Fazer a “obra do Senhor” sem estar em contato pessoal com o “Senhor da obra” pode nos permitir ganhar um salário, mas provavelmente nos faça perder o Céu.
por Márcio Nastrini
Embora o tema espiritualidade permeie o trabalho do pastor em cada sermão pregado, cada visita feita, ou cada estudo ministrado, nem sempre o desenvolvimento da espiritualidade acompanha a dinâmica ministerial. Como pastores, corremos o risco de encarar nosso relacionamento com Deus de modo profissional, destituído de vida e intimidade com o Senhor que nos chamou para Sua obra. Refletir sobre essa condição é o propósito desta entrevista com o pastor Carlos Steger.
Nascido em lar adventista, o pastor Steger realizou todos os estudos primários, secundários e universitários em instituições adventistas. Cursou a graduação e o mestrado em Teologia na Universidade Adventista del Plata (UAP), Argentina, e obteve seu doutorado pela Universidade Andrews, Estados Unidos.
Durante seu ministério, foi pastor distrital, professor de Teologia, vice-reitor acadêmico e diretor da Faculdade de Teologia da UAP, além de ter servido como editor-chefe da Asociación Casa Editora Sudamericana. Casado com Ethel Mangold, o casal tem três filhos e cinco netos.
Qual tem sido sua experiência com a espiritualidade no ministério e por que considera importante esse tema?
Logo no início de meu ministério comprovei que, quando começava o dia em comunhão com Deus, tinha melhores experiências no serviço do Senhor. Isso não significa que as dificuldades e os desafios desapareciam milagrosamente. Entretanto, eu não estava sozinho para enfrentá-los e confiava em Deus, crendo que Ele Se encarregaria dos resultados. Por outro lado, também pude observar que frequentemente surgiam atividades ou situações que competiam com meu culto pessoal e se sobrepunham ao meu desejo de passar tempo com Deus.
Estou convencido de que é indispensável priorizar o relacionamento com Deus mediante a leitura reflexiva da Bíblia e a oração para ser um genuíno cristão, e ainda mais para ser um bom pastor. A função pastoral consiste, em primeiro lugar, em ajudar espiritualmente as pessoas, sejam elas membros da igreja ou interessados, a se achegarem ao Senhor. Não podemos dar o que não temos. Se o pastor não carrega suas baterias espirituais a sós com Deus, seu ministério carecerá de poder.
Quais elementos conspiram contra a espiritualidade do pastor?
Vivemos rodeados de estímulos externos que competem com a comunhão com Deus e tentam nos impedir de passar tempo a sós com Ele. Há coisas que são boas e úteis para o pastor, mas
que geralmente tomam nossa atenção desde o amanhecer até o anoitecer, de tal maneira que se tornam prioritárias, ocupando o lugar que Deus deveria ter em nossa vida. Por exemplo, as redes sociais e aplicativos digitais. Há poucos dias li que, em média, uma pessoa dedica seis horas por dia à Internet e às redes sociais. Creio que os pastores estão inseridos nessa realidade. Quando acordamos pela manhã, o que fazemos em primeiro lugar? Verificamos as redes sociais no celular ou buscamos a Deus em oração e leitura de Sua Palavra? Qual é a última coisa que olhamos antes de dormir? Os últimos e-mails que chegaram ou as mensagens de Deus? Isso sem contar as inúmeras vezes que verificamos o celular durante o dia. O problema não é a comunicação digital, mas o tempo que lhe dedicamos e a prioridade que lhe atribuímos.
Outro inimigo da espiritualidade é a secularização ou o mundanismo que nos cerca. A sociedade ocidental está longe de Deus, impregnada de maldade, sensualidade, violência, vícios e perversões. Os meios de comunicação em massa não são moralmente neutros. A maioria deles exerce uma poderosa influência contrária aos valores e princípios bíblicos. Enchem a mente e a imaginação das pessoas de tal maneira que neutralizam o desejo de estar em comunhão com Deus e obedecer-Lhe. Insensibilizam a consciência, de modo que o pecado pareça inofensivo e atraente. Muitas vezes se pensa que são simples entretenimentos, quando em realidade são agentes educativos eficazes a serviço do mal.
Como um pastor pode enriquecer sua vida devocional, de tal maneira que venha a experimentar um reavivamento pessoal?
Deus prometeu que podemos encontrá-Lo se O buscarmos de todo o nosso coração (Jr 29:13). Cada dia renovo minha determinação de buscar a Deus como o mais importante em minha vida. Isso significa meditar em Sua Palavra e orar antes de realizar qualquer outra atividade.
Enquanto cursava Teologia, um colega me propôs que nos reuníssemos cada manhã, bem cedo, para ler Caminho a Cristo, compartilhar nossas reflexões e orar juntos. Nós nos encontrávamos no parque da Universidade, acompanhados somente pelo canto das aves. Líamos, compartilhávamos nossas dúvidas, convicções e resoluções pessoais e terminávamos orando um pelo outro. Foi uma experiência que nos marcou espiritualmente. Embora tenham se passado mais de 40 anos, ainda guardo esse pequeno livro, repleto de frases sublinhadas e anotações nas margens. Já voltei a lê-lo várias vezes, sempre com o mesmo resultado: uma renovação espiritual.
Fazer o culto pessoal é fundamental. Contudo, é necessário também manter a espiritualidade ao longo do dia orando (conversando espontaneamente com Deus), cantando hinos e recordando passagens bíblicas animadoras. Tem me ajudado muito memorizar hinos cuja letra é particularmente significativa para mim, salmos e outras porções escolhidas das Escrituras. Cantar esses hinos e repetir essas passagens durante o dia, em voz baixa ou mentalmente, eleva meus pensamentos a Deus e me fortalece para enfrentar os desafios cotidianos.
Qual é o risco de o pastor limitar sua experiência espiritual ao conhecimento teórico das Escrituras? Como evitar essa condição?
Quando estava para viajar para a Universidade Andrews, a fim de cursar o doutorado em Teologia, um conhecido me disse: “Que ótimo! Você passará o dia todo estudando a Bíblia!” Com sinceridade, e uma boa dose de ingenuidade, ele pensava que os estudos doutorais seriam uma grande bênção espiritual. A verdade é que, se eu tivesse dependido dos estudos teológicos para manter saudável minha vida espiritual, teria naufragado na fé. De modo semelhante, durante o período em que fui pastor distrital, tive que me esforçar cada dia para dedicar tempo à devoção pessoal mediante a oração e a leitura da Bíblia e dos livros de Ellen White.
Sem diminuir a importância das significativas contribuições ao conhecimento que os grandes teólogos têm realizado, não basta ler e estudar sobre Deus. Precisamos estar em comunhão pessoal com Ele.
De que maneira a espiritualidade do pastor exerce influência sobre seu estilo de vida, seus relacionamentos, sua família e sua igreja?
A verdadeira espiritualidade é como um perfume que não se pode esconder. A pessoa que está em comunhão com Deus reflete, dentro de suas possibilidades, o caráter divino. Ao iniciar o dia submetendo sua vontade a Deus, seu estilo de vida se moldará cada vez mais ao que o Senhor tem revelado. Ao experimentar a cada dia o divino amor perdoador e restaurador, suas relações humanas serão tingidas com o verdadeiro amor, tanto na família quanto na igreja, e também na comunidade.
O que um pastor pode fazer para incentivar o crescimento espiritual das igrejas que lidera?
Em primeiro lugar, diariamente buscar o Senhor de todo o coração para que seu exemplo, inclusive inconscientemente, motive os membros a se achegarem a Deus.
Em segundo lugar, preparar e pregar sermões bíblicos que alimentem espiritualmente a igreja. Não sermões superficiais, que parecem mais destinados a entreter do que a reavivar, mas mensagens que transmitam a vivência pessoal do pastor com Deus. Somente o sermão que me ajudou poderá ajudar os demais a crescer espiritualmente.
Em terceiro lugar, motivar os membros a se alimentarem diariamente da Palavra de Deus. Isso inclui ensinar-lhes, de forma simples e prática, a fazer o culto pessoal e familiar e a estudar a Bíblia para conhecer mais e melhor a Deus e Sua vontade.
Que conselho o senhor daria para pastores que muitas vezes se veem mais preocupados com a “obra do Senhor” do que em contato direto com o “Senhor da obra”?
Sei por experiência que essa é uma das maiores tentações que enfrentamos como pastores. Fazer a “obra do Senhor” sem estar em contato pessoal com o “Senhor da obra” pode nos permitir ganhar um salário, mas provavelmente nos faça perder o Céu. Deus só poderá nos usar para salvar outros se estivermos em comunhão pessoal com Ele. Lembrem-se das palavras de Jesus: “Sem Mim vocês não podem fazer coisa alguma” (Jo 15:5, NVI).