“Bem-aventurados aqueles que lêem e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as coisas nela escritas…”

O Apocalipse está fundamentado sobre a verdade de que Deus enviou Seu Filho para testemunhar de Seu caráter, e João realça a importância vital do testemunho dado por Jesus diante de tribunais judeus (João 5:31-37; 8:13-18) e gentios (João 18:37). Ele O descreve como “a testemunha fiel e verdadeira” (Apoc. 1:5; 3:14; 19:11) que, em virtude de ter permanecido fiel à Sua confissão da verdade, ao ponto de morrer, conquistou o mundo (Apoc. 3:21; 5:5; João 16:33).

Em seu ambiente de perseguição sob o Império Domiciniano (Apoc. 1:9), João dá eloqüente impulso ao conceito de testemunho cristão. Como explica Allison Trites, “os cristãos estavam prestes a enfrentar um tempo de severas provas e perseguição, e João, como fiel pastor, buscou prepará-los para isso”.1 George Caird acrescenta: “No Apocalipse, o ambiente de tribunal é ainda mais realístico; pois Jesus tinha exibido Seu testemunho diante da corte de Pilatos, e os mártires agora deveriam enfrentar um julgamento romano.”2

A frase-chave

João introduz uma frase-chave que resume a revelação de Deus a Israel e através de Jesus Cristo em uma unidade indivisível: “a Palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo” (Apoc. 1:2). Essa frase é usada, com pequenas variações, seis vezes no livro. Ela reúne todas as suas visões, com um propósito pastoral: lembrar à igreja de todos os tempos seu sagrado chamado para ser fiel ao Senhor até o fim.

Para João, “o testemunho de Jesus Cristo” era a extensão autorizada da Palavra de Deus, porque esse testemunho também é inspirado pelo Espírito de profecia (Apoc. 19:10). Ao atribuir seu exílio à fidelidade à “Palavra de Deus e ao testemunho de Je-sus”, o vidente se refere ao testemunho de Jesus, encontrado nos evangelhos; afinal, ele tinha pregado o evangelho como um testemunho (Mat. 14:14) muito antes de ser condenado pela corte romana. A frase serve a um propósito moral e teológico no Apocalipse. Ela determina os crentes fiéis em Jesus, durante o período turbulento da igreja, e também é uma norma para testar todos os pretensos profetas (Apoc. 2:20; 16:13 e 14; 19:20).

Ellen White afirma que seu livro O Grande Conflito não foi escrito para “apresentar novas verdades” além da Escritura, mas para iluminar “a senda daqueles que, semelhantes aos reformadores dos séculos passados, serão chamados, mesmo com perigo de todos os bens terrestres, para testificar ‘da Palavra de Deus, e do testemunho de Jesus Cristo’”.3 Ela também diz que os albingenses, os hunguenotes e os val-denses foram testemunhas da “igreja no deserto”, e que “pela Palavra de Deus e pelo testemunho de Jesus Cristo’, depunham a vida”.4 Assim, ela compreendeu a frase de João como uma referência à Bíblia em seu duplo testemunho do Antigo e Novo Testamentos.

Duas testemunhas

O erudito Kenneth Strand reconhece que a frase de João expressa o mesmo tema do seu evangelho: “uma teologia de duas testemunhas”.5 Esse tema enfatiza a harmonia e unidade essenciais do testemunho de Cristo e de Seu Pai: “Eu testifico de Mim mesmo, e o Pai, que Me enviou, também testifica de Mim” (João 8:18); “Porque Eu não tenho falado por Mim mesmo, mas o Pai, que Me enviou, esse Me tem prescrito o que dizer e o que anunciar” (João 12:49).

Jesus chamou a atenção para a lei do testemunho, em Deuteronômio 19:15 (ver João 8:17), para indicar que Seu testemunho não era isolado. E o evangelista liga seu conceito de duas testemunhas ao papel do Espírito Santo em comunicar as palavras de Cristo aos discípulos (João 14:26). Assim, Je-sus predisse a respeito do Espírito: “Esse dará testemunho de Mim” (João 15:26), e “Me glorificará, porque há de receber do que é Meu e vo-lo há de anunciar” (João 16:14).

Segundo João, tudo o que Jesus falaria o Espírito Santo também falaria; portanto, o próprio Deus falaria: “Pois o enviado de Deus fala as palavras dEle, porque Deus não dá o Espírito por medida” (João 3:34). Cristo foi ungido pelo Espírito de profecia, por ocasião do Seu batismo (Mat. 3:16; Atos 10:38). Ele foi inspirado pelo Espírito de Deus e falou Seu testemunho com autoridade divina a Israel. O Novo Testamento testemunha que o próprio Jesus é a revelação de Deus (João 1:14 e 18), é a verdade fundamental da fé cristã.

Testemunhas no Apocalipse

As cartas apocalípticas estabelecem sete vezes que o testemunho de Cristo às igrejas é: “o que o Espírito diz” (Apoc. 2:7, 11, 17, 29; 3:6, 13 e 22). Essa repetida referência ao Espírito de Deus remete à autoridade divina dos testemunhos de Jesus. No fim do livro, o anjo diz a João que anjos e profetas cristãos “mantêm o testemunho de Je-sus” e são companheiros na sua proclamação e na adoração a Deus (Apoc. 19:10; 22:8 e 9). E acrescenta: “pois o testemunho de Jesus é o Espírito de profecia”. Essa informação corresponde às declarações das sete cartas no sentido de que esse testemunho é “o que o Espírito diz”. O anjo não ensina que o “dom” de profecia é um substituto para o testemunho de Jesus, mas estabelece que esse testemunho é inspirado pelo Espírito de profecia e, assim, possui autoridade divina.

Beale comenta: “Esse episódio [Apoc. 19:10] está registrado para realçar a fonte divina das visões de João e para colocar em perspectiva apropriada a natureza e função dos intermediários angélicos. A advertência [‘adora a Deus’] também é para os cristãos, não simplesmente contra o culto aos anjos em particular, mas contra a idolatria em todas as formas, o que era um problema entre os leitores de João (2:14, 15, 20 e 21; 9:20).”6

Robert Mounce afirma que “a mensagem atestada por Jesus é a essência da proclamação profética”.7 E Caird explica: “Conservar o testemunho de Jesus é sustentar o princípio que governou Sua vida encarnada, confirmar e publicar o testemunho de Sua crucifixão com o testemunho do martírio. … O testemunho de Jesus é o espírito que inspira os profetas. É a palavra falada por Deus e atestada por Jesus que o Espírito toma e coloca na boca do profeta cristão.”8

Beasley-Murray nota que a expressão “Espírito de profecia” era bem conhecida entre os judeus, pois “seu nome favorito para o Espírito de Deus era exatamente ‘o Espírito de profecia’”. E conclui: “Deveríamos, portanto, interpretar o verso 10 [de Apocalipse 19] como significando que o testemunho exibido por Jesus é a preocupação ou responsabilidade do Espírito que inspira a profecia. Essa é a nota tônica do ensinamento sobre o Paracleto em João 14-16.”9 O profeta de Deus era movido pelo Espírito Santo (Luc. 2:25; II Ped. 1:21).

O comentário de Roy Naden é notável: “Ao igualar o testemunho de Jesus com o Espírito de profecia, João ilumina a origem e autoridade divinas do Testemunho…. Assim, Ele [Deus] é o originador desse testemunho a Cristo, tal como Ele foi o originador da Palavra de Deus. … Em Apocalipse 19:10, João afirma que o testemunho de Jesus é a profecia divina que ilumina o passado, o presente e o futuro.”10

Da mesma forma, Beatrice Neall conclui em sua tese: “A Palavra de Deus e o testemunho de Jesus devem ser compreendidos como o evangelho da morte e ressurreição de Jesus (Apoc. 1:18), Seu poder para salvar do pecado (1:5; 12:10 e 11) e transformar seres humanos à Sua semelhança (14:1) através do sangue do Cordeiro (7:14; 12:ll).”11

A fé de Jesus

Apocalipse 12-14 consiste de um conteúdo unido da Escritura, no qual cada capítulo desenvolve a visão anterior com um crescente foco na geração do tempo do fim. Isso significa que o remanescente de Deus em Apocalipse 12:17 é mais completamente descrito em 14:12. “Irou-se o dragão contra a mulher e foi pelejar com os restantes de sua descendência, os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus” (Apoc. 12:17). “Aqui está a perseverança dos santos, os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de Jesus” (Apoc. 14:12).

O povo de Deus não somente guarda Seus mandamentos, mas tem “a fé de Jesus”. Isso é mais que fé subjetiva em Jesus – é Sua própria fé, Seu testemunho. Nas palavras de William Johnsson, “eles guardam a fé de Jesus. … Judas provê um paralelo: ‘a fé que uma vez por todas foi entregue aos santos’. Quando seguidores leais de Deus guardam a fé de Jesus, eles permanecem verdadeiros ao cristianismo básico: eles guardam a fé”.12

Em outras palavras, a expressão “a fé de Jesus” serve como esclarecimento equivalente para “o testemunho de Jesus” e não necessariamente como uma terceira característica da igreja remanescente. Ter “a fé de Jesus” implica fidelidade ao Seu testemunho. Por ostentarem o testemunho de Jesus, os santos do tempo do fim estão preparados para testemunhar contra o anticristo até a morte. O valor dos mártires cristãos reside em sua fidelidade em manter o testemunho evangélico que lhes foi dado por Jesus. Eles partilharão com Cristo o exercício do poder régio e judicial no reino milenar (Apoc. 20:4).

Apocalipse 11

O capítulo 11 descreve duas testemunhas de Deus, autorizadas a profetizar “por mil duzentos e sessenta dias, vestidas de pano de saco” (Apoc. 11:3). Essas testemunhas são identificadas como “dois candeeiros que se acham em pé diante do Senhor da Terra” (v. 4). Se os sete candeeiros de Apocalipse 1:20 são as sete igrejas, esses dois candeeiros também devem representar a igreja em sua vocação para profetizar, ou proclamar seu testemunho legal (11:7) a todas as nações (Deut. 17:6; 19:15; Mat. 18:16; João 8:17).

Essa compreensão é confirmada pelos símbolos paralelos da “mulher” perseguida (12:6) e da “cidade santa” calcada a pés (11:2). As três figuras sofrem por causa do testemunho, durante o mesmo período (11:2 e 3; 12:6 e 11). Tais descrições indicam que os verdadeiros santos não apenas mantêm o testemunho de Jesus, mas testemunham a respeito dEle, dispostos a depor a vida por Sua causa e do evangelho (Mar. 8:35).

O quadro das duas testemunhas em Apocalipse 11 dramatiza o chamado e a promessa de Cristo à igreja de Smirna: “Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Apoc. 2:10). Elas são chamadas a se identificar com Jesus em Seu testemunho e morte, e partilharão também em Sua vindicação (Apoc. 11:9-12). O poder do seu ministério profético resultará em arrependimento e salvação para muitos no mundo (v. 13). Essa é a vocação de toda a igreja. Todos os crentes são chamados para manter o testemunho de Je-sus, embora somente alguns sejam agraciados com o ‘dom de profecia”. A igreja de Cristo é validada em sua sucessão apostólica unicamente por sua fiel proclamação do evangelho (Mat. 24:14; Apoc. 12:17 e 14:12).

Para ilustrar a conexão entre a igreja e o testemunho, a João foi ordenado tomar o livro e comer, a fim de profetizar (Apoc. 10:9 e 11). Deus também pediu aos profetas Ezequiel e Jeremias que comessem um livro com Suas palavras e então proclamassem a mensagem (Ezeq. 3:1-3; Jer. 15:16). As duas testemunhas de Apocalipse 11 não representam a igreja à parte da Palavra de Deus e do testemunho de Jesus. Elas simbolizam “a igreja pregando e profetizando através dos dois Testamentos da Escritura”.13

Kenneth Strand conclui: “No livro de Apocalipse, a fidelidade à Palavra de Deus e ao testemunho de Jesus Cristo distingue os fiéis dos infiéis, e leva à perseguição que inclui o próprio exílio de João e o martírio de outros crentes (Apoc. 1:9; 6:9; 12:17; 20:4). Essas duas testemunhas são nomeadas ‘a Palavra de Deus’ e ‘o testemunho de Jesus Cristo’, ou o que hoje chamamos de mensagem profética do Antigo Testamento e o testemunho apostólico do Novo Testamento.”14

Fidelidade a Deus

Cristãos em todas as épocas viveram, morreram e, no futuro, morrerão por causa do testemunho de Cristo (Apoc. 1:9; 6:9; 12:11; 20:4). Esse não é um testemunho pessoal de conversão a Jesus, mas o testemunho do evangelho, isto é, “o testemunho de Deus” (I Cor. 2:1), de Cristo (1 Cor. 1:6), sobre Sua vida, morte e ressurreição (Mar. 8:35; Atos 1:8 e 22; 4:33; I Cor. 15:1-4 e 15).

Paulo declarou que o ministério que ele recebeu do Senhor Jesus foi o de “testemunhar o evangelho da graça de Deus” (Atos 20:24). Ele advertiu que os que distorcem o evangelho de Cristo se tornarão anátema (Gál. 1:1-9), e também aconselhou que os cristãos não deveriam ir além do “que está escrito” (I Cor. 4:6) e que todos os profetas devem ser testados pelo cânon escriturístico (1 Tess. 5:19-21; 1 Cor. 14:29 e 32).

Ellen White focalizou na mesma direção: “Vi que o tempo … disponível que temos deve ser gasto em examinar a Bíblia, que nos julgará no último dia. … que os mandamentos de Deus e o testemunho de Jesus estejam de contínuo em vossas mentes, expulsando assim cuidados e pensamentos mundanos.”15 “Deus pede um reavivamento e uma reforma. As palavras da Bíblia, e a Bíblia somente, deviam ser ouvidas do púlpito.”16

Quando os adventistas descobriram, em 1888, que a fé de Jesus envolve fé em Jesus, todas as implicações das três mensagens angélicas foram entendidas e a denominação teve sua mensagem de “alto clamor”. Muitos reavivamentos tiveram lugar e, em 1892, Ellen White disse que “o alto clamor do terceiro anjo já começou na revelação da justiça de Cristo, o Redentor perdoador de pecados. Esse é o início da luz do anjo cuja glória deverá encher a Terra”.17 Isso pode ser resumido nesta exortação: “De todos os professos cristãos, devem os adventistas do sétimo dia ser os primeiros a exaltar a Cristo perante o mundo.”18

Hans K. LaRondelle, professor emérito do Seminário Teológico da Universidade Andrews, Estados Unidos

Referências:

1 Allison A. Trites, The New Testament Concept of Witness (Cambridge: Cambridge University Press, 1977), pág. 155.

2 George B. Caird, The Revelation of St. John the Divine. Harper’s New Testament Commentary (Nova York: Harper & Row, 1966), pág. 18.

3 Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 7.

4 Ibidem, pág. 271.

5 Kenneth A. Strand, Andrews University Semi-nary Studies 19 (1981), págs. 127-135.

6 Gregory Beale, The Book of Revelation (Grand Rapids: Eerdmans, 1999), pág. 946.

7 Robert H. Mounce, The Book of Revelation (Grand Rapids: Eerdmans, 1977), pág. 342.

8 George B; Caird, Op. Cit., pág. 238.

9 _____________

10 Roy C. Naden, The Lamb Among the Beasts (Hagerstown, MD: R&.H, 1996), pág. 266.

11 Beatrice S. Neall, The Concept of Character in the Apocalypse with Implications for Character Education (Washington DC: Univ. of America, 1983), pág. 158.

12 William G. Johnsson, Symposuim on Revelation (Hagerstown< MD: R&H, 1992), vol. 2, págs. 38 e 39.

13 R. L. Petersen, Preaching in the Last Days: The Theme of Two Witnesses in the Sixteenth and Se-venteenth Centuries (Nova York: Oxford University Press, 1993), pág. 17.

14 Kenneth A. Strand, Op. Cit., pág. 134.

15 Ellen G. White, Primeiros Escritos, pág. 58.

16 _______________, Profetas e Reis, pág. 626.

17 _____________, Review and Herald, 22/11/1892.

18 ______________, Obreiros Evangélicos, pág. 156.