E um privilégio nos associarmos ao Pai, Filho e Espirito Santo na suprema tarefa de buscar e salvar o perdido

Ter uma clara teologia de missão é fator indispensável a fim de termos um pastorado bem informado e bem-sucedido. Além disso, a mudança no conceito geográfico de missão, observada nas últimas décadas, altera a antiga idéia de que o campo missionário limita-se a terras distantes, exóticas e pagãs. Segundo esse antigo paradigma, movimento missionário é o envio de pessoas a tais lugares, a fim de evangelizar seus habitantes. A mudança desse conceito começa a acontecer quando é percebido que, ao mesmo tempo em que as expedições missionárias foram enviadas para cristianizar o mundo pagão, especialmente durante os séculos 19 e 20, o mundo cristão também foi invadido por filosofias estranhas ao cristianismo, e os países conhecidos como cristãos estão se tornando rapidamente um dos maiores desafios missionários do planeta.1

Uma das conseqüências dessa nova realidade é que cada pastor deve ser também um missionário capaz de ministrar interculturalmente em seu próprio país. O conceito de intercultura vai além do tradicional entendimento de que culturas são separadas por barreiras entre países, mas sim entre gerações, condição socioeconômica, escolaridade, gênero, cor e outros aspectos antropológicos e sociológicos que podem ser percebidos e vividos dentro dos limites de um distrito ou de uma igreja local.

Neste artigo, apresentamos de modo simplificado a teologia de missão, num formato trinitariano originado em Deus, que envia Jesus e que também envia a igreja para ser testemunha a todo o mundo, na força do Espírito Santo, o Consolador prometido. Com isso, visamos ao fortalecimento da consciência missionária naqueles que se sentem chamados para servir a Deus no século 21.

A missão de Deus, o Pai

Do ponto de vista etimológico, missão tem sido definida como “uma tarefa dada”.A expressão em latim significa “ato de enviar”. Enquanto alguns aplicam o significado etimológico de missão para descrever a atividade do missionário sendo “enviado” com a mensagem de Jesus,’ outros o tratam como a origem de todas as missões: Deus, como o missio Dei.4 Embora sejam complementares, as duas definições precisam ser entendidas em suas respectivas esferas. A primeira se refere a um elemento pragmático do termo missão, enquanto a segunda cristaliza uma base sólida à sua prática.

Missio Dei é o retrato bíblico para introduzir Deus no cenário do mundo, como Aquele que está em missão em favor da humanidade caída (Gn 3:9). O termo missio Dei foi usado pela primeira vez no 5o Concilio Internacional de Missionários, que aconteceu em Willingen, Alemanha, em julho de 1952.5 Naquela ocasião, foi defendida a idéia de que o movimento missionário tem sua origem no Deus trinitariano. Ele é um Deus em missão, que está em busca do homem perdido. Toda a Bíblia “é um livro missionário”, é “a revelação do propósito e ação de Deus através da história humana”.O entendimento de missão como sendo “missão de Deus” suscita outra importante questão: a diferenciação dos termos missão e missões. No paradigma de missão, entende-se que a missão é de Deus, não nossa. Ele representa o missio Dei. Missão é a auto-revelação de um Deus que ama o mundo como Sua criação; que está envolvido com o mundo e no mundo. Ela aclara a natureza e a atividade de Deus, que engloba tanto a igreja como o mundo.

A missão espera por nós em casa pessoa, a todo momento, em qualquer lugar”

Em suma, “missio Dei anuncia a boa-nova de que Deus é um Deus-para-pes-soas”.7 Missões, por sua vez, refere-se a todo esforço e tentativa humanos em sua participação na missão de Deus.

Deus revelou-Se a Si mesmo e Sua missão ao patriarca Abrão. A partir da narrativa de Gênesis 12:1-3, encontramos cinco elementos característicos do Deus missionário. Em primeiro lugar, Ele é o Deus da História. A História não acontece através de mecanismos fixos ou leis de causa e efeito. Deus está no controle, e a Abrão foi feita a promessa que se cumpriría com a inauguração da igreja de Jesus Cristo, séculos depois, a saber, a salvação a todos os confins da Terra através da incorporação gentílica à igreja (Ef 3:1-13; Mt 8:11).

Em segundo lugar, Deus é o Deus da aliança. Ele é amoroso e bondoso o suficiente para fazer promessas à humanidade pecadora e Se manter fiel a elas. Em terceiro lugar, Deus é o Deus das bênçãos, doador por excelência. Em quarto lugar, Deus é sempre misericordioso, não tem prazer em condenar. Isso não quer dizer que escatologicamente conceda salvação a crentes e descrentes, como pensam os universalistas, mas Ele é paciente com a raça caída, dando-lhe oportunidades misericordiosas para aceitá-Lo e experimentar novo começo a cada manhã (Lm 3:22, 23). Finalmente, Deus é o Deus da missão. Seu propósito é abençoar todas as nações. Está buscando o perdido em todo o mundo.8

Jesus: missionário por excelência

O segundo elemento da missão triúna é Jesus. Deus, o Pai, não apenas é o originador da missão (Gn 3:9), mas também lhe dá continuidade através de Jesus Cristo, a quem enviou (Jo 20:21). Através da encarnação, Deus deu passos firmes em direção ao cumprimento de Sua missão. Portanto, Jesus Cristo foi enviado “como proclamador e fundador do reino”.9

O esforço missionário humano é sempre limitado, pois é apenas um reflexo do missionário real que Se encarnou completamente. Sendo Deus, por natureza, Jesus encamou-Se; nasceu em um ponto histórico e cultural específico. Aprendeu, absorveu e viveu a linguagem de seu ambiente, seus costumes e formas de viver. Sua cultura foi a de um judeu do primeiro século, que vivia sob o regime do Império Romano. Jesus Se tornou nativo e, nesse sentido, o esforço missionário humano é sempre parcial, porque não nos é possível a encarnação completa em outra cultura, ao ponto de nos tomarmos nativos, como o foi Jesus. Contudo, Ele nos apresenta um modelo de missão e ministério.

No evangelho de Lucas, Jesus recorre aos escritos de Isaías, para definir a natureza de Sua encarnação e missão: “O Espírito do Senhor está sobre Mim, pelo que Me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-Me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor” (Lc 4:18,19, cf. Is 61:1, 2). Toda verdadeira missão é uma missão encarnacional, e isso requer identificação sem perda de identidade.10

No poder do Espírito

A igreja precisa estar enraizada nesses dois conceitos até aqui apresentados. Eles estão fundamentados nas Escrituras. Bosch adverte no sentido de que “uma fundamentação de missão inadequada com motivos e objetivos missionários ambíguos culminará com uma prática missionária insatisfatória”.11 Não nos faltam exemplos de resultados negativos devidos à utilização de motivos e objetivos duvidosos em missão.

A grande comissão em Mateus 28 convida a igreja a tomar parte na missão de Deus. Isso deve ser visto como privilégio, tendo em vista pelo menos três razões. Primeira, Deus tem parte ativa a ser desempenhada pela igreja em Sua missão. Isso não quer dizer que Ele seja limitado ou dependente da participação humana para o cumprimento de Seus propósitos na História. Porém, é certo que Ele está nos privilegiando, ao repartir conosco a tarefa missionária.

Segunda, é uma honra sermos escolhidos para essa responsabilidade. Por causa de sua condição, ou natureza pecaminosa, nenhum ser humano é digno desse privilégio. A humanidade se tornou cega para as realidades espirituais, mas Deus, em Seu amor e misericórdia, credita valor àqueles que não possuem valor algum, mas que O aceitam como Salvador e Senhor. A terceira razão é que essa é uma oportunidade para experimentarmos a presença do Espírito Santo em nossa vida. O poder pelo qual a igreja opera não lhe é inerente. É-lhe dado pela presença do Espírito Santo.

Portanto, a missão está enraizada em Deus, que é seu iniciador. Jesus foi enviado por Ele, a fim de continuar a missão, vivendo como homem entre os homens. A igreja é a testemunha de Deus ao mundo. Sua missão está fundamentada no chamado divino para experimentar o poder do Espírito Santo, como dunamys, impulsionando-a para a prática de missões.

Essa experiência não se refere a desafios de uma terra longínqua, mas aos dos grandes centros urbanos, da vizinhança de cada templo, ou ao morador do outro lado da rua, que não conhece Jesus como Salvador e Senhor. A missão espera por nós, estampada na face de crianças de rua, dos ricos e intelectuais enclausurados em suas fortalezas de concreto e raciocínio humano; ou do pobre oprimido pela desigualdade social. Cabe-nos o privilégio de buscar e salvar o perdido. O ide é para todos, e o campo missionário está ao alcance de todos.

Referências:

  • 1 Philip Jenkins, The Next Christyendom: The Coming of Global Christianity (Nova York: Oxford University Press, 2002), p. 1,2.
  • 2 Merriam Webster Online, verbete “mission”.
  • 3 John Dybdahl, Adventist Mission in the 21st Century : The Joys and Challenges of Presenting Jesus to a Di-verse World (Hagerstown MD: Review and Herald, 1999), p. 17.
  • 4 David J. Bosch, Transforming Mission: Paradigm Shifts in Theology of Mission (Maryknoll, NY: Orbis, 1991), p. 389, 393.
  • 5 Arthur F. Glasser e Charles Edward Van Engen, Anounc-ing the Kingdom: The Stony of God’s Mission in the Bible (Grand Rapids, Ml: Baker Academic, 2003), p. 245.
  • 6 Ibid., p. 17.
  • 7 David J. Bosch, Op. Cit., p. 10.
  • 8 John R. W. Stott, Perspective on the World Christian Movement: A Reader (Pasadena CA: William Carey Library, 1981), p. 15-18.
  • 9 Leslie Newigin, The Open Secret: An Introduction to the Theology of Mission (Grand Rapids, MI: 1995), p. 22.
  • 10 Jon W. Stott, The Contemporary Christian (Down-ersGrove, IL: Intervarsity Perss, 1995), p. 358.
  • 11 David J. Bosch, Op. Cit., p. 5.