Os elementos fundamentais para vivenciar um pastorado com propósito

Ron Clouzet

Ser pastor significa amar os outros mais do que a si mesmo. Mas esse era meu problema: eu não amava os outros mais do que a mim mesmo. Dois dos meus tios eram pastores. Um deles era erudito e abnegado, o outro era um líder amado na igreja por seu espírito cristão. Quanto a mim, não era como nenhum deles. Preferia impor minhas opiniões e defendê-las de maneira egocêntrica. Detestava a ideia de concordar com as pessoas apenas para ser bem visto por elas. Eu queria servir, mas preferia servir a meu modo.

Mesmo assim, eu não conseguia afastar o pensamento de que deveria considerar seriamente a possibilidade de me tornar pastor. Alguns dos meus amigos haviam abraçado o ministério. Eles o realizavam de modo gentil e paciente, mesmo quando enfrentavam situações desanimadoras. Eu era um franco atirador. Valorizava eficiência e justiça acima da misericórdia e correção com amor. Ainda assim, eu achava que Deus estivesse operando fielmente quando eu visitava pessoas, dava estudos bíblicos e pregava.

Quando eu estava na faculdade de Teologia, tive dúvidas se iria me qualificar como pastor. Durante o curso, fiz estágio em uma igreja local. Eu não conseguia entender por que as pessoas se sentiam beneficiadas com meu ministério, mas admito que fui o mais abençoado ao praticar o pastorado entre elas. Semanas antes de minha formatura, recebi dois chamados para trabalhar como pastor.

Depois de dois anos trabalhando como pastor distrital, algumas dúvidas ainda persistiam. Eu estava progredindo, mas sentia que já devia estar mais convicto da minha vocação. Após passar quatro meses em um treinamento evangelístico em Chicago, as cortinas da minha mente se abriram, e a luz da sabedoria divina entrou.

O propósito do ministério

Percebi que o ministério pastoral deve ter como prioridade levar a salvação aos perdidos, e não somente cuidar dos “santos”. A tarefa principal do ministro deve ser a de ensinar os membros a enxergar o que Deus vê quando olha para o mundo perdido. Meu foco no ministério mudou da manutenção dos membros para a salvação das pessoas. Afinal, cada cristão deve se tornar um discípulo do Mestre para a salvação dos pecadores.

Minha vida espiritual começou a ter mais sede de Cristo. Minhas igrejas começaram a crescer. Pude entender por que no final do Seu ministério, o foco de Jesus foi a Grande Comissão (Mt 28:18-20). Ele queria que Seus seguidores vissem a necessidade que o mundo tem de um Salvador.

O poder da oração

Separei grande parte do meu tempo para estudar a Palavra de Deus ­com interessados. Alegrava-me cada vez que via o brilho em seus olhos quando percebiam alguma verdade maravilhosa na Bíblia que se aplicava à vida deles. Na igreja, organizamos ministérios para alcançar mais eficientemente as pessoas. Fazíamos visitas de porta em porta para orar pelos moradores. Nossos jovens ficaram animados com um Deus que havia Se tornado real para eles.

Certa manhã, percebi que não sabia orar. Minhas orações eram imaturas, autocentradas, superficiais e distantes de um diálogo íntimo com o ­Todo-Poderoso. Então, anunciei para a igreja que teríamos uma série de sermões sobre a oração.

Aprendi que os dois maiores problemas na oração são a negligência e a falta de fé. No fim da série, a igreja acordou, e eu também. Convidei os anciãos para juntos orarmos na igreja, às segundas-feiras, das cinco às sete da manhã. Os diáconos e as diaconisas quiseram juntar-se ao grupo. Depois, adicionamos a essa jornada as manhãs de sexta, sábado e domingo. Os membros que desejavam também se uniram ao grupo. Então, incluímos os três dias restantes da semana. E foi assim que uma igreja “laodiceana” se tornou uma igreja de oração. Não fizemos isso em favor de nós mesmos, mas pelo bem dos perdidos, oprimidos e desesperançados deste mundo. Vidas importavam, e isso nos motivou, a cada manhã, a entrar na presença do ­Senhor e de Seu trono de graça para pedir em favor delas (Hb 4:16).

A igreja cresceu a exemplo de como ­Paulo ouviu falar dos efésios: espiritual e numericamente (Ef 4:11-16). Os fins de semana de jejum e oração eram realizados duas vezes por ano, e tínhamos até 800 participantes, quando a igreja tinha apenas 400 membros. A transformação da vida se tornou o desejo objetivo de cada um. Vários ministérios foram estabelecidos para beneficiar a comunidade. A maioria dos membros ajudava em algum deles. Deus nos concedeu o privilégio de batizar 194 pessoas!

O poder do ministério

O que aconteceu com o jovem pastor cheio de dúvidas sobre o ministério? Ele desapareceu! Após vários anos trabalhando como pastor distrital, fui convidado a ensinar pastores. Fiz isso durante 23 anos maravilhosos. O pastor que Deus pode usar não é aquele que sobressai em tudo nem aquele que acha que consegue manter todos ao seu redor. O pastor que continua crescendo é aquele a quem o ­Senhor pode usar. Davi cometeu sérios erros, mas Deus nunca Se cansou de “exaltar” Seu servo, “um homem segundo o Seu coração” (At 13:22).

Como George Müller, descobri que o segredo da oração de poder é a comunhão íntima com a Palavra de Deus. Ele escreveu: “O principal negócio a que devo prestar atenção todos os dias é ter comunhão com o Senhor. A primeira preocupação não é quanto eu posso servir ao Senhor, mas como meu homem interior pode ser nutrido. […]

“A coisa mais importante que tive que fazer foi ler a Palavra e meditar nela. Assim, meu coração pôde ser consolado, encorajado, advertido, reprovado e instruído.

“Antigamente, quando eu me levantava, orava o mais breve possível. Muitas vezes, eu passava de quinze minutos a uma hora ajoelhado, lutando para orar enquanto minha mente vagava. Agora raramente tenho esse problema. Quando meu coração é nutrido pela verdade da Palavra, sou levado à verdadeira comunhão com Deus. […]

“Como o homem exterior não está preparado para o trabalho por qualquer ­período de tempo a menos que ele coma, assim é com o homem interior. Qual é a comida do homem interior? Não a oração, mas a Palavra de Deus, não a simples leitura da Palavra de Deus. […] Devemos considerar o que lemos, refletir sobre isso. […]

“Por meio de Sua Palavra, nosso Pai fala conosco. […] Quanto mais fracos somos, mais estudo da Bíblia e meditação precisamos.”1

Reivindicando Isaías 50:4 e 5, tenho acordado todas as manhãs quando Deus me chama para me encontrar com Ele. Isso tem acontecido na maioria dos dias nos últimos 30 anos. Lembro-me de certa madrugada, sentado perto de um lago em Nevada, em que o resplendor da Lua cheia era tão forte que eu podia ler a ­Bíblia sem o auxílio de outra luz. Lembro-me
da alegria e emoção de estar com o Senhor, de caminhar com o Criador como se nada mais no Universo realmente importasse.

Também me lembro de quando li o ­livro mais inspirador sobre a vida de Cristo fora dos evangelhos, O Desejado de Todas as Nações. Ao lê-lo, eu literalmente fui tocado pelo imenso amor e pela imerecida graça de um Salvador que por mim Se dispôs a ser pregado na cruz.2 Anos mais tarde, relacionei esse fato com a experiência de conversão de Charles Finney, quando li sobre as “ondas e ondas de amor líquido” que foram derramadas sobre sua alma por um Deus que não desistiu dele.3

Recentemente, enquanto caminhava por ruas estreitas em Tóquio, supliquei ao Senhor que atendesse meu pedido em favor das pessoas com quem eu estava compartilhando o evangelho nas conferências públicas. Para minha surpresa, a resposta veio na noite seguinte, quando fiz o apelo e um grande número delas aceitou a Cristo.

Deus é bom. Deus é real. Ele é mais do que real. Quando vislumbramos Sua grandeza e Seu amor feito sob medida para cada um de nós, ficamos admirados. Silenciosamente, rasgamos nosso coração cheio de profunda gratidão por um Deus que Se importa muito com cada um de Seus filhos. Poderíamos nos perguntar quanto mais existe a respeito Dele que não somos capazes de perceber. Parafraseando o salmista: Quando considero Seu caráter e Sua natureza misericordiosa, as maravilhas que Ele coloca à nossa disposição, “que é o homem, para que Te lembres dele? E o filho do homem, para que o visites?” (Sl 8:4).

Deus é tudo de que precisamos. Sem Ele não somos nem podemos fazer nada (Jo 15:5). Há pouco tempo, visitei uma senhora em grande angústia. Com a ajuda de um tradutor, durante duas horas, eu a ouvi contar sobre seus problemas e me compadeci de seu sofrimento. O ambiente era sombrio, parecia que uma nuvem escura havia parado sobre a casa dela. Mas, ao abrir a Palavra de Deus e falar de Suas promessas, o ambiente se transformou. Aquela senhora atribulada e sem esperança entendeu que acima das nuvens escuras há um lindo céu azul onde o sol continua brilhando. “Fale de fé e você terá fé.”4 Quinze minutos refletindo nas Escrituras mudaram duas horas de tristeza e escuridão. O tradutor ficou impressionado com a transformação que viu.

Ser egoísta ou cometer pecados recorrentes é uma grande fraqueza. Contudo, como cristãos, nosso maior defeito é a falta de fé. Nos relatos dos evangelhos, descobrimos que isso acontece com a maioria das pessoas. No entanto, tudo o que ­Cristo quer de mim sou eu por inteiro. Tudo de que Ele realmente gosta sou eu. Quando sou inteiramente Dele, sou transformado em um pescador de pessoas. Mas se
vivo somente para mim, minha rede e meu barco permanecem cheios de buracos.

Olhe para cima

Faz mais de 37 anos que iniciei meu ministério. Ao longo desses anos trabalhei em diversas áreas. Ainda tenho dúvidas, mas elas são apenas sobre mim mesmo. Não mais tenho dúvidas sobre Deus nem o que Ele é capaz de fazer. No entanto, estranhamente, alguns dias escondo meu rosto Dele. Sei que Ele continua me amando, porque Ele é amor (1Jo 4:8). O Senhor irá terminar a obra que Ele começou em mim (Fp 1:6), não conforme o que eu mereço, mas porque Ele prometeu.

O livro de Hebreus foi escrito por ­Paulo, um pastor, teólogo e missionário bem instruído. No capítulo 11, encontramos o tão conhecido hall da fama dos heróis da fé. Pela fé, Abel obedeceu a Deus; pela fé, Enoque andou com Deus; pela fé, Noé preparou a arca, e assim por diante. Pela fé, a prostituta Raabe, por ter acolhido os espiões, não foi morta. O capítulo termina com essas palavras: “Portanto, também nós, uma vez que estamos rodeados por tão grande nuvem de testemunhas, ­livremo-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta, tendo os olhos fitos em Jesus, Autor e Consumador da nossa fé” (Hb 12:1, 2, NVI).

Entre os heróis da fé, encontramos alguns que também experimentaram dúvidas em sua caminhada com o Senhor. Contudo, eles continuaram olhando com esperança para cima. Eles escolheram confiar no que Deus pode fazer por Seus filhos. Eu tenho feito a mesma escolha e desfrutado do verdadeiro propósito e poder do ministério. 

Referências

1 George Müller, The Autobiography of George Müller (New Kensington, PA: Whitaker House, 1984), p. 139, 140.

2 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 755, 756.

3 Charles G. Finney, The Autobiography of Charles G. Finney (Mineápolis, MN: Bethany House, 1977), p. 10.

4 Ellen G. White, “The Light of the World”, The Signs of the Times, 20 de outubro de 1887.

Ron Clouzet, doutor em Ministério, é secretário ministerial para a Igreja Adventista na região do Pacífico Norte-Asiático