Tem sido comum ouvir comentários de que o mundo não é mais o mesmo.
Por exemplo, qualquer posicionamento é motivo para polêmicas e até processos judiciais. O jargão policial: “Você tem o direito de permanecer calado. Tudo o que disser poderá ser usado contra você no tribunal” nunca gerou tanto receio quanto agora. Aqueles que precisam se expressar em público por meio de textos, palestras, entrevistas ou sermões vivem sob a ameaça velada de que “não se pode falar mais nada”. Até que ponto isso limita o compromisso pastoral com a pregação da mensagem bíblica?
No território da Divisão Sul-Americana da Igreja Adventista do Sétimo Dia prevalece a garantia da liberdade de expressão. Assim, cada pessoa pode falar o que quiser. O entendimento jurídico é de que ela é um bem da personalidade de cada cidadão. Corresponde a garantias consideradas fundamentais: a livre manifestação do pensamento, livre expressão da atividade intelectual, artística, científica, bem como o acesso à informação. E esse direito é pleno em todo tempo, lugar e circunstância.
É preciso, porém, compreender a relação entre a liberdade de expressão e os direitos humanos a fim de evitar problemas, como demandas judiciais nas áreas cível ou criminal. Levando isso em conta, quais são os direitos que merecem atenção quando alguém usa sua liberdade para se expressar?
1) Vedação ao anonimato, ou seja, quem se expressa precisa sempre se identificar, pois, se alguém se sentir ofendido poderá se defender do que foi falado.
2) Direito de resposta, pois quem é atacado tem o direito de se expressar contrariamente ao que foi levantado no exercício da liberdade de expressão de outra pessoa.
3) Direito de indenização por dano moral ou material à intimidade, à vida particular, à honra e à imagem das pessoas.
4) Direito à proteção contra o discurso de ódio, que pode ter origem em questões ligadas a raça, cor, etnia, religião, orientação sexual, deficiências ou classe social.
Dessa maneira, quem se expressa deve estar atento para evitar abusos no desfrute da plenitude de sua liberdade de expressão. Surge, então, a necessidade de estabelecer o caminho para que o pregador, escritor ou palestrante compartilhe sua produção intelectual sem correr riscos de violar os direitos de outras pessoas. Para isso, dois passos fundamentais devem ser tomados:
1) Não direcione seu discurso ou texto a uma pessoa específica. Além de limitar a qualidade do que está sendo apresentado, essa atitude pode levar a pessoa identificada a reivindicar seus direitos de resposta e indenização. Pode, ainda, ser interpretada como um ataque direto contra essa pessoa, e não contra uma postura, hábito ou orientação que está sendo analisado no discurso ou no texto. A liberdade de expressão existe para assegurar o compartilhamento de informações, cultura e opiniões, mas não para ataques individuais. Além disso, do ponto de vista cristão, ataques individuais são expressão de repulsa e não do acolhimento e amor ensinados por Cristo.
2) Tenha sempre um discurso ou texto fundamentado sobre fatos ou fontes que possam ser provados em caso de questionamento. Por exemplo, a Bíblia afirma que adultério é pecado. Apesar das diferentes interpretações que procuram minimizar isso, o posicionamento adventista segue a compreensão consolidada das Escrituras. Ocorre que o adultério, além de ser pecado, também foi considerado crime em alguns países. Com o passar do tempo, porém, o entendimento jurídico sobre o adultério mudou, deixando de tipificá-lo assim. Como resultado, para muitos, não mais é razoável expressar-se claramente contra o adultério, sob pena de correr o risco de ser ofensivo.
Contudo, para os cristãos que têm nas Escrituras Sagradas sua referência teológico-doutrinária, o adultério continua sendo pecado, e sua prática, passível de reprovação em qualquer discurso ou texto. Portanto, qualquer pregador, escritor ou palestrante, usando como fundamento a Bíblia, pode se expressar contra o adultério, admoestando contra sua prática, sem nenhum motivo para temer, pois não há violação de outros direitos. É importante, porém, destacar que ninguém deve ser identificado como adúltero em discurso ou texto, sob pena de responder por violar os direitos acima mencionados.
Tomando esses cuidados, ninguém deve ter medo de exercer sua liberdade de expressão. E ela, no caso de sermões e textos com conteúdo religioso, conta com o fundamental direito à liberdade religiosa, também presente em todo o território da Divisão Sul-Americana.
Recentemente, a Suprema Corte do Brasil fez um pronunciamento muito interessante a esse respeito, em relação ao posicionamento contrário à prática homossexual:
“A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança, não restringe nem limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou particular, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem discriminação, hostilidade ou violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero” (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26/DF, p. 7, Supremo Tribunal Federal).
O entendimento da Suprema Corte brasileira ilustra o entendimento majoritário entre os países que compõem a Divisão Sul-Americana a respeito do tema. Assim, é importante destacar que ninguém
deve abrir mão, especialmente quando se fala de sermões, do pleno exercício da liberdade de expressão por medo de consequências jurídicas, desde que sejam tomados os cuidados já recomendados.
Resumindo, a liberdade de expressão, na América do Sul, é tida como um direito primordial que se traduz na livre e plena manifestação do pensamento, da criação e da informação. Depois disso é que se destaca responsabilidades por eventual desrespeito a direitos alheios. Como países democráticos e civilizados, há o pleno regime da livre e plena circulação de ideias e opiniões, mas sem deixar de determinar direito de resposta e todo o sistema de responsabilidades civis, penais e administrativas.