Por que a Igreja Adventista não permite o batismo ou a profissão de fé de pessoas que vivem um relacionamento conjugal sem estarem casadas civilmente? Considerando que o Estado reconhece outras formas de união estável, ao exigir apenas o casamento civil, a igreja não estaria contrariando normas de caráter público? Quais são as razões teológicas e jurídicas que levam o Manual da Igreja a aceitar unicamente o casamento civil?

Para a Igreja Adventista, a formação da família tem início com o casamento. Segundo o Manual da Igreja, “o casamento é definido como um relacionamento público, legalmente estabelecido, monogâmico e heterossexual entre um homem e uma mulher” (p. 69). A expressão “legalmente estabelecido” refere-se ao casamento civil – um ato jurídico solene, realizado por autoridade competente do Estado, com registro oficial e presença de testemunhas. Não se trata de união informal ou união estável, ainda que reconhecidas pelo Estado e registradas em cartório.

A família reconhecida pelo Estado

A legislação dos países que compõem o território da Divisão Sul-Americana apresenta semelhanças ao reconhecer a família como a base da sociedade e o casamento como seu ato constitutivo, conforme estabelecem as Constituições da Argentina (art. 14), Bolívia (art. 62 e 64), Brasil (art. 226), Chile (art. 1), Equador (art. 67), Paraguai (art. 49), Peru (art. 4), Uruguai (art. 40) e Ilhas Malvinas (chapters 9 e 10).

Esses textos constitucionais valorizam a família a tal ponto que as leis incentivam a conversão das uniões informais em “casamento”. É o caso da Constituição Federal do Brasil, que determina, no art. 226, § 3º:
“Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”

Como se observa, a Constituição do Brasil reconhece a união estável, mas não a confunde com o casamento, tanto é que orienta o legislador a “facilitar sua conversão”, significando que o status de casamento – com seus direitos e obrigações legais – é superior a qualquer outra forma de união conjugal.

O casamento reconhecido pela igreja

Segundo o Manual da Igreja, “o casamento, assim instituído por Deus, é um relacionamento monogâmico e heterossexual entre um homem e uma mulher. Assim sendo, o casamento é um compromisso vitalício público e legalmente válido que um homem e uma mulher fazem entre si” (p. 166).

A monogamia é o sistema social que não permite ao homem ou à mulher ter mais de um cônjuge ao mesmo tempo. A rejeição da poligamia é uma característica fundamental do casamento cristão. Outra característica é que se trata de relacionamento heterossexual, ou seja, entre uma pessoa do sexo masculino e uma do sexo feminino. No Manual da Igreja, não há espaço para o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda que permitidas por leis civis.

A terceira característica é que o casamento é um compromisso público e vitalício, ou seja, deve durar toda a vida dos cônjuges e ser socialmente reconhecido. A quarta característica é que o casamento deve ser um compromisso legalmente válido.

Embora uniões conjugais sem o status jurídico de casamento civil possam ser reconhecidas pelo Estado e, em alguns casos, apresentem semelhanças com o casamento, isso não significa que sejam juridicamente consideradas casamento civil. Ser “semelhante” ou “equiparado” não é o mesmo que ser idêntico.

Essas uniões, do ponto de vista jurídico, não abrangem as numerosas e complexas situações que envolvem todos os direitos e obrigações de pessoas casadas legalmente. Observe algumas diferenças:

1- O contrato de união estável regula uma situação fática pré-existente; o casamento, por sua vez, regula uma situação futura, ou seja, que passa a existir a partir do momento da celebração e só pode ser desconstituído por meio do divórcio;

2- O contrato de união estável não muda o estado civil dos contraentes. Quem está em união estável continua solteiro, viúvo, divorciado, e assim por diante. Já o casamento modifica o estado civil: os contraentes passam a ser considerados casados, e, mesmo com a dissolução do vínculo, não voltam a ser solteiros;

3- O regime de bens no contrato de união estável é único: comunhão parcial, ou seja, somente os bens adquiridos durante a convivência serão partilhados em caso de morte ou dissolução do vínculo. No casamento, por sua vez, os contraentes podem escolher entre: separação total, comunhão universal, comunhão parcial, comunhão de aquestos, entre outros;

4- Na união estável, para fins de herança, o companheiro não é automaticamente reconhecido como herdeiro, ao contrário do cônjuge legalmente casado;

5- No casamento, os contraentes podem adotar o patronímico (sobrenome da família) do outro, enquanto na união estável não é permitida a mudança de nome ou sobrenome, salvo se os contraentes solicitarem a alteração por meio de ação judicial;

6- A dissolução do casamento exige a instauração de processo de divórcio, enquanto na união estável os contraentes podem decidir livremente a forma de encerrar o vínculo;

7- O casamento tem efeitos imediatos e amplos, com direitos e responsabilidades legalmente pactuados; já na união estável, é necessário comprovar um período prévio de convivência para a geração de direitos;

8- O casamento tem reconhecimento internacional imediato, enquanto a união estável não é aceita em alguns países onde os conviventes não residem;

9- Para o casamento, o Estado realiza um processo de habilitação com o objetivo de verificar se os contraentes estão legalmente desimpedidos para o matrimônio. Já na união estável, não há comprovação de que o casal está livre para o relacionamento;

10- O casamento deve ser celebrado por um oficial do Estado, em cerimônia pública, solene e formal, com a emissão de documentos oficiais, como a certidão de casamento e, quando aplicável, a escritura pública de regime de bens. Na união estável, por outro lado, não há exigência de documento escrito para a formalização da relação.

Na maioria dos países ocidentais, são impedidos de contrair casamento: (1) as pessoas já casadas; (2) as pessoas divorciadas ou viúvas que ainda não realizaram o inventário e a partilha dos bens do casal com os herdeiros; (3) os menores de idade; (4) os ascendentes com os descendentes; (5) os afins em linha reta; (6) o adotante com o ex-cônjuge do adotado; (7) o adotado com o ex-adotante; (8) o adotado com o filho do adotante; (9) os irmãos, sejam unilaterais ou bilaterais; e (10) os demais colaterais até o terceiro grau.

Conclusão

A razão pela qual a Igreja Adventista não permite o batismo ou a profissão de fé de pessoas que vivem em um relacionamento conjugal sem serem casadas civilmente é que a igreja adota o princípio de cumprir a legislação dos países onde está estabelecida, desde que essas leis não contrariem os princípios da Palavra de Deus.

Uniões conjugais informais, documentadas ou não, podem ocultar situações irregulares dos cônjuges, como impedimentos matrimoniais, divórcios não concluídos, dívidas de pensão alimentícia, reconhecimento de paternidade, entre outras, que não são detectadas justamente por não passarem pelo processo legal de habilitação para o casamento civil.

Assim, a exigência do casamento civil por parte da Igreja Adventista não pode ser considerada desproporcional, ilegal ou desarrazoada, pois resguarda um princípio fundamental das Escrituras: o casamento, como ato inaugural da criação da família.

Vanderlei Vianna, advogado assistente da Divisão Sul-Americana