Lições da vida de João Batista
Adolfo S. Suárez
Em meus momentos devocionais, além de estudar a Bíblia, a meditação diária e a Lição da Escola Sabatina, costumo ler algum livro de Ellen White. Atualmente, estou estudando O Desejado de Todas as Nações. Há algum tempo, enquanto fazia minha leitura, fiquei impressionado com o capítulo 10, intitulado “A voz do deserto”, que narra aspectos do ministério de João Batista. Quando estava para concluí-lo, li uma frase que chamou minha atenção: “Multidões seguiam esse novo mestre de um lugar para outro, e não poucos nutriam a esperança de que ele fosse o Messias. Mas, vendo João o povo voltar-se para ele, buscava todas as oportunidades de encaminhar-lhes a fé para Aquele que haveria de vir.”1 Se ele tinha muitos discípulos, isso significa que ele era um grande discipulador. Neste artigo, destaco algumas características de João Batista necessárias para que sejamos bem-sucedidos na tarefa de discipular pessoas para o Reino de Deus.
Santidade
João Batista foi chamado para ser o mensageiro de Deus. Ele devia “imprimir” nas pessoas uma “nova direção aos pensamentos” e “impressioná-las com a santidade dos reclamos divinos”.2 Se havia sido chamado para exercer uma obra de santidade, então ele mesmo deveria ser santo.
De idêntica maneira, o discipulador deve ser santo, pois “precisa ser um templo para a presença de Deus”.3 Ser santo significa ser consagrado ao Senhor, dedicado a Ele, e ter uma conduta coerente com Seus princípios. Nesse sentido, ser santo não é uma consecução, mas um estado. Quando me chama para uma obra, Deus me santifica, escolhe, separa e dedica a Ele.
Disciplina
“Ao tempo de João Batista, a cobiça das riquezas e o amor do luxo e da ostentação se haviam alastrado. Os prazeres sensuais, banquetes e bebidas, estavam causando moléstias e degeneração física, amortecendo as percepções espirituais, e insensibilizando ao pecado.”4 As pessoas viviam como queriam, e quem quisesse ser diferente e viver de acordo com a vontade de Deus precisava desenvolver domínio próprio. Essa foi a experiência de João Batista. Por isso ele foi capaz de se manter inabalável diante das pressões da sociedade.
João tinha um caráter firme, decidido, centrado. Nada era capaz de distraí-lo da missão que tinha. Da mesma forma, discipuladores precisam ser disciplinados, firmes, decididos e centrados. Além disso, devem ser organizados, metódicos e sistemáticos.
Reforma
Cercado por um ambiente repleto de licenciosidade e permissividade, “João devia assumir a posição de reformador. Por sua vida abstinente e simplicidade de vestuário, devia constituir uma repreensão para sua época.”5 Assim, antes de pregar como as pessoas deveriam viver, ele já demonstrava em sua conduta o modo correto de viver.
Um detalhe importante é que sua vida de reformador começou a ser moldada antes de seu nascimento. Um anjo apareceu a seus pais e deu as orientações para que João fosse alguém diferenciado (Lc 1:15, 16). Isso aponta para o fato de que o preparo para ser um reformador tem suas raízes na infância. Ellen White afirma que “acima de quaisquer dotes naturais, os hábitos estabelecidos nos primeiros anos decidem se a pessoa será vitoriosa ou vencida na batalha da vida. A juventude é o tempo da semeadura.”6
Por isso, discipuladores investem no processo de discipulado familiar. Precisamos investir no que garante o melhor retorno, e isso ocorre quando investimos nas crianças, nos juvenis e adolescentes. João Batista era um reformador, e isso começou na sua infância. Ser reformador significa mostrar na vida as mudanças que queremos que ocorram na igreja e na sociedade; ser reformador significa repreender os maus comportamentos com o poderoso sermão de uma vida pautada pela vontade de Deus.
Simplicidade e abnegação
Ao passar parte do seu tempo no deserto, João Batista renunciou ao luxo e às diversões e se acostumou a dois elementos importantes: simplicidade e abnegação. Simplicidade se refere ao que é natural, simples, puro. Abnegação, por sua vez, está relacionada à renúncia, a uma vida que abre mão de seus próprios interesses.
Abnegação e simplicidade são características que andam juntas. Discipuladores devem ser simples e abnegados porque, como pregadores do evangelho, precisam mostrar às pessoas que seguir Cristo exige sacrifício. Quem conhecia João Batista percebia que ele era poderosamente simples e contagiantemente abnegado. Não era por acaso que as pessoas ficavam sensibilizadas com sua vida e pregação.
Estudo
João Batista tinha um discurso poderoso, com um sólido conteúdo. Como ele desenvolveu isso? Ellen White esclarece que “João encontrou no deserto sua escola e santuário. A exemplo de Moisés entre as montanhas de Midiã, era circundado da presença de Deus, e das demonstrações de Seu poder.”7 No deserto, “sozinho, no silêncio da noite, lia a promessa feita por Deus a Abraão, de uma semente tão inumerável como as estrelas. A luz da aurora, dourando as montanhas de Moabe, falava-lhe Daquele que havia de ser ‘como a luz da manhã quando sai o Sol, da manhã sem nuvens” (2Sm 23:4). E no brilho do meio-dia via o esplendor de Sua revelação, quando ‘a glória do Senhor’ se manifestar, ‘e toda carne juntamente’ a vir (Is 40:5).”8
O profeta vivia num deserto literal e, nele, experimentava intenso aprendizado. Assim como João, precisamos ter nosso “deserto”, que seja nossa escola e nosso santuário. Nossa escola para fortalecer nosso intelecto; nosso santuário para fortalecer nossa fé. Pode ser um escritório em casa, no trabalho ou algum outro lugar. Discipuladores precisam de um local em que diariamente possam escavar a verdade, estudar a Bíblia, pois, nela, Deus Se revela.
Sociabilidade
Talvez alguém pense que João Batista era um alienado. Nada disso! “A vida de João não era, entretanto, passada em ociosidade, em ascética tristeza, em isolamento egoísta. Ia de tempos a tempos misturar-se com os homens; e era sempre observador interessado do que se passava no mundo. De seu quieto retiro, vigiava o desdobrar dos acontecimentos. Com a iluminada visão facultada pelo Espírito divino, ele estudava o caráter dos homens, a fim de saber como lhes chegar ao coração com a mensagem do Céu.”9
João Batista tinha uma personalidade interessante. Ele conseguia passar muito tempo sozinho no deserto; contudo, tinha disposição de se misturar com as pessoas. Ellen White lembra que “os que buscam esconder sua religião […] ocultando-a dentro de muros de pedra, perdem valiosas oportunidades de fazer bem. Por meio das relações sociais, o cristianismo se põe em contato com o mundo”.10 Desse modo, a vida de João Batista, entre o deserto e as multidões, é uma grande inspiração aos discipuladores modernos.
Humildade
João Batista adquiriu reconhecimento e boa reputação. Mas ele sempre se manteve humilde. Isso é bem ilustrado por estas palavras de Mateus 3:11: “Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas Aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu, cujas sandálias não sou digno de levar. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo.”
O profeta sabia quem era, mas também sabia quem não era. João Batista era humilde. Humildade é a virtude que nos dá o sentimento de nossa fraqueza e limitação. Ser humilde é permitir que a vontade de Deus floresça em nossa vida. João Batista viveu assim, e inspira os discipuladores modernos a fazer o mesmo.
Espiritualidade
“Pesava sobre [João Batista] a responsabilidade de sua missão.”11 E como ele enfrentava esse peso? Ellen White responde: “Meditando e orando, na solidão, buscava cingir a alma para a obra de sua vida. Se bem que habitando no deserto, não estava livre de tentações. […] Sua percepção espiritual, porém, era clara; tinha desenvolvido resistência de caráter e decisão e, mediante o auxílio do Espírito Santo, era habilitado a pressentir a aproximação de Satanás, e resistir-lhe ao poder.”12
O discipulador vive a missão com espírito de meditação e oração. Tais disciplinas são essenciais para quem espera impactar o coração dos discípulos, como fez João Batista.
Reverência
João Batista examinava o que os escritos proféticos diziam sobre o Messias com profundo respeito, e se aproximava de Deus com profunda reverência. Para ele, as palavras do Senhor a Moisés, também ditas no deserto, tinham significado especial. Ellen White afirma que “a humildade e a reverência devem caracterizar o comportamento de todos os que vão à presença de Deus. Em nome de Jesus podemos ir perante Ele com confiança; não devemos, porém, aproximar-nos Dele com uma ousadia presunçosa, como se Ele estivesse no mesmo nível que nós outros.”13
O Senhor Se dirige a nós, pessoas comuns, em dias comuns, mas Ele não é um ser comum. Ele é Deus, e jamais devemos perder o senso de Seu poder, Sua grandeza, glória, majestade, soberania e santidade. Como discipuladores, estamos a serviço de um Deus santo, servindo à Sua igreja. Portanto, devemos ser simpáticos, mas não debochados; sorridentes, mas sem sarcasmo; e alegres, mas sem algazarra.
Admoestação
João Batista tinha um discurso duro (Mt 3:7-10), pois seu propósito era “acordar [seus ouvintes] da letargia e fazê-los tremer por sua grande iniquidade.”14 Assim, as admoestações são uma espécie de trombeta divina para despertar a consciência adormecida. Por isso, “Deus não manda mensageiros para lisonjear o pecador. Não transmite mensagem de paz para embalar os não santificados numa segurança fatal. Depõe pesados fardos sobre a consciência do malfeitor e penetra a alma com as setas da convicção. Os anjos ministradores apresentam-lhe os terríveis juízos de Deus para aprofundar o sentimento da necessidade e instigar ao brado: ‘Que devo fazer para ser salvo?’”15
O discipulador precisa clamar desde o púlpito, ao pregar; bradar nos lares, ao dar um estudo bíblico. O discipulador deve admoestar, chamar a atenção. Esse não é seu único papel nem o principal, mas deve fazê-lo. O discipulador não pode fugir da tarefa de apontar o erro, nunca para aprofundar a crise, mas para resgatar o pecador.
Pregação entusiasta
João Batista era um pregador entusiasta. A palavra “entusiasmo”, no grego, significa “em Deus”, “inspiração divina”, “Deus em si”, e os antigos a compreendiam como se referindo a alguém inspirado ou dotado da presença de Deus. O termo se aplica apropriadamente a João Batista. Ellen White afirma que, ao pregar, as palavras do profeta tocavam fundo no coração das pessoas, e ao ouvi-lo, as multidões reagiam com convicção, a ponto de perguntarem: E agora, que faremos? E João respondia: “Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo” (Lc 3:11). O discipulador autêntico deve pregar com tal poder e entusiasmo, que as pessoas sintam o desejo de se entregarem a Deus e mudar de vida.
Conclusão
Neste artigo, procurei mostrar que João Batista foi um discipulador de primeira grandeza; portanto um exemplo para discipuladores modernos. Ele era santo, disciplinado, reformador, conciliador, estudioso, simples e abnegado, sociável, espiritual, reverente, admoestador, entusiasta e humilde. Você consegue imaginar o efeito de uma pessoa com essas características, convivendo com outras pessoas?
Tudo que eu disse pode ser resumido nesta frase: “Mais do que apenas impacto ou admiração, a vida do discipulador causa efeito transformador na vida do discípulo.” Esse é o desafio que está em nossas mãos!
Referências
1 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 108.
2 Ibid, p. 100.
3 Ibid.
4 Ibid.
5 Ibid, p. 100, 101.
6 Ibid, p. 101.
7 Ibid., p. 102.
8 Ibid., p. 102, 103.
9 Ibid., p. 102.
10 Ibid., p. 153.
11 Ibid., p. 102.
12 Ibid.
13 Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 252.
14 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 103, 104.
15 Ibid., p. 104.
Adolfo S. Suárez, doutor em Ciências da Religião, é reitor do Seminário Adventista Latino-americano de Teologia