Entrevista: Pastor Alejandro Bullón
“Minha insuficiência me levou sempre a buscar forças em Jesus. Nunca terei palavras para agradecer a Deus por Sua maravilhosa graça”
Por Zinaldo A. Santos
Após 38 anos de trabalho e aos 60 de idade, o pastor Alejandro Bullón deixa as fileiras do pastorado regular e entra na jubilação. Nascido no Peru, onde também iniciou sua carreira, ele chegou ao Brasil nos anos 70 e serviu como diretor do Ministério Jovem na antiga Missão Mineira Central, União Este-Brasileira e União-Central Brasileira. Durante os últimos 17 anos, foi secretário ministerial da Divisão Sul-Americana. Nessa função, dividiu com seus associados a direção de Ministério, tendo participação decisiva no processo de renovação pelo qual a revista passou.
O pastor Bullón é casado com Sara Orfília, de cuja união nasceram quatro filhos. Sendo também avô de quatro netos, ele se define como “um homem feliz e agradecido a Deus”, por ter recebido “a bênção de ser pastor”.
Para esse servo de Deus, jubilar-se não significa vestir o pijama, refestelar-se na poltrona e ver o tempo passar. Sua agenda de campanhas evangelísticas, em vários países, está comprometida até o ano 2012. Além do que ele também planeja continuar ocupando o púlpito mais abrangente da página impressa, do qual já prega através de 23 livros publicados. Afinal, em sua opinião, “a pregação é uma atividade da qual ninguém se aposenta”.
Nesta entrevista, o pastor Bullón partilha conceitos e experiências sobre os quais, em simplicidade, humildade e dependência de Deus, foi construído seu êxito pastoral.
Ministério: Mesmo completando seu tempo de serviço institucional, o senhor poderia continuar. Por que escolheu não fazê-lo?
Bullón: Acho que é a vez dos jovens. Há muitos pastores jovens, brilhantes e humildes servos de Deus, que podem ser usados por Ele. Os mais idosos podem ser conselheiros, mas quem deve tomar as responsabilidades nas mãos são os jovens. Contudo, o fato de eu entrar no período da jubilação não significa que vou parar de pregar. A pregação não é um trabalho. Nenhum pregador se aposenta dela.
Ministério: Quais são seus planos para esta nova fase de sua vida pastoral?
Bullón: Tenho campanhas evangelísticas programadas em outras Divisões até o ano 2012. Durante todos estes anos em que servi à Divisão Sul-Americana, tive permissão para visitar outras Divisões; porém, por motivos óbvios, não pude fazer mais. Por outro lado, tenho compromissos editoriais e quero dedicar a maior parte do tempo à tarefa de escrever. A página impressa é um púlpito poderoso, de onde se pode alcançar milhões de pessoas.
Ministério: O ostracismo parece ser o fantasma da jubilação. O senhor pensa nisso?
Bullón: Acho que ostracismo é algo relativo. Depende da consciência do que é o ministério pastoral. Estou me retirando das fileiras dos obreiros regulares, não do ministério de Deus. E para desenvolver esse ministério, não necessito que alguém reconheça isso. O que importa é que nossa vida esteja a serviço de Deus. A pergunta que começo a me fazer agora não é: O que a igreja pode fazer para eu me sentir “lembrado”, mas, o que posso continuar fazendo para concluir a missão que Jesus confiou ao Seu povo?
“Não estou, me retirando do ministério de Deus. O que importa é que nossa vida esteja a serviço dEle”
Ministério: Multidões incontáveis, em todo o mundo, têm sido grandemente abençoadas por sua pregação. Qual é o seu segredo? Como prepara suas mensagens? Em que fonte o senhor bebe, da qual outros também precisam beber?
Bullón: O segredo está em reconhecer que não sou nada mais que um simples instrumento nas mãos de Deus. Essa minha insuficiência me levou sempre a buscar forças na única fonte de poder que é Jesus. Não passo de um ser humano fraco e necessitado. Nunca terei palavras suficientes para agradecer a Deus por Sua maravilhosa graça. Minha fraqueza me leva a Jesus. É em Sua Palavra que encontro saída para meus problemas. Descobri que os outros seres humanos são iguais a mim e têm os mesmos problemas que eu tenho. Então, tudo o que fiz ao longo do meu ministério foi apresentar às pessoas as soluções de Jesus para minha vida, e isso deu resultado.
Ministério: O senhor modificou o panorama da pregação adventista na América do Sul, a partir dos anos 80, com sua ênfase em Cristo e na justificação pela fé. Quais foram os caminhos que trilhou para chegar a esse ponto? Houve algum pregador que lhe tenha servido de modelo?
Bullón: “O que é justificação pela fé?”, pergunta Ellen White, para, em seguida, responder: “é a obra de Deus que joga no chão a glória do homem e faz por este o que ele é incapaz de fazer por si próprio.” Bem, desde que comecei a ter noção das coisas, sempre quis fazer a vontade de Deus e andar em Seus caminhos. Tive lutas terríveis, escorreguei, me machuquei, mas foram essas minhas derrotas que me levaram a estudar a Bíblia e os livros de Ellen White, em busca de solução. Caminho a Cristo é meu livro de cabeceira até hoje. Nele, achei confirmados os conceitos que encontrei na Bíblia e comecei a pregar, com força, essa mensagem. Fiz isso com tanta força que muita gente se assustou e se recusou a aceitar o fato de que no “manto da justiça divina, não há sequer um fiapo de participação humana”.
Ministério: De que maneira o senhor administrou a questão dessas pessoas “assustadas” e como as conquistou?
Bullón: A igreja me colocou na função de evangelista. Minha primeira responsabilidade era alcançar o coração de pessoas que não conheciam a mensagem. O que devia pregar para elas, senão o ABC do cristianismo? Para muita gente antiga na igreja, inicialmente, isso parecia ser algo repetitivo, “água com açúcar”, “superficial”. Contudo, o que Jesus fez por nós, na cruz, não é a essência do evangelho? Pode o evangelho ser superficial? Foi “água com açúcar” o que aconteceu no Calvário? Hoje, acredito que as pessoas já viram os resultados, milhares de indivíduos transformados por Cristo, em todo o mundo; e, contra os fatos, não há argumentos. Outro dia, encontrei um colega que me disse: “Bullón, fui uma das pessoas que tinham reservas com relação à mensagem que você prega, mas, em um momento de dor, quando eu não sabia, literalmente, o que fazer nem para onde ir, foi um sermão seu que me levou a Jesus.” Apenas o abracei e agradeci a Deus.
Ministério: Nas grandes concentrações de que o senhor participa, além do púlpito, seu contato direto com o povo é raro. Há uma razão específica para esse hábito?
Bullón: Acabei de ler, recentemente, um artigo do pastor David Marshall, publicado na revista Adventist World (outubro, 2007), cujo título é “A cultura da celebridade”. É pena que eu não possa reproduzi-lo na íntegra nesta entrevista. O ser humano gosta de fabricar “ídolos” de barro e os “ídolos” gostam de ser idolatrados. Acho que optei por um caminho quase incompreendido pela “cultura da celebridade”, mas este é o caminho mais saudável para a igreja. Todavia, o fato de não ficar à porta dando autógrafos, tirando fotografias nem recebendo tapinhas nas costas, não significa que não gosto das pessoas. A igreja é o objeto mais precioso para Deus e para mim. Vivo por ela e para ela, me consumi pela igreja durante todos estes anos, sem medir esforços. Viajei noites inteiras, preguei três e até quatro vezes ao dia, nas famosas Caravanas da Esperança, por exemplo. Recebo cartas e, na medida em que o tempo permite, as respondo, atendo chamadas telefônicas, e até procuro pessoas em necessidade espiritual, para ajudá-las. É daí que tiro ilustrações para a pregação.
Ministério: Outra nova página que o senhor ajudou a escrever na história da igreja, na América do Sul, refere-se ao evangelismo. Hoje, ele está menos centralizado em uma pessoa e mais direcionado ao envolvimento de toda a igreja. Fale sobre essa experiência.
Bullón: A igreja sempre realizou evangelismo público, no decorrer de sua história. Evangelismo é a razão de nossa existência. O pastor Robert Pierson, falecido presidente da Associação Geral, dizia que a igreja que esquece o evangelismo coloca uma faca na própria jugular. Mas, a pergunta é: O que é evangelismo? Resposta: proclamação do evangelho. Muito bem. Nas primeiras décadas de nossa história, a maioria das cidades não estava evangelizada. Nelas, não havia membros de igreja. Como poderiamos evangelizá-las? Ellen White dizia: “O Senhor deseja que proclamemos, com poder, a mensagem do terceiro anjo, nestas cidades. … Tudo quanto podemos fazer é escolher homens capazes e instar que vão a tais lugares de oportunidade e lá proclamarem a mensagem” (Evangelismo, p. 40). Porém, hoje, quando já temos a presença adventista em muitos municípios, o conselho é: “Ao trabalhar em lugares onde já se encontram alguns na fé, o ministro deve não tanto buscar, a princípio, converter os incrédulos, como preparar os membros da igreja para prestarem cooperação proveitosa. Trabalhe com eles individualmente, tentando despertá-los para buscarem, eles próprios, experiência mais profunda, e trabalharem por outros” (Obreiros Evangélicos, p. 196). A instrução é clara. Um método não exclui o outro. Como estabeleceremos a igreja onde não existem membros? Com um evangelista tradicional e sua equipe de instrutores. É como trabalhar onde já existem crentes, fazendo evangelismo de colheita. É aberração fazer evangelismo de colheita (uma semana) onde não foi realizado o trabalho prévio de semeadura e cultivo. Como podemos batizar alguém que conheceu o evangelho há uma semana? Existem pessoas achando que o evangelismo de colheita substitui o tradicional de seis semanas. Não é assim. Cada um tem seu lugar, dependendo do local em que é realizado. Todo Campo deve ter uma equipe de evangelismo tradicional, para penetrar em lugares novos. Porém, onde já existe presença adventista, é um pecado deixar os membros sentados e pagar instrutores bíblicos, com o fim de alcançar um alvo.
Ministério: Quais eram os grandes desafios da igreja, quando o senhor iniciou seu pastorado, e quais são, a seu ver, os maiores desafios de hoje?
Bullón: Por incrível que pareça, os desafios do pastor, quando iniciei meu ministério, eram os mesmos de hoje, porque o ser humano continua o mesmo. A tecnologia pode ter sofisticado o mundo, mas a natureza pecaminosa não mudou. Levar cada membro da igreja a uma experiência de vida com Jesus sempre foi, é e será o desafio de todo pastor. O caminho natural é cair na mediocridade religiosa que, às vezes, pode se tornar cinismo espiritual. Como despertar a igreja e prepará-la para a volta de Cristo? Esse é o grande desafio. Contudo, para termos uma igreja espiritual, é preciso que haja ministros espirituais. Portanto, meu grande desafio, como pastor, é ser um homem espiritual. A igreja será o reflexo natural dessa experiência.
Ministério: De que modo podemos enfrentar com êxito o secularismo, reverter a dissidência e o aparente descrédito de algumas pessoas na liderança da igreja?
Bullón: Respondo com outra citação de Ellen White: “Os cristãos, cujo zelo, fervor e amor crescem constantemente, não apostatam nunca. São aqueles que não se acham empenhados nessa obra desinteressada os que se acham numa condição enferma, e chegam a esgotar-se com lutas, dúvidas, murmurações, pecados e arrependimentos, até perderem toda a consciência do que seja verdadeira religião. Reconhecem que não podem volver ao mundo, e assim penduram-se às extremidades de Sião, tendo ciúmes mesquinhos, invejas, decepções e remorsos. Estão cheios de espírito de crítica, e alimentam-se das faltas e erros de seus irmãos” (Serviço Cristão, p. 107). A única solução é levar cada membro da igreja a orar mais, estudar a Bíblia diariamente, e trabalhar permanentemente para levar alguém a Cristo. Não é apenas um sermão, ou um artigo, que vai mudar a situação. Precisamos levar cada cristão a uma experiência pessoal com Cristo. Isso só será possível, quando oração, leitura da Bíblia e testemunho se tornarem o dia-a-dia de nossos irmãos.
“Um homem de Deus é aquele que O busca todos os dias, através da oração, do estado da Bíblia e da meditação”
Ministério: Qual foi o fato que o deixou mais feliz, em todos estes anos de trabalho?
Bullón: Ver, hoje, uma igreja mais feliz. Ver, em alguns países da América do Sul, os membros da igreja mais comprometidos com a missão, por entenderem que levar pessoas a Cristo é parte da experiência cristã saudável.
Ministério: Existe alguma frustração?
Bullón: Descobri, somente há pouco tempo, que Deus não planejou que Seus filhos vivessem isoladamente, mas em duplas: um animando o outro, a força de um suprindo as fraquezas do outro. Sempre consideramos a ordem de Cristo aos setenta, no sentido de irem dois em dois, para organizar duplas missionárias. Mas Ele estava falando de estilo de vida. A igreja devia viver de dois em dois, porque um é o nível do desânimo, da apostasia e da inoperância. Satanás nunca poderia ter derrotado o ser humano, se Adão e Eva não estivessem momentaneamente separados. Se posso dizer que tenho alguma frustração, é ter compreendido isso quase na hora de ir embora.
Ministério: O que o senhor faria novamente, se tivesse tempo e oportunidade?
Bullón: A campal de Jovens Adventistas, em Itabuna, BA, em 1986. Foi uma experiência marcante para os dez mil jovens ali reunidos. Praticamente, construímos uma cidade; depois, desmanchamos tudo e devolvemos o terreno. Até hoje, encontro pessoas que dizem: “Foi em Itabuna que minha visão de cristianismo mudou”. O Projeto Sol, no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, em agosto de 1987, também foi outro evento marcante. Até então, a igreja adventista, no mundo, não tinha imaginado ser possível fazer evangelismo em estádios para milhares de pessoas. Hoje, é quase comum ver campanhas desse tipo em diferentes países.
Ministério: O que o senhor não faria novamente?
Bullón: Dar a impressão de que o tema da justificação pela fé era uma espécie de chicote contra os legalistas. Já pedi perdão a Deus e à igreja por isso. Embora, às vezes, eu ache que naquela época qualquer modo de apresentar o assunto suscitaria reações. Eu era jovem, não estava pregando nada novo. Mas, a ênfase na graça maravilhosa de Cristo feriu muita gente sincera que depositava na conduta sua confiança da salvação. A justiça de Cristo era considerada óbvia. Infelizmente, o óbvio é quase sempre esquecido, por ser óbvio.
Ministério: A esta altura, que conseIho gostaria de dar ao pastorado adventista da América do Sul?
Bullón: Você e eu somos pastores, apenas na medida em que somos homens de Deus. Um homem de Deus é aquele que O busca todos os dias, através da oração, do estudo da Bíblia e da meditação. Se o pastor separar tempo diário para Deus, não é porque isso seja natural, mas porque é indispensável. Se não o fizer, será apenas um profissional. Poderá até ser bom profissional, mas apenas isto: profissional. Esse não é o tipo de pastores que Deus e a igreja precisam.