É dever de cada cidadão adventista votar conscientemente em candidatos que melhor reflitam os ideais bíblicos
Notícias sobre crises políticas e corrupção governamental acabam polarizando a opinião pública dos países afetados. É curioso ver, de um lado, políticos questionáveis se fazendo de vítimas para continuar recebendo o apoio popular e, do outro lado, oposicionistas aproveitando a situação para se autoproclamarem os únicos “salvadores” da pátria. Ao mesmo tempo em que vários políticos tradicionais vão perdendo a credibilidade, algumas denominações evangélicas têm se mobilizado politicamente a ponto de montarem suas próprias bancadas em câmaras de vereadores, assembléias legislativas, na Câmara dos Deputados e mesmo no Senado Federal. Tais bancadas se formam sob a alegação de que os políticos evangélicos são mais honestos e confiáveis.
A crescente militância política evangélica tem suscitado algumas indagações importantes entre os próprios adventistas: Deveríamos continuar politicamente passivos ou assumir uma postura mais agressiva diante das crises governamentais? Como a Igreja Adventista do Sétimo Dia encara a candidatura de alguns de seus membros a cargos públicos? Que critérios devem ser usados na escolha dos candidatos a quem daremos o voto?
No capítulo “Nossa atitude quanto à política”, do livro Obreiros Evangélicos, págs. 391-396 (ver também Fundamentos da Educação Cristã, págs. 475-484), podem ser encontradas importantes orientações sobre o não envolvimento de obreiros em questões políticas. Já o presente artigo menciona alguns conceitos básicos sobre a posição dos adventistas como cidadãos, candidatos e eleitores.
Organização apolítica
Existem pelo menos três princípios fundamentais que regem a posição adventista sobre a política. Um deles é o princípio da separação entre Igreja e Estado, levando cada uma dessas entidades a cumprir suas respectivas funções sem interferir nos negócios da outra. A Igreja crê que só poderá preservar esse princípio mantendo-se apolítica, não se posicionando nem a favor e nem contra quaisquer regimes ou partidos políticos. Essa postura deve caracterizar, não apenas a organização adventista em to-dos os seus níveis, mas também todas as instituições por ela mantidas, todas as congregações locais e todos os obreiros assalariados.
Nos ensinos de Cristo e dos apóstolos, a Igreja encontra base suficiente para evitar qualquer militância política institucional. O cristianismo apostólico cumpria sua missão evangélica sob as estruturas opressoras do Império Romano sem se voltar contra elas. O próprio Cristo afirmou que Seu reino “não é deste mundo” e que, portanto, Seus ministros não empunham bandeiras políticas (João 18:36). Qualquer compromisso político ou partidário por parte da denominação dificultaria a pregação do “evangelho eterno” a todos os seres humanos indistintamente (Mat. 24:14; Apoc. 14:6).
Outro princípio fundamental é que o nível de justiça social de um país é diretamente proporcional ao nível de justiça individual dos seus cidadãos, e que essa justiça individual, por sua vez, deriva do interior da própria pessoa. Reconhecendo as dimensões sociais do pecado, a Igreja apóia e mesmo participa de projetos sociais e educacionais que beneficiem a vida comunitária e que não estejam em conflito com os princípios bíblicos. Muitos desses projetos são levados a efeito em nome da Agência de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais, Adra. No entanto, a Igreja não participa de quaisquer greves e passeatas de índole política e partidária que comprometam sua postura apolítica.
A validade de uma perspectiva que parta do interior para o exterior do ser humano é destacada por Cristo, ao Ele afirmar que “de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, a malícia, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura” (Mar. 7:21 e 22). Conseqüentemente, a solução cabal para esses problemas não está na mera formulação de novas leis ou no ativismo revolucionário, e sim na conversão do ser humano. Nas palavras de Cristo, é necessário que, primeiramente, “o interior do copo” esteja limpo, “para que também o seu exterior fique limpo!” (Mat. 23:26).
Um terceiro princípio fundamental é que cada cristão adventista possui uma dupla cidadania – ele é, acima de tudo, cidadão do reino de Deus e, em segundo plano, cidadão do país em que nasceu ou do qual obteve a cidadania. Portanto, deve exercer sua cidadania terrestre com base nos princípios cristãos de respeito ao próximo. Mesmo desaprovando situações de injustiça e exploração social, a Igreja Adventista do Sétimo Dia procura se relacionar respeitosamente com o governo civil e os partidos políticos de cada país em que exerce suas atividades, sem com isso comprometer os princípios bíblicos.
Que o cristianismo não isenta os cristãos dos seus deveres civis é evidente na ordem de Cristo: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mar. 12:17). O Novo Testamento apresenta várias orientações a respeito do dever cristão de honrar os governos civis como instituídos por Deus (ver Rom. 13:1-7; Tito 3:1 e 2; I Ped. 2:13-17). Somente quando tais governos obrigam seus súditos a transgredirem as leis divinas é que o cristão deve assumir a postura de que “antes, importa obedecer a Deus do que aos homens” (Atos 5:29).
Candidatos adventistas
Entre os direitos do cidadão cristão adventista está o de exercer cargos públicos. O Antigo Testamento menciona vários membros do povo de Deus que ocuparam funções de projeção no governo de grandes nações pagãs. Por exemplo, José foi por muitos anos primeiro-ministro do Egito, a mais importante nação da época (Gên. 41:38-45). Colocado por Deus sobre o trono daquele país (Gên. 45:7 e 8), José se manteve “puro e imaculado na corte do rei”, e foi “um representante de Cristo” aos egípcios (Medicina e Salvação, pág. 36; Patriarcas e Profetas, págs. 368 e 369). Daniel exerceu importantes cargos governamentais em Babilônia sob o reinado de Nabucodonosor, Belsazar, Dario e Ciro (Dan. 2:48 e 49; 5:11, 12 e 29; 6:1-3 e 28; 8:27). Com um apego incondicional aos princípios divinos, Daniel e seus companheiros foram embaixadores do verdadeiro Deus na corte desses reis.
A postura de José e Daniel nas cortes pagãs do Egito e de Babilônia, respectivamente, corrobora o fato de que é impossível ser cristão sob governos não comprometidos com a religião bíblica. Mas o aprisionamento de José (Gên. 39:7-23), o teste alimentar de Daniel e seus três companheiros (Dan. 1), a passagem desses três companheiros pela fornalha de fogo (Dan. 3) e a experiência de Daniel na cova dos leões (Dan. 6) comprovam que há um preço elevado a ser pago por aqueles que exercem cargos públicos em ambientes hostis à verdadeira religião. O exemplo do rei Salomão deixa claro que boas intenções iniciais (II Crôn. 1:1-13) podem ser corrompidas pela influência de ambientes vulgares (I Reis 11:1-15). Já a atitude do rei Eze-quias para com a embaixada de Babilônia comprova que governantes tementes a Deus correm o risco de se orgulharem de suas próprias consecuções (II Reis 20:12-19).
José e Daniel foram nomeados para suas funções pelos próprios monarcas da época. Mas hoje, na maioria das democracias modernas, as pessoas precisam se candidatar e concorrer a tais funções, em um processo bem mais competitivo. O fato de existirem políticos corruptos não significa que todo político seja corrupto. Embora a Igreja Adventista do Sétimo Dia, normalmente, não encoraje nem desestimule a candidatura política de seus membros, ela também reconhece que a sociedade contemporânea tem sido beneficiada pelo bom exemplo de alguns políticos adventistas que concorrem honestamente a determinados cargos públicos e os exercem dignamente, sem comprometerem com isso os princípios bíblicos. A influência positiva desses políticos tem sido decisiva, em vários países, para o estabelecimento de legislações que facilitam a observância do sábado.
A Igreja espera que os candidatos adventistas sejam honestos em sua campanha e, se eleitos, também no exercício de suas funções. Cada candidato deve conduzir seu processo políti-co-eleitoral sem assumir posturas ideológicas e partidárias contrárias aos princípios cristãos; sem se valer de recursos financeiros impróprios; sem prometer o que não possa cumprir;
sem denegrir a reputação de outros candidatos igualmente honestos; sem se envolver com coligações não condizentes com a fé cristã adventista; sem jamais comprometer a observância do sábado em suas campanhas; e sem minimizar seu compromisso pessoal com o estilo de vida adventista, em coquetéis e confraternizações sociais.
Conheço igrejas que enfrentaram sérias desavenças internas pelo fato de alguns dos seus membros se candidatarem a vereadores por partidos rivais. É certo que os membros têm o direito, como cidadãos, de se candidatarem e concorrerem a cargos elegíveis, bem como de procurarem convencer outros a neles votarem. Porém, nenhuma programação oficial de qualquer congregação adventista deve ser usada como plataforma política. Candidatos adventistas que usam eventualmente o púlpito devem pregar o evangelho, sem jamais falar sobre política. Deus poderá abençoar ricamente os candidatos que exercerem honestamente sua cidadania, respeitando a posição apolítica da Igreja e de seus obreiros, e promoverem a cordialidade e a unidade entre nossas congregações.
Eleitores adventistas
É dever de cada cidadão adventista escolher conscientemente em quem votar. O princípio básico é sempre votar em candidatos cujas ideologia, crenças, propostas e estilo de vida se aproximem o máximo dos princípios cristãos adventistas. Entre os princípios mais importantes estão os seguintes: liberdade religiosa, separação entre Igreja e Estado, observância do sábado, conduta moral, temperança cristã, apoio ao sistema educacional privado mantido pela Igreja e a tentativa de melhorar a qualidade de vida das classes sociais economicamente menos favorecidas.
Ellen G. White adverte contra votar em candidatos sem compromisso com a liberdade religiosa: “Não podemos, com segurança, votar por partidos políticos; pois não sabemos em quem votamos. Não podemos, com segurança, tomar parte em nenhum plano político. Não podemos trabalhar para agradar a homens que irão empregar sua influência para reprimir a liberdade religiosa, e pôr em execução medidas opressivas para levar ou compelir seus semelhantes a observar o domingo como sábado. O primeiro dia da semana não é um dia para ser reverenciado. É um falso sábado, e os membros da família do Senhor não podem ter parte com os homens que o exaltam, e violam a lei de Deus, pisando Seu sábado. O povo de Deus não deve votar para colocar tais homens em cargos oficiais; pois assim fazendo, são participantes nos pecados que eles cometem enquanto investidos desses cargos.” – Fundamentos da Educação Cristã, pág. 475.
Um dos maiores problemas na escolha de candidatos é a teoria de que “os fins justificam os meios”. Se determinado candidato, mesmo sem compromisso com os princípios mencionados, promete beneficiar financeira ou politicamente a Igreja, alguns líderes julgam pertinente apoiar tal candidato em troca desses favores. Mas esse tipo de barganha jamais deveria ser tolerado entre nós. Acima de quaisquer benefícios coletivos ou individuais deve estar o compromisso com os princípios da Palavra de Deus.
Alguns creem erradamente que, votando em candidatos adventistas, estão ao mesmo tempo promovendo a liberdade religiosa e postergando os eventos finais. Mas é dever de todo adventista exercer sua influência em favor da liberdade religiosa (Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 375; Testemunhos Para Ministros, págs. 200-203), contribuir positivamente para a finalização da pregação do evangelho (Mat. 24:14; 28:18-20) e deixar os eventos finais por conta de Deus (Atos 1:6-8).
Como membros do corpo de Cristo (I Cor. 12:12-31), deveríamos acabar com a falsa teoria de que “adventista não deve votar em adventista”. Essa teoria só é aplicável a candidatos que não têm vida condizente com os princípios adventistas ou cuja candidatura visa apenas a obter benefícios pessoais, sem uma proposta política adequada. Contudo, por outro lado, se os candidatos adventistas são os que mais se aproximam dos princípios bíblicos e se eles possuem boa proposta política, não existe qualquer justificativa plausível para se descartar esses candidatos.
Deveria ser considerada também a questão das eleições no sábado, em países em que a votação é obrigatória (ver artigo “Os adventistas e a eleição no sábado”, Revista Adventista, julho de 1986, págs. 19 e 20). A recomendação é que isso seja evitado. O referido artigo foi escrito como apelo aos políticos brasileiros para que houvesse um “prolongamento das horas para o exercício do voto, de tal maneira que os adventistas possam votar depois do pôr-do-sol do sábado”. A declaração de que Ellen G. White votaria até mesmo “no sábado” refere-se à causa da temperança, ou seja, à lei seca de proibição da venda de bebidas alcoólicas, em Des Moines, Iowa, em 1881 (ver Arthur L. White, Ellen G. White, vol. 3, págs. 158-161). Mas essa declaração não provê qualquer endosso à votação política em dia de sábado.
Testemunho pelo voto
A Igreja Adventista do Sétimo Dia sempre manteve uma posição oficial de não ser a favor nem contra qualquer regime ou partido político. Essa posição é mantida em todos os níveis institucionais da denominação, inclusive nas congregações locais. Os obreiros assalariados pela denominação devem manter a mesma postura. Nenhum púlpito adventista e nenhuma reunião promovida oficialmente jamais deveriam desfraldar qualquer bandeira política. O púlpito é um lugar de onde o evangelho eterno deve ser proclamado com o propósito de conduzir à salvação em Cristo pessoas de todas as etnias e de todos os partidos políticos, sem preferências e discriminações.
Em contraste, a Igreja faculta aos seus membros o direito individual de exercer sua cidadania, inclusive o de se candidatar a cargos públicos e exercê-los dignamente. Tanto no processo eleitoral como no exercício da função, espera-se que cada adventista engajado em tais atividades mantenha uma postura digna de verdadeiro cristão. Todos os políticos adventistas deveriam considerar José e Daniel seus modelos. Deveriam sentir que é seu dever zelar pessoal e publicamente pela liberdade religiosa e pelos princípios cristãos em um mundo carente dos valores absolutos da verdadeira religião bíblica.
Os membros da igreja deveriam votar conscientemente nos candidatos que melhor refletem os ideais da Palavra de Deus. A escolha dos candidatos não deve ser tanto por partido político, mas pela ideologia e pelos valores pessoais de cada um. Candidatos adventistas não deveriam ser discriminados simplesmente por serem adventistas, exceto se não demonstrarem conduta digna ou não possuírem um plano adequado de governo. O voto de cada adventista deveria ser um testemunho autêntico a favor da liberdade religiosa que facilite o cumprimento da missão nestes dias finais da história humana.
Alberto R. Timm, professor de Teologia Histórica no Unasp e diretor do Centro de Pesquisas Ellen G. White
“Consciente de sua missão no mando, a Igreja Adventista se mantém apolítica“
“Acima de qualquer barganha política, está nosso compromisso com a palavra de Deus“