de dar aos pregadores que sentem o chamado de Deus para buscar os perdidos e levá-los a Cristo?
Charles Brooks: Há sempre o perigo de o pregador querer demonstrar alta erudição. Contudo, a Bíblia diz que Jesus falava às pessoas comuns e elas O ouviam prazerosamente. Leia tudo o que você quiser. Encha sua mente. Mas, quando você pregar, seja simples, direto, sincero, claro e objetivo. Os ouvintes absorverão melhor a mensagem e se sentirão mais à vontade com você. Não tente impressioná-los com sua intelectualidade. Apenas demonstre sincero interesse por eles; ame-os. Durante a pregação, o contato visual é extremamente importante. Gosto de olhar as pessoas, para ver de que maneira estão sendo afetadas. E lembre-se: você é simplesmente um mensageiro. Não projete nada do próprio “eu”. O povo não deve ser atraído a você. Mais uma coisa: ao realizar o trabalho de pregação, você está fazendo o trabalho para o qual Deus o chamou. Ele não o chamou para entreter, nem para se comportar como humorista. Ele o chamou para pregar a Palavra. Assim, esteja seguro de que você conhece experimentalmente a Palavra. Nesse caso, ela nunca voltará vazia.
“Nossa responsabilidade é dar aos ouvintes a oportunidade para responderem ao chamado divino. Se ninguém responder, não se sinta culpado. Não tenha medo de fazer apelos“
“Leia tudo o que quiser. Encha sua mente. Mas, quando você pregar, seja simples, direto, claro e objetivo. Não tente impressionar os ouvintes com sua intelectualidade“