“Deus não espera nada além de obediência e fidelidade ao chamado, no lugar onde estamos”

por Nikolaus Satelmajer

O Pastor Jan Paulsen, presidente da Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia, é natural da Noruega. Já serviu à Igreja como pastor, professor e administrador em várias partes do mundo. Na África, foi missionário. Era presidente da Divisão Transeuropéia, quando foi nomeado vice-presidente da Associação Geral em 1995. Quatro anos depois, foi eleito presidente da AG, sendo reeleito na última assembléia mundial, realizada em julho de 2005.

Em seu escritório na sede mundial da Igreja, ele recebeu Nikolaus Satelmajer, editor de Ministry, para a entrevista que segue. Nela, o líder mundial da Igreja Adventista partilha suas perspectivas relacionadas à missão de promover o estabelecimento do reino de Deus na Terra.

Ministério: Como e em que circunstâncias o senhor decidiu ser ministro do evangelho?

Jan Paulsen: Eu tinha entre 14 e 15 anos de idade quando, por razões difíceis de ser explicadas, a presença de Cristo em minha vida pareceu muito real. Ao lado disso, senti-me tomado por um senso de urgência muito forte a respeito de como eu deveria gastar minha vida. Depois de refletir um pouco, interpretei essa ocorrência como o chamado de Deus para que me tornasse pastor. E o aceitei prontamente.

Ministério: Qual foi a reação de seus familiares a essa experiência?

Jan Paulsen: Meus pais me deram todo apoio necessário. Cresci em um maravilhoso lar adventista, mas também pobre em bens materiais. Meu pai era sapateiro e trabalhava intensamente para ajudar-me a custear os estudos. Aliás, eu era o único dos quatro filhos que, naquela época, estava no colégio.

Ministério: De que maneira o senhor conserva o chamado ao ministério sempre atual e presente em sua vida?

Jan Paulsen: Isso está profundamente relacionado a qualquer coisa que a Igreja me convide a fazer. E ela me tem designado tarefas que ajudam a manter bem vivo meu senso pessoal do chamado de Deus.

Ministério: Então, o chamado que nós recebemos de Deus deve ser confir-mado pela Igreja, a fim de que seja real?

Jan Paulsen: Sim; definitivamente. Para mim, o chamado divino está intimamente ligado a isto: às necessidades da Igreja, à confiança da Igreja e à afirmação da Igreja.

Ministério: Muitos pastores dizem ter sido influenciados por alguma pessoa: professor, personalidade histórica do cristianismo e assim por diante. Entre tantos indivíduos de seu relacionamento, ou estudos, alguém o influenciou positivamente?

Jan Paulsen: Posso apontar meu professor de Bíblia durante os cursos fundamental e médio. Ele era um teólogo dinamarquês. Posterionnente, veio para os Estados Unidos e tomou-se reitor da Universidade Loma Linda: o Dr. Norskov Olsen. Naqueles anos, ele contribuiu muito para a confirmação do meu chamado. Nos dias do Seminário, também recebei muito boa influência do Professor Edward Heppenstall. Ele me ajudou a compreender o maravilhoso equilíbrio entre a segurança da salvação e o dever de viver em harmonia com a vontade de Deus ou, se você preferir, o equilíbrio entre graça e lei. É importante ter a segurança de que minha vida está bem diante de Cristo e com Ele, acompanhada, Conseqüentemente, da afirmação de que devo viver como Seu discípulo. Dos meus estudos, devo destacar Jürgen Moltmann que me ensinou muito a respeito de esperança. Embora sua teologia seja um pouco diferente da minha, em alguns aspectos, sua ênfase combinou muito agradavelmente com a compreensão que sempre tive da segunda vinda de Cristo.

Ministério: Um dos traços marcantes dos seus sermões é sua ênfase no concei-to de esperança. Para o senhor, isso é fundamental em sua compreensão da mensagem de Deus?

Jan Paulsen: Sim. Estou seguro de que Deus está ocupado em criar o melhor futuro para nós. Esse é todo o Seu plano. Nesse contexto, a esperança é um elemento fundamental, indispensável.

Ministério: De modo geral, os pastores têm a vida atarefada. Algumas vezes, isso acontece às expensas da própria espiritualidade. Como o senhor administra essa situação? Que atitudes o ajudam a manter sua vida espiritual em crescimento?

Jan Paulsen: Desde os primeiros anos do meu ministério, aprendi a levantar mais cedo, e acho que durmo menos tempo em comparação com muitas pessoas. Acordo regularmente às 4h30, o que me permite umas duas horas e meia ou três horas a mais em casa, pensando e fazendo alguma reflexão espiritual. Assim, tenho tempo para ler, orar, meditar e preparar sermões. Minha esposa também desenvolveu o hábito de acordar cedo, e assim temos proveitosos momentos juntos pela manhã. É um período realmente muito especial para mim. Ele me prepara para o restante do dia.

Ministério: Que lições o senhor partilharia com pastores que se consideram sobrecarregados em seu trabalho, desencorajados diante das responsabilidades que carregam!

Jan Paulsen: Penso que é muito importante reconhecermos as limitações de nossa humanidade. Não tente ser o que você não é. Repito: é importante reconhecermos e aceitarmos nossas limitações. É fundamental compreender que teremos diante de nós elevados padrões que talvez não possamos alcançar. É ótimo que tenhamos padrões elevados e nobres, embora nem sempre nos seja possível atingi-los. O fato é que Deus não pede mais do que o melhor que podemos realizar.

Ministério: Mudando de assunto: Quais são as grandes questões e os principais desafios enfrentados pela Igreja nos dias de hoje!

Jan Paulsen: Em primeiro lugar, como você bem sabe, a Igreja Adventista do Sétimo Dia é uma comunidade que está em acelerado crescimento. Entre adultos e crianças, atualmente ultrapassamos a marca dos 20 milhões de membros. E um dos grandes desafios de uma igreja que cresce rapidamente é este: Como manter unida esta comunidade global? Para mim, como líder da Igreja, uma das mais altas prioridades é a sua unidade. Agora, nós somos unidos no Espírito, como as Escrituras nos ensinam. O Espírito é o elemento-chave para que nos mantenhamos unidos; porém, quando fazemos essa declaração, necessitamos praticá-la. E isso significa que devemos ser fortes em relação àquilo em que não podemos ceder. Fortes em relação àquilo que é indispensável para nossa identidade. E temos de ser generosos em relação ao que requer um pouco mais de abertura. Em uma comunidade global com diversas culturas, sempre haverá certas diferenças porque temos de obedecer a Deus onde nós vivemos. Na África, por exemplo, isso pode ser diferente da Ásia, da Europa e da América. Assim, penso que existem elementos pontuais, ou seja, definições do que nos torna a Igreja Adventista do Sétimo Dia, e há elementos de diversidade cultural, dentro dos quais expressamos adoração. Devemos reconhecer os dois aspectos. Mas, a unidade é uma das minhas grandes prioridades.

Ministério: E as outras?

Jan Paulsen: A segunda tem que ver com a missão. Estamos aqui para cumprir uma missão, conforme dizemos sempre que nos reunimos em concílios. O Senhor espera que sejamos Suas testemunhas e, assim, somos compelidos a partilhar o testemunho a respeito de Cristo a todas as pessoas. Nisso, temos de ser inovadores, criativos, buscando caminhos através do rádio, televisão, Internet, para alcançar pessoas que, de outra forma, não seriam alcançadas. Devemos alcançá-las, pelo menos no sentido de implantar a semente do evangelho em seu coração. O Espírito Santo dará continuidade à obra, como Lhe aprouver. O elemento de unidade numa igreja em acelerado crescimento e o elemento de expansão missionária representam, para mim, dois dos nossos maiores desafios. Se eu tivesse de mencionar um terceiro, esse estaria relacionado com a juventude, o grupo entre 18 e 32 anos de idade, particularmente estudantes e jovens profissionais. Devemos estar seguros de que não apenas teoricamente abrimos espaço para eles, mas que os convidamos a atuar em parceria na vida, missão e ministério da Igreja.

Ministério: Que sugestões específicas o senhor tem para as congregações, a fim de que elas envolvam os jovens no trabalho?

Jan Paulsen: Eu gostaria de dizer o seguinte a todos os líderes de congregação: Sejam sensíveis à presença dos jovens. Não os releguem ao papel de meros observadores. Procurem envolvê-los na vida da igreja. E digo mais: confiem neles. Permitam ao Espírito Santo encontrar expressão através de suas idéias criativas.

Ministério: Como senhor vê o entusiasmo do jovem adventista em relação a Cristo, ao redor do mundo?

Jan Paulsen: Eu acho que existem muitos que estão buscando constantemente caminhos para tornar a fé relevante diante dos desafios que enfrentam. Eles estão buscando respostas para questões que não são administradas com facilidade. Você sabe que eu tenho mantido diálogo com jovens através da televisão. O que eles dizem é algo como isto: “Olhe, fizemos uma escolha pela Igreja. Queremos ser parte da vida dessa comunidade.” E não há outra maneira pela qual eles possam ser parte da comunidade de fé, se os líderes experientes não os encorajarem e aceitá-los de fato.

Ministério: Aproximadamente um ano atrás, foi realizada a assembléia mundial da Igreja. Qual é sua visão para os próximos cinco anos? Que coisas o senhor tem em mente para que a Igreja realize, no contexto do tema “Diga-o ao mundo”?

Jan Paulsen: Estou seguro de que a Igreja existe, primariamente, para cumprir uma missão. Diante de tudo o que é dito e feito, se a Igreja não for um instrumento de missão, então ela terá falhado em ser o que Deus quer que ela seja. O que dizemos ao mundo, o dizemos por palavras, ações e relacionamentos. É assim que comunicamos a mensagem de Cristo àqueles que ainda não O conhecem. Essa tem de ser a principal tarefa da Igreja.

Ministério: Então, o senhor encara o lema “diga-o ao mundo” como sendo algo mais que um programa. Na verdade é um conceito, ou perspectiva?

Jan Paulsen: É uma visão segundo a qual devemos dizer ao público que estamos aqui a fim de partilhar alguma coisa importantíssima para ele. Estamos aqui para ajudar as pessoas a conhecerem Jesus Cristo.

Ministério: Quais são os aspectos fundamentais que, a seu ver, têm feito da Igreja Adventista um movimento mundial? O que isso nos diz sobre o futuro?

Jan Paulsen: Desde nossos primórdios, determinamos que deveríamos avançar juntos com a pregação da Palavra, educação e o ministério da saúde. Isso era parte de uma bem deliberada visão, Compreensivelmente articulada através dos escritos de Ellen White e firmemente mantida pela Igreja. É assim que nós operamos o maior sistema educacional protestante do mundo, com mais de seis mil instituições tocando a vida de um milhão e meio de jovens e crianças cada dia. Em segundo lugar, temos sempre sentido e crido que a saúde do corpo e da mente é importante. Como templos de Deus, temos diante dEle o sagrado dever, como ato de adoração, de nos conservarmos sadios. Conseqüentemente, operamos muitas instituições de saúde, não apenas como um tipo de reparadoras do corpo, mas como centros de ministério da saúde, nos quais oferecemos orientação preventiva, e também restauradora quando esse é o caso. Temos feito isso em todo lugar ao redor do mundo. Essas coisas têm sido marcas distintivas de nossas atividades missionárias. Enfatizamos profunda-mente a Bíblia e, ao mesmo tempo, desenvolvemos o ministério da saúde.

Ministério: Então, a obra da educação e o ministério de saúde não são coisas que fazemos em adição ao evangelho. São parte dele.

Jan Paulsen: É exatamente isso.

Ministério: Como a estrutura da Igreja Adventista nos tem sido útil? Temos um sistema que, embora tenha passado por algumas mudanças através dos anos, ainda conserva alguma semelhança com o que tínhamos quando a Igreja foi organizada. Qual é sua visão em relação ao futuro?

Jan Paulsen: A estrutura que estabelecemos, como Igreja, tem mais de cem anos. Ela foi criada quando nosso número de membros em todo o mundo era em tomo de 75 mil. A esta altura, sempre nos perguntamos: Essa é a melhor forma pela qual podemos nos manter estruturados e organizados? Considerando a mudança populacional dentro da Igreja, e em virtude do fato de que talentos e recursos denominacionais também são amplamente distribuídos, necessitamos rever as coisas. Estamos de acordo com outros líderes, no sentido de constituirmos um corpo representativo de todo mundo para analisar as estruturas, analisar os ministérios que brotam dessas estruturas e confrontar-nos com a questão: Este ainda é o modo mais efetivo de fazer isso? Provavelmente seja. Mas não podemos assumir isso, sem um olhar crítico, um exame imparcial e minucioso.

Ministério: Temos uma estrutura financeira que, provavelmente, muito tem ajudado nossa expansão mundial. O senhor acha que continuará assim no futuro?

Jan Paulsen: Espero que sim. Necessitamos estar seguros de que nossa Igreja mundial vê-se a si mesma como um corpo; e qualquer fraqueza encontrada em uma parte desse corpo deve ser apoiada pela parte mais forte. Penso que o plano de Deus é que partilhemos. E como uma comunidade global, estamos entrelaçados financeiramente e partilhamos nossos recursos. Então, sinto que o benefício de nossa estrutura financeira continuará. Se isso acabar, acho que fatalmente nos tomaremos uma Igreja regional.

Ministério: Se o senhor tivesse oportu-nidade para falar a todos os pastores ad-ventistas, o que gostaria de dizer?

Jan Paulsen: Talvez eu dissesse muitas coisas. Porém, um pensamento que me vem é este: Consideramos que somos uma comunidade global, ouvimos histórias vindas de algumas partes do mundo, particularmente da região sudeste. São histórias de crescimento rápido, proezas em favor do cristianismo, e com frutos que vão além do que pessoas em outras partes do mundo poderiam imaginar. Louvamos ao Senhor pelo que está acontecendo ali. Mas, isso pode ser desencorajador para alguém que vive na América do Norte, Europa, Austrália, Nova Zelândia, ou em certas partes da Ásia, Japão ou Hong Kong. Alguns dos grandes países e cidades onde valores seculares estão impregnados na mente das pessoas são lugares em que é muito difícil para as pessoas verem o que Deus pode oferecer através do instrumento da fé cristã em Jesus Cristo, bem como o que Deus pode fazer para transformar positivamente a vida. Dificilmente os pastores que trabalham nessas áreas testemunham o mesmo crescimento de outras regiões. Eu lhes diria o seguinte: Deus não espera nada além de obediência e fidelidade ao chamado, no lugar onde estão. Partilhem Cristo tão efetivamente quanto lhes for possível em seu lugar de trabalho. Isso é tudo o que Ele pede. No fim, ouvirão: “Bem está servo bom e fiel…” Trabalhem fielmente onde estiverem.

Ministério: Em sua opinião, qual é a grande necessidade da Igreja para enfrentar o futuro?

Jan Paulsen: O único preparo que podemos fazer para o futuro é espiritual e em termos de decisões fundamentais que fazemos em relação a outros. Essas são as únicas decisões que podemos tomar em relação ao futuro. Enquanto analisamos o que aconteceu no passado e nos anos mais recentes, fica claro que vivemos em tempos tremendamente instáveis. Seria um milagre se um ano transcorresse sem que um grande desastre, natural ou causado pela mão do homem, acontecesse em algum lugar. Penso que isso deveria nos dizer que necessitamos estar focalizados no Reino do qual o arquiteto e construtor é o próprio Deus. Não podemos nem devemos perder esse foco.

“Unidade e expansão missionária são dois dos maiores desafios da igreja hoje”

Se a Igreja não for um instrumento de missão, terá deixado de ser o que Deus deseja