Escolas de teologia podem e devem ser instrumentos em favor da missão
Martín G. Klingbeil, Professor no Seminário de Teologia da Universidade Adventista del Plata, Argentina
Durante um encontro de pastores, um colega perguntou-me em tom de brincadeira: “Como é viver na ilha dos santos?” Ele se referia à Faculdade de Teologia, onde eu trabalhava como professor, e transparecia sua opinião de que o seminário estava longe da realidade do seu trabalho como pastor distrital. De vez em quando reencontro o mesmo pensamento. Mas, seriam os seminários realmente “ilhas de santos”, alijados do continente onde é produzido o crescimento eclesiástico? Estariam os acadêmicos preocupados apenas com pesquisas teológicas na estratosfera, em vez de responder aos desafios de uma igreja em explosão numérica?
Em outras denominações, tem-se observado historicamente que quando os seminários se distanciam de seus corpos constitutivos, perdem o sentido de missão e se transformam em centros de formação acadêmica, sem orientação religiosa.1 Embora esse perigo pareça remoto em nossa realidade sul-americana, qualquer brecha entre a Igreja e seus centros de formação teológica requer atenção imediata. Neste artigo, pretendemos destacar alguns pontos de contato entre o seminário e a igreja, que mostram o valor da colaboração mútua harmoniosa, tendo em vista o cumprimento da missão.
Estudo teológico
O Seminário Adventista Latino-americano de Teologia, Salt, tem-se orientado filosoficamente em função da igreja, destacando o conceito de seminário em missão e o compromisso de formar líderes preparados para enfrentar as necessidades dela.2 Os desafios do século 21 exigem uma retroalimentação permanente entre pastores, administradores e professores, na adaptação do currículo às necessidades atuais.
Em seu livro The Ideal Seminary [O Seminário Ideal], Carnegie Calian, presidente de um seminário evangélico nos Estados Unidos, propõe um currículo baseado no conceito de perdão, enfatizando a necessidade urgente de formar pastores tanto espiritual como academicamente.3 De certa forma, esse desafio encontra-se também nas palavras do Pastor Jan Paulsen: “Sua igreja diz: Eles [os estudantes] são nossos jovens antes de chegarem a vocês. Não os convertam em estranhos antes de no-los desenvolver.”4 Felizmente os currículos estão mudando, e já existem propostas de matérias tais como “formação espiritual”, “ministério de oração”, ou “discipulado”. Junto com as tradicionais, essas novas matérias contribuem para a formação integral dos futuros pastores, que saem dos seminários com amor para com os pecadores, porque têm conhecimento experimental do perdão de Cristo na própria vida.
Ensino teológico
Uma das pressuposições da observação feita por meu amigo é que os professores de teologia se desligaram da realidade pastoral e desconhecem as verdadeiras necessidades da igreja. O professor de teologia, em primeiro lugar, é e deve ser um pastor. Qualquer título acadêmico adquirido somente serve para que ele desenvolva melhor seu ministério de ensino, que é um dos dons espirituais (Efés. 4:1 1 e 12). Deve ser alguém comprometido com o aprimoramento da formação de novos pastores. Nesse sentido, ele está tão envolvido na Causa como o evangelista, o administrador, o diretor de departamento e o pastor em suas respectivas áreas de ação. O professor exerce seu ministério porque a Igreja reconheceu nele o dom de ensinar.
Há uma preocupação, em algumas regiões mais liberais, em fazer da aula uma plataforma para apresentação de inquietações doutrinárias pessoais do professor, ignorando os caminhos e organismos denominacionais apropriados para a discussão e o estudo de crenças. Tendências assim têm criado certa desconfiança entre a administração da Igreja e os seminários. E mesmo que tal problema não exista nas regiões mais conservadoras, este é o momento de pensar na prevenção de situações semelhantes, fortalecendo os laços entre a administração eclesiástica e os professores de teologia. Isso pode acontecer através do envolvimento de professores em campanhas evangelísticas, concílios e seminários de treinamento. Também é recomendável a participação dos administradores nas atividades do seminário, realizando palestras, avaliando o currículo e os alunos durante o curso.
Pesquisa teológica
Para muitos pastores, a pesquisa é apenas uma exigência incômoda dos dias estudantis. Esquecem-se de que um pastor que não pesquisa está destinado ao estacionamento espiritual e profissional. A pesquisa teológica é munição para as armas de quem está na linha de frente; provê respaldo e apoio teóricos ao trabalho pastoral. Não é um exercício acadêmico feito por alguns eruditos desligados, isolados numa torre de marfim, mas é a busca de respostas para perguntas atuais, problemas urgentes, inquietações que surgem e ameaçam o avanço da Causa de Deus. As perguntas são necessárias, e a igreja deve dirigir-se ao seminário, como a um consultor, sugerindo linhas de investigação e buscando respostas.
Como as necessidades são múltiplas, é preciso que haja especialistas em todas as áreas de pesquisa teológica (bíblica, sistemática, histórica e aplicada), que aprendam a trabalhar de forma multidisciplinar nos seminários, a fim de responder às inquietações e divulgar os resultados entre os membros das igrejas. Devemos promover a publicação e difusão dos materiais pesquisados.
Lamentavelmente criou-se uma falsa dicotomia entre a pesquisa teológica e a missão, que tem produzido uma tensão entre a teologia sistemática e a teologia aplicada. As duas são relevantes e indispensáveis. Enquanto uma cria o fundamento da fé, a outra constitui-se o edifício sobre esse fundamento, acrescentando pedras vivas em forma de cada pessoa batizada.
A igreja sul-americana tem contribuído para o crescimento mundial da Obra, com números impressionantes. Mas também existe uma necessidade urgente de se ouvir uma voz teológica conservadora a partir da América Latina, que ajude a enfrentar os desafios doutrinários que afetam a igreja em outras partes do mundo. O crescimento numérico deve ser acompanhado de um aprofundamento na preparação doutrinária dos crentes. A idéia de que a investigação é opcional, um luxo supérfluo, ou um desvio da missão, não responde à realidade atual.
Pregação teológica
Se nos voltarmos para o sentido original da palavra “teologia”, o qual é “palavra acerca de Deus”, não nos resta outra opção senão pregar teologia. O seminário tem de participar ativamente – não apenas indiretamente, através da formação dos futuros pastores – na missão de salvar pessoas. Talvez seja essa a medida preventiva mais eficaz contra uma separação entre o seminário e a igreja. Um dos grandes marcos dos nossos seminários sul-americanos é a ênfase no aspecto prático da formação pastoral, ou seja, a imersão dos estudantes, desde o primeiro momento, durante os fins de semana, em atividades evangelísticas e prática pastoral.
Os seminários teológicos podem e devem ser um instrumento poderoso da missão, apoiando-a em todo o tempo, com todos os seus professores e estudantes. Também podem funcionar como campos missionários, servindo às comunidades eclesiásticas ao redor, nas quais possam testar, implementar e desenvolver novos programas de evangelização.
Avanço em união
Em várias oportunidades, Ellen G. White incentivou o trabalho unânime, em todos os níveis eclesiásticos. Por ocasião da assembléia da Associação Geral, em 1901, na qual foram introduzidas mudanças importantes na estrutura eclesiástica, ela falou aos delegados: “Quando recorremos ao Senhor com uma mente humilde, e buscamos nos unir tão estreitamente e tão rapidamente quanto podemos, o Deus do Céu coloca Sua aprovação sobre nossa obra. Parece que nesta reunião há um esforço por avançarmos de modo harmônico. Esta é a mensagem que nos últimos cinqüenta anos tenho ouvido das hostes angelicais: ‘avançai unidos, avançai unidos’. Façamos isso. Quando no espírito de Jesus procurarmos avançar unidos, deixando de lado nosso eu, descobriremos que o Espírito Santo agirá e a bênção de Deus descerá sobre nós.”5
Referências:
1 Muitas universidades dos Estados Unidos foram originalmente estabelecidas com seminários teológicos. A declaração original da Universidade de Harvard inclui as seguintes palavras: “Para ser instruído plenamente e compreender bem que o propósito principal de sua vida é conhecer a Deus e a Jesus Cristo.” Ver www.harvard.edu/siteguide/faqs/faql10.html
2 Seminário Adventista Latino-americano de Teologia, Regulamento Interno, 4a edição (Brasília, DF: Divisão Sul-Americana, 1988), pág. 2.
3 Carnegie Samuel Calian, The Ideal Seminary (Louisville, KY: Westmins-ter John Knox Press, 2002), págs. 45-47.
4 Ver www.adventist.org/news/data/2003/06/1058270156/index.html.en
5 Ellen G. White, General Conference Bulletin, 10/04/1901, pág. 182.