“Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos”
Rafael Luiz Monteiro, D. Min., pastor na Associação Baixo-Amazonas, Belém, PA
O livro de Atos dos Apóstolos contém urna das mais impressionantes mensagens a respeito do crescimento eclesiástico. Na verdade, o livro relata o início da Igreja cristã, e suas páginas exalam fervor missionário. Elas transmitem não apenas mensagens de grande impacto missiológico, mas refletem a mente de Deus para fazer Sua Igreja crescer e, dessa maneira, alcançar o mundo com o evangelho.
As pessoas que transitam pelo livro de Atos são pessoas reais, com sua própria história e cultura. Através delas Deus vibra e alcança o coração de muitas gerações, transtornando o mundo com a “loucura da pregação” da fé cristã. São necessários apenas alguns textos, para visualizarmos essa dinâmica.
“Então, os que lhe aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas” (Atos 2:41). “Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos” (Atos 2:47). “Muitos, porém, dos que ouviram a palavra a aceitaram, subindo o número de homens a quase cinco mil” (Atos 4:4). “Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça” (Atos 4:33).
“Muitos sinais e prodígios eram feitos entre o povo pelas mãos dos apóstolos. … E crescia mais e mais a multidão de crentes, tanto homens como mulheres…” (Atos 5:12-14). “Contudo, enchestes Jerusalém de vossa doutrina” (Atos 5:28). “E todos os dias, no templo e de casa em casa, não cessavam de ensinar e de pregar Jesus, o Cristo” (Atos 5:42). “Crescia a palavra de Deus, e, em Jerusalém, se multiplicava o número dos discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé” (Atos 6:7). “E não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito, pelo qual ele [Estevão] falava” (Atos 6:10).
“Os que foram dispersos iam por toda parte pregando a palavra. … As multidões atendiam, unânimes, às coisas que Filipe dizia, ouvindo-as e vendo os sinais que ele operava. Pois os espíritos imundos de muitos possessos saíam gritando em alta voz; e muitos paralíticos e coxos foram curados. E houve grande alegria naquela cidade” (Atos 8:4-8). “Quando, porém, deram crédito a Filipe, que os evangelizava a respeito do reino de Deus e do nome de Jesus Cristo, iam sendo batizados, assim homens como mulheres” (Atos 8:12).
“A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria, editicando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número” (Atos 9:31). “Isto se tornou conhecido por toda Jope, e muitos creram no Senhor” (Atos 9:42). “A mão do Senhor estava com eles, e muitos, crendo, se converteram ao Senhor” (Atos 11:21). “Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna. E divulgava-se a palavra do Senhor por toda aquela região” (Atos 13:48 e 49).
“E, tendo anunciado o evangelho naquela cidade e feito muitos discípulos, voltaram para Listra, e Icônio, e Antioquia” (Atos 14:21). “Assim, as igrejas eram fortalecidas na fé, e dia a dia aumentavam em número” (Atos 16:5). “Alguns deles foram persuadidos e unidos a Paulo e Silas, bem como numerosa multidão de gregos piedosos e muitas distintas mulheres” (Atos 17:4). “Teve Paulo durante a noite uma visão em que o Senhor lhe disse: Não temas; pelo contrário, fala e não te cales; porquanto Eu estou contigo, e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta cidade” (Atos 18:9 e 10).
“Chegou este fato ao conhecimento de todos, assim judeus como gregos habitantes de Éfeso; veio temor sobre todos eles, e o nome do Senhor Jesus era engrandecido. Muitos dos que creram vieram confessando e denunciando publicamente as suas próprias obras. … Assim, a palavra do Senhor crescia e prevalecia poderosamente” (Atos 19:17-20). “… Então, desde a manhã até à tarde, lhes fez uma exposição em testemunho do reino de Deus, procurando persuadi-los a respeito de Jesus, tanto pela lei de Moisés como pelos profetas. Houve alguns que ficaram persuadidos pelo que ele dizia…” (Atos 28:23 e 24).
A exposição de Lucas
Atos é uma apresentação clara, persuasiva e intrigante dos resultados do ministério discipulador de Jesus, ao longo de três anos e meio. Na leitura desses textos, percebe-se a expansão da mensagem do evangelho primeiramente entre os judeus, em seguida, os samaritanos e, depois, os gentios. O enfoque é dado à propagação da Palavra a cada pessoa, grupo e lugar. Junto com o crescimento numérico, Lucas enfatiza o crescimento espiritual da Igreja. Esse fato é realçado com a finalidade de ensinar que, antes de qualquer empreendimento missionário de curto, médio ou longo alcance, é necessário elaborar um plano de fortalecimento espiritual dos crentes, algo que torne real a transformação interior do indivíduo e da congregação, realizada pelo Espírito Santo.
É comum encontrarmos no livro de Atos a expressão “cheio do Espírito”, o que demonstra a realidade espiritual em que viviam os membros da comunidade cristã. Lucas também destaca a graça de Deus na vida dos crentes, a comunhão mútua e o impacto dessa nova vida na sociedade que os rodeava. Através da comunidade de santos, Deus estava operando sinais e prodígios, repetindo os feitos do Êxodo hebreu do Egito, sob a liderança de Moisés. Em várias oportunidades houve curas, expulsão de demônios e milagres. Lucas não encobre os problemas decorrentes do crescimento, nem a oposição contra o avanço da causa.
O crescimento da comunidade cristã primitiva como um todo era o reflexo do crescimento de igrejas plantadas em muitos lugares do Império Romano. Esse foi o método mais rápido e fácil para efetivar o avanço da Causa de Deus. Plantar igrejas é, na verdade, a grande sugestão para os dias atuais.
O anúncio do reino de Deus, o discipulado, o ensino apostólico, a visitação de casa em casa, a obediência, a incorporação por meio do batismo, ordem e disciplina, a escolha de líderes, viagens com propósitos missionários, plantação de igrejas, exortação à fidelidade, concílios para esclarecimento doutrinário, tudo isso provê uma base bíblica para um estilo de crescimento eclesiástico. Não meramente crescimento numérico, embora isso encha os olhos com a virtude do sucesso e do triunfo, mas sobretudo crescimento assinalado pela vida de Cristo, através do Seu Espírito, na vida de indivíduos e grupos que O aceitam. Esse é o tipo de crescimento que, segundo Luther Copeland, vence obstáculos.1
Ele conclui que o crescimento da Igreja verificado no livro de Atos não é simplesmente numérico, mas em dimensões espirituais e étnicas. A qualidade acompanhava a quantidade. As qualidades de fé, amor, alegria, honestidade e pureza são o resultado de uma comunidade fundamentada na Palavra de Deus e no Espírito Santo.
A ênfase quanto a ser membro da Igreja não é em virtude da cultura ou status social, senão da relação de fé com a pessoa de Cristo. Vemos a incorporação de judeus, gentios, pobres e ricos, de pessoas sem fama ou distinção, de sacerdotes e mágicos. De acordo com o ensino de Paulo, “não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gál. 3:28). Isso não nega a dinâmica social que o Espírito Santo usa para comunicar o evangelho, através de “pontes” humanas, ou seja, por meio de famílias, clãs, parentesco ou homogeneidade cultural.
A estratégia missionária em Atos incorpora tanto as habilidades humanas dos discípulos como o poder e direção do Espírito Santo. É o Espírito quem capacita os crentes. O direcionamento inicial da pregação ao judeu possibilitou uma “ponte” para alcançar os gentios. Muitos deles eram “tementes a Deus” e frequentavam a sinagoga. O Senhor estava dirigindo os apóstolos para que se aproximassem dos judeus a fim de lhes explicar todo o conhecimento de Deus.
Em Atos, transparece a ideia de liberação de tudo o que impede a presença do evangelho. São superadas todas as barreiras étnicas, linguísticas, sociais e religiosas, que ainda hoje dividem os homens e mutilam nações. Lucas não se esquece de fortalecer a presença do reino de Deus, enfatizando-o na marcha da Igreja. Esse reino está presente e é vindouro. E imanente e transcendente; invisível e visível. Jesus manifestou o reino entre os homens, ao mesmo tempo em que o introduziu no coração dos crentes. É o cimento para a escalada missionária e a meta na consumação da segunda vinda. Em meio a esses tempos e momentos, está a Igreja como serva de Cristo. Essa missão de serviço alcança o fim da Terra e o fim do tempo.
O crescimento da Igreja, segundo o livro de Atos, é revelado como um mistério, produzido pela atividade divina. A soberania de Deus é exaltada. E Ele quem dirige o processo de evangelização do mundo. E às vezes esse processo parece fora da lógica humana, inaudito, imensurável, sem tempo definido, extrapolante e incoerente. Se o livro de Atos é uma demonstração de crescimento, a vida e o ministério de Jesus, Suas palavras, morte e ressurreição são a base desse crescimento. Cristo é o centro do plano da salvação; tudo gira em torno de Sua pessoa e obra.
A morte de Cristo sugere crescimento. Ele disse: “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, produz muito fruto” (João 12:24); “E Eu, quando for levantado da Terra, atrairei todos a Mim mesmo” (v. 32). Sua morte, portanto, significou a possibilidade de vida para muitos. A morte de apenas um grão de trigo significaria vida multiplicadora de milhares de outros grãos de vida. Dessa maneira, a morte de Cristo é explicada em termos de crescimento.
Metáforas bíblicas
Em seu livro intitulado Iglecrecimiento y la Palabra de Dios, A. R. Tippett faz referências às diversas metáforas de crescimento eclesiástico utilizadas por Jesus. Ele as classifica nos seguintes moldes:
Referências quantitativas. “O reino dos Céus é ainda semelhante a uma rede que, … recolhe peixes de toda espécie” (Mat. 13:47). “O reino dos Céus é semelhante ao fermento que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha, até ficar tudo levedado” (Mat. 13:33). “Vinde após Mim, e Eu vos farei pescadores de homens” (Mar. 1:17).
Símbolos da colheita. “… A seara, na verdade, é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a Sua seara” (Mat. 9:37 e 38). “… Erguei os olhos e vede os campos, pois já branqueiam para a ceifa” (João 4:35).
Símbolos de penetração. “Vós sois o sal da Terra. … Vós sois a luz do mundo” (Mat. 5:13 e 14). “Dar-te-ei as chaves do reino dos Céus” (Mat. 16:19).
Símbolos de interação. “… Sai depressa para as ruas e becos da cidade e traze para aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos… e obriga a todos a entrar, para que fique cheia a Minha casa” (Luc. 14:21-23). “Eu sou a videira, vós os ramos. Quem permanece em Mim, e Eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem Mim nada podeis fazer” (João l5:5).
Tippett conclui, comentando que “cada uma dessas metáforas de uma maneira ou de outra sugere desenvolvimento, crescimento, expansão, penetração no mundo, incorporação de novas pessoas, multiplicação, construção e aumento tanto quantitativo como qualitativo. Como uma coleção cumulativa de ilustrações, elas indicam a perspectiva ampla e dinâmica do Mestre e Seus discípulos. Com elas não há lugar para o estático”.2
A forte influência das figuras empregadas por Jesus, para Se referir ao crescimento da Igreja, é perceptível tanto no livro de Atos como em outros escritos apostólicos. Paulo, Tiago, Pedro e João sempre falam daquilo que viveram plenamente com Cristo em Seu ministério discipulador.
“Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo nAquele que é a cabeça, Cristo” (Efés. 4:15).
“Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes” (Tia. 1:2-4).
“Antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (II Ped. 3:18).
“Aquele, entretanto, que guarda a Sua palavra, nEle, verdadeiramente, tem sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos que estamos nEle” (I João 2:5).
A força das palavras
Além dos aspectos estudados até aqui, a importância de uma igreja estar voltada para o crescimento é realçada pelos termos utilizados por Lucas em seu tratado. Ali, as palavras “crescimento” e “crescer” são traduzidas dos termos gregos auxo ou auxano, que significam crescer ou fazer crescer; auxeesis, significando crescimento, aumento; ou huperauxano, cujo significado é crescer abundantemente.3 Essas palavras são fortemente carregadas com a idéia de aumento de quantidade ou qualidade. Auxano está relacionada com a vida e o processo natural de crescimento das plantas. Uma palavra correlata, no Novo Testamento, é parâh, que significa ser frutífero, ser abundante.
Outra palavra que aparece em Atos, relativa ao crescimento eclesiástico é prostitheemi.4 Seu significado é “agregar”, “aumentar”. É usada especialmente para indicar a incorporação de uma pessoa a uma sociedade ou grupo novo de pessoas (Atos 2:41 e 47). Também existem as palavras plethyno e plethos,5 que lembram abundância, plenitude. Encontram-se no livro de Atos para indicar a idéia de multiplicação de pessoas (Atos 2:6; 5:14). Iskuo6 é outra palavra utilizada por Lucas, em Atos. Ela indica a capacidade que alguém possui para efetuar o necessário. É o poder de fazer (Atos 19:20).
Existem outras palavras empregadas por Lucas e também por Paulo, referentes ao crescimento da Igreja. Mas o enfoque ao livro de Atos limita a presença delas nesta análise. As declarações de Lucas acerca do crescimento eclesiástico, conforme registradas em Atos dos Apóstolos é motivo de estudo inesgotável, devido à riqueza de detalhes com que o autor presenteou seus leitores ao longo da narrativa. Por isso, podemos afirmar que Atos reflete o trabalho de Cristo em capacitar Seus discípulos para uma tarefa maior, conforme a Sua profecia: “… e sereis Minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da Terra” (Atos 1:8).
Referências:
1 E. Luther Copeland, Missiology IV, janeiro de 1976, págs. 14, 18 e 19.
2 A. R. Tippett, Iglecrecimiento y la Palabra de Dios (Terrasa: Libros CLIE, 1978), págs. 18-20.
3 W. Günther, NDITNT, vol. 1 (C. Dutra, SP: Ed. Vida Nova, 1984), págs. 530-532.
4 Christian Mauer, TDNT, vol. 3, ed. G. Kittell (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1972), pág. 168.
5 G. Deling, Ibidem, vol. 6, págs. 278-283. Walter Grundmann, Ibidem, vol. 3, págs. 397-402.